O livro mítico de Lúcio Cardoso ganha nova edição

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Livro e filme, uma nova edição de Crônica da Casa Assassinada pela Companhia das Letras, e um roteiro já pronto de George Moura, à espera de virar filme de José Luiz Villamarim, reabrem uma das páginas gloriosas da literatura brasileira - o culto a Lúcio Cardoso. Mineiro de Curvelo, ele começou a publicar seus primeiros textos muito jovem. Aos 22 anos - nasceu em 1912 -, surgiu o primeiro romance, Maleita. Em 1959, aos 47, sua obra-prima. Já se passaram 62 anos e Crônica da Casa Assassinada só faz crescer com o tempo. Livro mítico, conta a história da decadência de uma família de Minas Gerais. A cada geração, os Meneses ficam mais pobres, mas seguem respeitados na comunidade. A casa, em uma chácara, deteriora-se como eles próprios. É vista com reverência, mas também com desconfiança. O que se passa lá dentro?

Crônica já foi filme (A Casa Assassinada, de Paulo César Saraceni, em 1970) e peça (de Dib Carneiro Neto, montada por Gabriel Villela, em 2011). A nova edição inclui estudo crítico de Chico Felitti. "A matriarca da casa é a própria casa. Suas alamedas são veias que irrigam o coração que é a casa-grande", ele escreve no prefácio. Talvez se deva destacar o contexto da literatura brasileira em que surgiu a obra. Graciliano Ramos havia morrido em 1943. Cornélio Penna, mestre declarado de Lúcio, morreria em 1958. O também mineiro João Guimarães Rosa havia publicado Grande Sertão: Veredas em 1956. Na Bahia, em 1958, Jorge Amado criou a emblemática Gabriela, Cravo e Canela, que se multiplicaria em novela, filmes e peça. No Sul, e ao longo de toda a década de 1950 - terminaria em 1962 -, o gaúcho Erico Verissimo montara outra família mítica, os Cambará, no monumental O Tempo e o Vento.

Na presidência, Juscelino Kubitschek fazia o Brasil avançar 50 anos em cinco. Construiu Brasília, implementou a indústria automobilística. A trilha da época era a bossa nova. O País mudava. Fazia todo sentido discutir as grandes famílias e dar adeus ao Brasil senhorial. A modernidade de 1922 multiplicava-se. Todos esses livros também são, na forma, arautos de uma nova linguagem. Mas o Brasil já era o campeão das desigualdades. Em 1960, surgiu o diário de uma favelada, Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus. O livro e a autora estão sendo resgatados na esteira do movimento #VidasNegrasImportam. A sombra de uma grande mulher já se projeta na escrita da época, Clarice Lispector.

Ela já publicara Perto do Coração Selvagem. Passou os anos 1950 publicando Alguns Contos. Nos 60 e 70, surgiram A Paixão Segundo G.H. e A Hora da Estrela. Pode-se ler/ver o Brasil nas páginas de todos esses clássicos. O roteiro de George Moura nasceu de uma encomenda de seu parceiro, o diretor de cinema e TV José Luiz Villamarim. Juntos, criaram O Canto da Sereia, Amores Roubados, O Rebu e Onde Nascem os Fortes na TV, e Redemoinho no cinema. "Não havia lido o livro de Lúcio. Quando o fiz, já foi pensando na adaptação. Lia e ia anotando, mas o livro é tão forte que me apanhou como um redemoinho. Esquecia-me do filme. Fui arrastado naquela espiral barroca de desejos humanos. Crônica, para mim, é uma tragédia do desejo."

Diferentemente de Moura, Dib Carneiro, que também escreveu a peça a pedido do diretor Villela, já tinha um conhecimento profundo, e apaixonado, do livro. "Sempre fui, desde a adolescência, um devoto deste romance montado como um quebra-cabeça, uma colagem de fragmentos de cartas e bilhetes dos membros de uma mesma família, e seus agregados e visitantes." Dib nasceu numa família libanesa, no interior de São Paulo. Moura veio do Recife, de uma família católica. Estudou em internato religioso. No colégio misto, havia a capela, quase sempre às escuras e deserta, em que garotos como ele faziam suas primeiras descobertas amorosas e sexuais, trocando beijos com as garotas ao pé da cruz. "Villa teve essa mesma experiência em Minas, somos produtos dessa repressão."

Quando leu Crônica, Moura disse que a sensação era de que o livro queimava em suas mãos. "Existe todo aquele desejo reprimido. Ler o livro é abrir uma comporta pela qual jorra tudo o que estava interdito. Some-se a decadência econômica e social, e o quadro é de degradação." Moura evoca um poema de João Cabral de Melo Neto, As Latrinas do Colégio Marista, para mostrar como a experiência humana pode ser complexa. "Tanta dor, tanto sofrimento." Já havia isso em Redemoinho - "Era uma adaptação de O Mundo Inimigo - Inferno Provisório, Vol. II, de outro autor mineiro, Luiz Ruffato", lembra. Como se não bastasse tudo o que tem de forte em matéria de sexo e desejo, o livro arrebatou os críticos pela riqueza de sua estrutura, a forma epistolar a que já se referiu Dib Carneiro.

Poema

Carlos Drummond de Andrade, num poema em homenagem a Lúcio, fala das personagens como "retratos espectrais do ser". Para o crítico Eduardo Portella, o tema do livro é "a exposição da metástase moral da chácara dos Meneses". Na trama, uma estranha, Nina, chega à casa depois de se casar com o irmão caçula, Valdo. Nina é atraída por uma suposta riqueza dos Meneses. Descobre a decadência. Entra em choque com Ana, a mulher de Demétrio, o mais velho. Tem um affair com o jardineiro (Alberto) e tudo indica que, dessa ligação, tenha nascido André. Ele desencadeia o relato, narrando a morte de Nina, que coloca o ponto final em outra interdição, o incesto entre mãe e filho. E ainda existe o irmão do meio, Timóteo, que vive encerrado em seu quarto, do qual só sai para o enterro. O grand finale de Timóteo - imenso de gordo pela inatividade dentro da casa e vestido de mulher - expõe um dos temas fantasmagóricos da obra do escritor, a homossexualidade.

A adaptação de Saraceni evoluía para a cena em que Timóteo (Carlos Kroeber) irrompe no velório de Nina (Norma Bengell), para escândalo de todos. A de Dib começa com André levando as flores - violetas - para Nina, a quem chama de 'mãe'. Ele explica: "Não podia fazer uma adaptação que não reverenciasse a obra como expoente máximo da nossa melhor literatura. Me recusei a tomar o caminho de outros adaptadores, que retiravam do livro apenas a trama e ignoravam sua forma epistolar. Eu quis as cartas em cena. Lúcio merecia isso". A peça está publicada na íntegra na série Dramaturgia Brasileira, da Giostri Editora.

O roteiro de George Moura subverte a cronologia. Ele não inicia o que será o filme de Villamarim pela morte de Nina. Seu eixo é a oposição entre desejo e repressão, Nina e Ana. De acordo com o cronograma, o filme já teria sido rodado, mas aí veio a pandemia que interrompeu as gravações de Amor de Mãe, a novela de Manuela Dias que teve direção geral de Villamarim. Como se não bastasse, Villa foi catapultado à direção de dramaturgia da Globo e agora Crônica está parado. Por quanto tempo? Uma boa saída, por enquanto, é a leitura do livro. Crônica é tão imagético nas suas 560 páginas que, ao fazê-lo, o leitor vai visualizar o próprio filme que estará construindo na cabeça.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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A cantora Nana Caymmi, que morreu na noite desta quinta-feira, 1º, aos 84 anos, fez aniversário no último dia 29 de abril. Internada desde julho de 2024, Nana recebeu uma mensagem da também cantora Maria Bethânia, de quem era amiga.

Bethânia escreveu: "Nana, quero que receba um abraço muito demorado, cheio de tanto carinho e admiração que tenho por você. Querida, precisamos de você e da sua voz. Queremos você perto e cheia de suas alegrias, dons e águas do mar na sua voz mais linda que há. Amor para você, hoje, seu aniversário, e sempre. Rezo à Nossa Senhora para você vencer esse tempo tão duro e difícil. Peço por sua voz e por sua saúde. Te amo. Sua irmã, Maria Bethânia".

Nana e Bethânia tinham uma longa relação de amizade e gravaram juntas no álbum Brasileirinho, de Bethânia, lançado em 2003. Bethânia afirmou mais de uma vez que Nana era a maior cantora do Brasil.

De acordo com informações divulgadas pela Casa de Saúde São José, onde Nana estava internada há nove meses para tratar de problemas cardíacos, a cantora morreu às 19h10 desta quinta-feira, em decorrência da disfunção de múltiplos órgãos.

Morreu nesta quinta-feira, 1° de maio, Nana Caymmi, aos 84 anos, em decorrência de problemas cardíacos. A morte foi confirmada pelo irmão da artista, o também músico e compositor Danilo Caymmi. Ela estava internada havia nove meses em uma clínica no Rio de Janeiro.

"Eu comunico o falecimento da minha irmã, Nana Caymmi. Estamos, lógico, na família, todos muito chocados e tristes, mas ela também passou nove meses sofrendo em um hospital", disse Danilo Caymmi.

"O Brasil perde uma grande cantora, uma das maiores intérpretes que o Brasil já viu, de sentimento, de tudo. Nós estamos, realmente, todos muito tristes, mas ela terminou nove meses de sofrimento intenso dentro de uma UTI (Unidade de Terapia Intensiva) do hospital", acrescentou o irmão, em um vídeo publicado no Instagram.

Nas redes, amigos e admiradores também prestaram homenagens à cantora.

"Uma perda imensa para a música do Brasil", escreveu o músico João Bosco, com quem Nana dividiu palcos e microfones. Bosco também teve canções interpretadas por Nana Caymmi, como Quando o Amor Acontece.

O cantor Djavan disse que o País perde uma de suas maiores cantoras e ele, particularmente, uma amiga. "Descanse em paz, Nana querida. Vamos sentir muito sua falta, sua voz continuará a tocar nossos corações."

Alcione também diz que perdeu uma amiga e que a intérprete, filha de Dorival Caymmi, tinha "a voz". "Quem poderá esquecer de Nana Caymmi?"

"Longe, longe ouço essa voz que o tempo não vai levar! Nana das maiores, das maiores das maiores", postou a cantora Monica Salmaso, que já tinha prestado uma homenagem para Nana na última terça, quando a artista completou 84 anos. "Voz de catedral", descreveu Monica na ocasião.

O escritor, roteirista e dramaturgo Walcyr Carrasco disse que, nesta quinta, a música brasileira deve ficar em silêncio em respeito à partida da artista. "Que sua voz siga ecoando onde houver saudade. Meus sentimentos à família, amigos e admiradores!"

A deputada federal e ex-prefeita de São Paulo Luiza Erundina (PSOL-SP) disse que Nana Caymmi tinha umas das vozes "mais marcantes da música popular brasileira" e que a cantora deixa um "legado extraordinário" para o Brasil por meio de interpretações "únicas e carregadas de emoção". "Que sua arte siga viva, e que ela descanse em paz", disse a parlamentar.

A artista Eliana Pittman diz que se despede com tristeza de Nana Caymmi, a quem descreveu com uma das uma "das maiores vozes" que o Brasil já teve, e elogiou a cantora pela irreverência e forte personalidade.

"Nana nunca se curvou a convenções: cantava o que queria, do jeito que queria - e por isso, marcou gerações", disse Eliana, que também fez elogios qualidade técnica da intérprete. "Sua voz grave, seu timbre inconfundível e sua forma tão particular de existir na música deixam um vazio irreparável".

O Grupo MPB4 postou: "Siga em paz, querida Nana Caymmi! Nosso mais fraterno abraço para os amigos Dori Caymmi, Danilo Caymmi (irmãos de Nana Caymmi) e toda a família".

A cantora Nana Caymmi morreu nesta quinta-feira, aos 84 anos, em decorrência de problemas cardíacos. Ela estava internada há nove meses na Clínica São José, no Rio de Janeiro. A morte da cantora foi confirmada por seu irmão, o músico e compositor Danilo Caymmi, no início da noite.

Além dos problemas cardíacos que abalaram sua saúde em 2024, que obrigaram os médicos implantar um marcapasso para contornar uma arritmia cardíaca, Nana enfrentou um câncer de estômago em 2015.

Filha do compositor baiano Dorival Caymmi e da cantora Stella Maris, Nana nasceu no Rio de Janeiro, com o nome de Dinahir Tostes Caymmi, o mesmo de uma tia, irmã do pai. Incentivada pelos pais, começou a estudar piano clássico ainda criança. Em 1960, entrou no estúdio com Caymmi para fazer sua primeira gravação, Acalanto, a canção de ninar feita para ela pelo pai. No mesmo ano, gravou um compacto simples com as músicas Adeus e Nossos Beijos.

Ao mesmo tempo que dava seus primeiros passos na carreira como cantora, Nana decide deixar o Brasil e se casar com o médico venezuelano Gilberto José Aponte Paoli, com quem teve seus três filhos, Stella, Denise e João Gilberto.

De volta ao País, separada, enfrenta o preconceito de Caymmi, que decide não falar mais com a filha. Nana é então socorrida pelo irmão, Dori, que faz a canção Saveiros para ela cantar no I Festival Internacional da Canção (TV Globo). Foi vaiada ao ser anunciada a vencedora da competição.

Casada agora com Gilberto Gil, apresenta-se no III Festival de Música Popular Brasileira na TV Record, em 1967, com a canção Bom Dia, assinada em parceria com Gil. Grava com o grupo Os Mutantes a canção Alegria, Alegria, de Caetano Veloso, além de um álbum de carreira.

Em 1973, faz uma exitosa temporada em Buenos Aires, na Argentina, onde lança um disco pela gravadora Trova. No repertório, músicas de compositores que seriam presença constantes em seus discos, como Tom Jobim, João Donato, Chico Buarque, além de Caymmi. Nesse mesmo ano, Caymmi se reaproxima da filha, em um programa de televisão.

Ao longo dos anos 1970 e 1980, grava regularmente. Seus álbuns reuniam não somente um repertório sofisticado, mas também grandes músicos, como João Donato, Helio Delmiro, Toninho Horta, Novelli, além dos irmãos Dori e Danilo. Em 1980, participa da faixa Sentinela, no disco de Milton Nascimento. No início dos anos 1990, grava Bolero, disco inteiramente dedicado ao gênero.

Com o prestígio de uma das principais cantoras do País, Nana, embora tenha alcançado relativo sucesso com músicas como Mãos de Afeto, Beijo Partido, Contrato de Separação e De Volta ao Começo, além de ser voz presente em trilhas sonoras de novelas da TV Globo, não tinha, no entanto, a mesma popularidade de nomes como Maria Bethânia, Gal Costa e Elis Regina.

Sucesso popular

O reconhecimento popular só chegou em 1998, quando o bolero Resposta ao Tempo, de Cristovão Bastos e Aldir Blanc, foi escolhido para ser tema de abertura da minissérie Hilda Furacão, de Glória Perez. A história da moça de uma família tradicional mineira que larga o noivo no altar e se torna uma das mais famosos prostitutas da zona boêmia de Belo Horizonte conquistou a audiência e ampliou o público de Nana.

Anos antes, Nana havia batido na trave. Sua gravação de Vem Morena havia sido escolhida para a abertura da novela Tieta, um dos maiores sucessos da TV Globo. Porém, dias antes da estreia da trama, em agosto de 1989, o então diretor geral da emissora, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, pediu uma música "mais animada". Ele mesmo fez a letra da canção gravada por Luiz Caldas. "Fiquei esperando minha música tocar e aparece o Luiz Caldas dizendo que a lua estava cheia de tesão", reclamou, tempos depois, Nana nos jornais.

Com a carreira em alta, arrisca e coloca em prática um antigo desejo: fazer uma segundo volume de um álbum dedicado apenas a boleros. Sangra de Mi Alma foi lançado em 2000, com clássicos do gênero como Amor de Mi Amores e Solamente Una Vez, essa última escolhida para trilha da novela Laços de Família.

Nos anos 2000, Nana se dedica a regravar as canções de Caymmi em álbuns temáticos. O Mar e o Tempo (2002), Para Caymmi: de Nana, Dori e Danilo (2004), Quem Inventou o Amor (2007) e Caymmi (2013) compreenderam boa parte da obra do compositor.

Seus últimos dois álbuns foram Nana Caymmi Canta Tito Madi, de 2019, sobre a obra do compositor pré-bossanovista, e Nana, Tom, Vinicius, de 2020, com canções de seus dois grandes amigos, Tom Jobim e Vinicius de Moraes.

Nana, porém, a essa altura, já estava afastada dos palcos. Sua última apresentação foi em 2015, em São Paulo. A cantora havia prometido voltar a cantar ao vivo se o empresário Danilo Santos de Miranda, seu grande amigo, diretor do Sesc São Paulo, se recuperasse de uma internação. Miranda morreu em outubro de 2023. O Selo Sesc, projeto criado por Miranda, guarda um registro inédito do show Resposta ao Tempo, gerado a partir de uma apresentação de Nana no Sesc Pompeia.

A última imagem conhecida de Nana é a que aparece no documentário Dorival Caymmi - Um Homem de Afetos, de Daniela Broitman. Nele, Nana dá um forte depoimento sobre o pai e canta, à capela, o samba canção Não Tem Solução, em um dos melhores momentos do filme.

Em agosto de 2024, o cantor Renato Brás lançou a faixa A Lua e Eu, sucesso de Cassiano, com a participação de Nana nos vocais. A voz de Nana foi capturada em sua casa, no Rio de Janeiro.

Em sua última entrevista ao Estadão, quando completou 80 anos, Nana manifestou o desejo de gravar as parcerias do irmão Dori com Nelson Motta. Também desejava cantar Milton Nascimento - um de seus grandes amigos - e Beto Guedes. "Se eu não gravei, são inéditas para mim", disse, reforçando uma insatisfação constante dos últimos anos, a de que não havia bons novos compositores para lhe fornecerem repertório.

Como uma metáfora da vida, Nana, também nessa entrevista, falou sobre seu sentimento ao gravar uma canção. "Ela acontece, assim como o amor. É como uma nascente, ela corre. Para quem consegue molhar o rosto nessa água límpida, como eu faço quando estou gravando, é um delírio", disse.