Festival de Gramado: o real, o fantástico e o risco do improviso

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Sessão dupla na noite de quarta no Festival de Gramado, com dois filmes dirigidos por mulheres - Cidade; Campo, de Juliana Rojas, e Filhos do Mangue, de Eliane Caffé. São muito diferentes entre si - gênero não é marcação em matéria de autoria cinematográfica.

Cidade; Campo é construído com duas faces, duas histórias diferentes, porém espelhadas, conectadas por algumas sutilezas. Na primeira, uma mulher (Fernanda Vianna), cuja casa foi destruída por uma inundação de lama, vai morar na cidade com a irmã e passa a trabalhar num aplicativo de serviços domésticos. No segundo capítulo (digamos assim), um casal de mulheres (Mirella Façanha e Bruna Linzmeyer) vai morar numa fazenda deixada pelo pai de uma delas ao morrer.

Em ambas as histórias, comparece a mescla habitual de Juliana Rojas, alquimista que trabalha misturando o realismo e o fantástico. Na receita, entram outros ingredientes também, como o poético e mesmo o musical, quando uma das personagens (Vianna) da primeira história entoa uma canção evocando Alecrim, o cavalo branco morto na inundação de lama.

SOMBRAS

Esse aceno ao fantástico, que comparece na primeira história, se faz ainda mais presente na segunda, com sombras rondando a casa da fazenda, evocações da ancestralidade da nova proprietária, imagens do pai morto que não se sabe se reais ou alucinações. Algo como a sombra da morte paira sobre elas, provocando um incômodo e uma ruptura.

O filme é muito bem construído, como de hábito quando se trata de produções de Juliana Rojas (autora de Trabalhar Cansa e As Boas Maneiras). Há um trabalho de som e de imagem que se ajusta a esse diálogo com o cinema de gênero. Não se trata de um terror vulgar, e sim de uma sensação de estranhamento repassada ao espectador. Nada assustadora, porém inquietante, como a presença da espiritualidade em meio a um realismo duro, quase explícito, em uma cena sexual.

Há algo que lembra o "toque" místico de Apichatpong Weerasethakul, o cineasta tailandês autor de obras como Mal dos Trópicos, Tio Boonmee - Que Pode Recordar suas Vidas Passadas e Memória.

Enfim, é um caminho difícil, mas Rojas conhece bem a trilha. O cinema tem uma tradição realista forte e o público às vezes cobra esse aspecto. O difícil é introduzir, na narrativa realista, ponto de dissonância que produz a criativa sensação de estranhamento no espectador.

COMUNIDADE

Já em Filhos do Mangue, de Eliane Caffé, a conversa é outra. Desde as primeiras cenas, me pareceu uma obra bastante confusa, sensação que foi se aprofundando. É a história de um certo Pedro Chão (Felipe Camargo), que toma uma pancada na cabeça e esquece tudo, inclusive quem é. Acorda em uma comunidade furiosa com ele, que tenta saber onde escondeu o dinheiro. Que dinheiro? Ele não sabe.

O longa é filmado em uma comunidade ribeirinha no Rio Grande do Norte. Além de Felipe Camargo, há outros profissionais no elenco como Roney Villela e Titina Medeiros. Quase todo o restante é formado pela comunidade local. São chamados às vezes de "atores não profissionais" ou "atores naturais". No melhor dos casos, emprestam uma autenticidade que de outra forma não seria alcançada. Mas é sempre um risco que corre a produção.

No caso, o resultado pareceu bastante caótico, sem eixo, com muita gritaria e pouca concatenação. O filme é um ET, um Objeto Cinematográfico não Identificado, que possui momentos de beleza, mas, no todo, não convence e nem envolve o espectador.

FRAGMENTOS

No debate com a equipe ficou mais claro como se chegou a esse resultado fragmentário, uma surpresa em se tratando de diretora com o currículo de Lili Caffé. Ela foi diretora convidada por produtores que queriam adaptar o romance Capitão, de Sérgio Prado. O roteiro não ficou a contento e foi chamado o experiente Luis Alberto Abreu para endireitá-lo.

Mas, apesar de haver um eixo, este parece bastante frágil. As intervenções dos atores e atrizes da comunidade foram feitas de improviso. Bem, improvisação, em cinema ou música, é ótimo. Surgem coisas maravilhosas, mas também equívocos totais. O risco é dar asas à imaginação e não conseguir voltar à tonalidade básica.

Questionada, Lili Caffé admitiu que o filme pode ter problemas, foi feito com pouco dinheiro e tempo escasso. Mesmo assim, se reconhece nesse corpo estranho, que alguém chamou de esquizofrênico. A mim, me pareceu informe, de muito difícil comunicação com qualquer tipo de público.

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Agentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) resgataram uma jaguatirica em uma fazenda em Uruará, no Pará. De acordo com o órgão, o animal estava em cativeiro ilegal e sua imagem estava sendo explorada pela influenciadora Luciene Candido nas redes sociais. Procurada para comentar o caso no Instagram, ela não se manifestou.

O resgate ocorreu no início da semana, após uma denúncia. A jaguatirica foi encontrada em cima de um guarda-roupa, em um quarto da casa da influenciadora, e chegou nesta quinta-feira, 17, a um Centro de Triagem de Animais Silvestres, onde passa por atendimento especializado.

Segundo o Ibama, o animal está desnutrido e apresenta problemas na pelagem, parasitas - com destaque para infestação por bicho-de-pé nas patas - e perda dos caninos do lado esquerdo. "Também foi detectada lesão no osso da pata dianteira esquerda, possivelmente causada por deficiência nutricional prolongada ou trauma", diz o órgão em nota.

A influenciadora soma 149 mil seguidores no Instagram, e desde agosto do ano passado publica fotos e vídeos com a jaguatirica. O animal aparece deitado em uma cama, brincando com cães e gatos e sendo alimentado com leite e ovos, entre outras situações. Uma parte do conteúdo é exclusiva para assinantes.

Ela foi autuada pelo Ibama com multas que somam R$ 10 mil, com base na Lei de Crimes Ambientais (9.605/1998), que proíbe a posse em cativeiro e a exploração de animais silvestres sem autorização legal. A mulher também foi notificada a retirar as imagens das redes sociais, sob pena de multa diária, mas o conteúdo permanecia online nesta sexta-feira, 18.

Reintrodução à natureza

A jaguatirica passará por uma série de exames cínicos e laboratoriais e por processo de reabilitação. "A exposição recorrente a animais domésticos, aliada à alimentação incorreta, comprometeu gravemente sua saúde", afirma no comunicado a coordenadora de Conservação da Fauna do Ibama, Juliana Junqueira.

Segundo Juliana, serão adotados cuidados específicos para a recuperação física e comportamental do animal, com a realização de treinamentos para que ele reconheça os instintos naturais que deveria ter. O objetivo, após todas as etapas, é reintroduzir o felino na natureza.

"Animais silvestres devem ser mantidos na natureza e não em contato com animais domésticos nem seres humanos. Só assim garantiremos a conservação dessas espécies", reforça o superintendente do Ibama no Pará, Alex Lacerda de Souza.

Moradores da Favela do Moinho, considerada a última comunidade ainda de pé no centro de São Paulo, montaram barricadas e atearam fogo nos trilhos de trem que dão acesso ao local na tarde desta sexta-feira, 18, após uma operação da Polícia Militar.

Conforme a Secretaria da Segurança Pública do Estado (SSP), a PM, em ação da Rocam, com apoio do Baep (Batalhão de Ações Especiais), prendeu um suspeito de tráfico de drogas no período da tarde.

Imagens obtidas pelo Estadão mostram que ao menos 20 policiais, distribuídos em cinco viaturas, estiveram na comunidade por volta das 14 horas. Alguns deles também teriam passado por lá pela manhã, com a justificativa de que estariam fiscalizando carros abandonados.

A presença da PM, às vésperas de uma possível remoção das famílias do local pela gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos), gerou protestos de moradores. O governo pretende transformar a comunidade, que hoje abriga quase mil famílias, em um parque, além de criar "um polo de desenvolvimento urbano potencializado para a implantação da Estação Bom Retiro".

"Cerca de 50 pessoas protestam e interditam a entrada da comunidade nesta tarde", afirmou a Secretaria da Segurança Pública. Segundo a pasta, equipes agora monitoram a situação à distância para evitar confrontos.

A ViaMobilidade informou que houve uma interrupção, a partir das 14h17, na circulação de trens entre as estações Júlio Prestes e Palmeiras-Barra Funda, na Linha 8-Diamante, por conta dos protestos na Favela do Moinho, há mais de 30 anos cravada sob o viaduto que interliga as avenidas Rudge e Rio Branco, nas proximidades da Estação Júlio Prestes. O serviço teria sido normalizado por volta das 15h50.

A concessionária afirmou que, durante a paralisação, ônibus do Plano de Apoio entre Empresas em Situação de Emergência (Paese) foram acionados para garantir o deslocamento dos passageiros.

Já a CPTM disse que a circulação dos trens do serviço 710 foi interrompida às 15h10 entre as estações Palmeiras-Barra Funda e Luz. "As composições da Linha 7-Rubi circularam entre as estações Jundiaí e Palmeiras-Barra Funda, já os trens da Linha 10-Turquesa circularam entre as estações Rio Grande da Serra e Luz", diz. Durante a paralisação, as alternativas foram as Linhas 1-Azul e 3-Vermelha do Metrô.

Mauro Caseri, ouvidor da Polícia do Estado de São Paulo, esteve no local para colher denúncias e mediar possíveis conflitos ocasionados pela operação. "A população do território encontra-se cindida entre os que aceitam a mudança e os que preferem ficar no local, e entre essas posições existem, segundo informações que nos chegam a todo momento e ainda inconclusivas, diversos aspectos que precisam ser analisados", diz.

Moradores da comunidade afirmam que as alternativas oferecidas pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) têm sido insuficientes, sobretudo para famílias que querem permanecer no centro - há gerações de famílias que cresceram na Favela do Moinho e hoje trabalham ali por perto.

Nesta semana, houve protesto na frente em frente à Câmara Municipal. Em nota, a CDHU diz que tem se reunido com lideranças desde o ano passado para apresentar opções de atendimento habitacional.

A comunidade é usada pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) como uma "fortaleza" para tráfico de droga na área central da cidade, segundo investigações. Os criminosos, apurou o Ministério Público Estadual, usam lugar para vigiar ações da polícia; além de ser a sede do tribunal do crime na região. A comunidade também serve de refúgio a bandidos e esconderijo de drogas e armas.

CDHU diz que todas as famílias serão atendidas

Segundo a companhia estadual de habitação, foram cadastradas "todas as residências da favela pela CDHU e também foram feitas reuniões individuais para apresentar as opções de moradias já disponíveis".

"Até agora, 86% das famílias já iniciaram adesão para o atendimento habitacional e 531 já foram habilitadas, ou seja, estão prontas para assinar contrato. Destas, 444 já têm um imóvel de destino. Num primeiro momento, foi oferecido auxílio mudança de R$ 2.400,00, além de auxílio moradia de R$ 800,00", acrescenta.

Segundo a companhia, foi realizado chamamento público para empreendimentos no centro expandido. "Foram prospectados imóveis suficientes para atender à demanda. Quem quiser, poderá ser destinado a unidades também em outras regiões", afirma.

A CDHU diz ainda que todas as famílias serão atendidas dentro das modalidades disponíveis no portfólio da CDHU, preferencialmente por Carta de Crédito Associativa, Carta de Crédito Individual. "O reassentamento das famílias da favela do Moinho é importante pelo risco aos moradores, devido às instalações insalubres e com potencial de perigo pela precariedade de construções e ligações elétricas", diz a Companhia.

Após duas crianças morrerem entre março e abril por conta da inalação proposital de aerossol presente em desodorantes, em um "desafio" proposto na internet, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) emitiu um alerta sobre o comportamento de risco em jovens.

No comunicado, a entidade reforça a importância de pais, educadores escolares e profissionais de saúde mental que trabalham com crianças e adolescentes estarem atentos aos riscos e conversarem com eles sobre o tema.

Entre 2014 e 2025, pelo menos 56 crianças e adolescentes de 7 a 18 anos morreram ou tiveram ferimentos graves após participarem de jogos ou desafios online, segundo dados do Instituto DimiCuida citados pela SBP.

As recomendações estão detalhadas em um documento publicado pela SBP em 2023, quando a entidade já chamava atenção para os riscos de ações propostas na internet.

O texto explica que os "desafios perigosos" correspondem à instigação e à prática de comportamentos considerados de autoagressão, muitas vezes revestidos de uma falsa impressão de "inofensivos" ou "brincadeiras", que são divulgados e ampliados com rapidez em imagens, vídeos e jogos on-line, em diferentes plataformas.

No caso do desodorante, os vídeos que viralizaram no TikTok ensinam como "baforar" o material para provocar desmaios.

A prática pode causar uma série de danos à saúde e até mesmo levar à morte, explicou o coordenador nacional de pneumologia da Rede D'Or, Gabriel Santiago. Os gases presentes nos desodorantes podem tomar o espaço do oxigênio no pulmão, impedindo que ele entre no corpo e chegue ao sangue.

Comportamento de risco

O documento da SBP reúne alguns padrões de comportamento de risco associados aos desafios perigosos identificados com mais frequência.

Entre eles estão práticas de sufocamento, com uso de objetos ou aspiração de produtos para bloquear a respiração; agressões contra si ou contra o outro, como os ditos "jogos de quebra-crânio" ou "murros nas costelas"; a ingestão de materiais tóxicos e a prática de tirar fotos em locais arriscados.

Além da conscientização das crianças e adolescentes para que não participem desses desafios, os especialistas enfatizam que pais e cuidadores devem supervisionar as atividades online, "estabelecendo regras claras sobre segurança, privacidade e bloqueio de mensagens inapropriadas, violentas ou discriminatórias, que podem causar danos físicos ou mentais".