Apresentadas como uma diversão inofensiva, as arminhas de gel, que viraram febre em diversas cidades brasileiras recentemente, podem provocar ferimentos graves, especialmente nos olhos. É o que afirma a Sociedade Brasileira de Oftalmologia (SBO), que emitiu um alerta sobre os riscos dessas "brincadeiras" para a visão.
Os aparelhos disparam pequenas bolinhas de gel e se tornaram populares entre crianças e adolescentes, levando grupos a organizarem "batalhas" por meio das redes sociais. As disputas frequentemente ocorrem nas ruas, como uma espécie de "paintball" de bairro.
Mas o dispositivo tem causado problemas, fazendo com que algumas cidades adotem medidas de segurança. Em Olinda e Paulista, no Grande Recife, em Pernambuco, as arminhas foram proibidas após deixarem dezenas de feridos, por exemplo.
Segundo a Fundação Altino Ventura (FAV), referência em oftalmologia na região, entre os dias 30 de novembro e 27 de dezembro - data do último boletim -, cerca de 90 pacientes foram atendidos na emergência com lesões oculares provocadas por projéteis de gel.
Os ferimentos identificados variam entre arranhões na córnea, inflamações e sangramentos, diz a instituição.
Casos semelhantes também foram registrados em São Paulo, no Rio de Janeiro e em outras cidades brasileiras.
Riscos para a visão
"As bolinhas de gel, ao serem disparadas com força, podem perfurar o globo ocular, causando ferimentos internos e levando à perda total ou parcial da visão", alertou a SBO em comunicado.
O impacto pode gerar hematomas, inflamações, descolamento de retina e, em casos mais graves, ruptura do globo ocular.
O oftalmologista Flávio Maccord, diretor da entidade, ressalta que o trauma também pode desencadear inflamações secundárias, como o uveítes, que afetam o revestimento interno do olho. "Os sintomas costumam ser dor, vermelhidão, visão turva, sensibilidade à luz e, nos casos graves, a perda de visão", explica.
Essas lesões ainda podem evoluir para complicações sérias, como o glaucoma - doença incurável, causada por lesão no nervo óptico e que reduz o campo visual aos poucos, podendo levar à cegueira.
Esse tipo de complicação pode acontecer quando há um atraso no diagnóstico e tratamento. Para prevenir danos, o médico recomenda o uso de óculos de proteção por quem for utilizar os equipamentos.
Não é brinquedo
"É fundamental esclarecer que essas armas não são brinquedos", alertou a SBO.
De fato, embora as arminhas de gel sejam amplamente comercializadas como tal, o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) afirma que elas não são classificadas como brinquedos.
O Inmetro também emitiu alerta sobre esses equipamentos, destacando que existem regras específicas para que um produto seja considerado um objeto para brincadeiras infantis - o que não é o caso.
Segundo o órgão, as réplicas de armas com projéteis de bolas de gel são semelhantes a equipamentos como airsoft e paintball.
Por isso, segundo o instituto, a regulamentação das réplicas não é de sua responsabilidade, mas do Decreto nº 11.615, de 21 de julho de 2023, que define as regras e procedimentos relativos à aquisição de armas de fogo, munições e acessórios.
Como já mostrado pelo Estadão, as réplicas com bolinhas de gel têm as seguintes características:
- Funcionam por meio de bateria e sistema de propulsão a mola. Geralmente são coloridas, em vermelho ou azul;
- São vendidas em lojas online e em centros populares de compras, como a Rua 25 de Março, no centro paulistano. O preço varia de R$ 80 a até R$ 380, dependendo do modelo;
- As bolinhas de gel têm cerca de 8 milímetros e são lançadas a distâncias entre cinco e dez metros, segundo o Exército. A reportagem encontrou fornecedores que prometem, no entanto, disparo até 30 metros e guiado por laser.
Além dos riscos à saúde, também há problemas de segurança pública. Em reportagem publicada em setembro, o capitão Felipe Neves, do Centro de Comunicação Social da Polícia Militar de São Paulo, afirmou que esse tipo de brincadeira pode ensejar vários problemas, "desde acidente de trânsito, ferimentos e até um mal-entendido", disse.
Quem vê os grupos com o equipamento pode pensar que é um arrastão, por exemplo. A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP) reforça que o equipamento pode ser confundido com arma de fogo. E, segundo o Estatuto do Desarmamento, a fabricação e comercialização de réplicas e objetos que podem ser confundidos com armas de fogo são proibidas, assim como a utilização do objeto em confrontos e como meio de ameaças.
Já para o Exército, responsável pela política de desarmamento do País, elas "não se assemelham a arma de fogo, réplica ou simulacro e, dadas as definições dispostas na legislação em vigor, os lançadores de gel não se enquadram como Produto Controlado pelo Exército, portanto fogem às atribuições regulatórias deste órgão técnico normativo."
O que fazer em caso de acidentes
Maccord orienta que, se uma criança ou um adolescente for atingido no olho pelas bolinhas de gel, as primeiras medidas devem ser:
- Lavar o olho com água limpa ou soro fisiológico;
- Proteger o local com um pano limpo ou gaze;
- Procurar um médico especializado sem tentar remover objetos ou aplicar colírios por conta própria.
Além disso, é importante evitar coçar ou pressionar o olho, assim como não tentar utilizar colírios ou remover eventuais corpos estranhos sem orientação médica.
Tratamento
Ainda de acordo com o oftalmologista, o tratamento depende do tipo de machucado e gravidade. Lesões superficiais, como abrasões de córnea, podem ser tratadas com lubrificantes oculares, antibióticos (para evitar possíveis infecções) e uso de lentes terapêuticas, em alguns casos.
Já as lesões mais graves, como hifema (um tipo de acúmulo de sangue no interior do olho) e descolamento de retina, podem exigir intervenções cirúrgicas.