Em novo romance, Mariana Enriquez promove encontro do racional com o sobrenatural

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Mesmo debilitado por uma operação no peito, Juan faz uma longa travessia de carro pela Argentina, junto do filho Gaspar, viajando de Buenos Aires até as Cataratas do Iguaçu, na fronteira entre Brasil e Argentina. Como o momento que vivem é o da ditadura militar (que vigorou de 1976 a 1983), o automóvel é parado várias vezes e o clima geral é de grande tensão, pois Juan busca proteger o menino Gaspar de um destino que parece estar traçado. A mãe, Rosário, morreu em circunstâncias misteriosas. E, como o pai, o garoto foi chamado para ser médium em uma sociedade secreta, a Ordem, que, além de secular, é dominada pela poderosa família da mãe de Gaspar. Por meio de rituais atrozes (daí a preocupação paterna), a Ordem busca a vida eterna.

Apenas por esse aspecto, o romance Nossa Parte de Noite (Intrínseca), da escritora argentina Mariana Enriquez, já despertaria atenção, mas, apesar de resvalar por uma narrativa marcada pelo terror (rituais sinistros, sacrifícios bizarros, invocações do demônio, histórias de santos milagreiros e de casas assombradas), o livro se revela um leque de estilos, em que convivem o histórico, o jornalístico e o fantástico.

"Minha grande preocupação é que todos aparecessem de forma balanceada a fim de manter a verossimilhança do romance e que atraíssem também os leitores que não se interessam por fantástico e terror", observa Mariana Enriquez em uma conversa por Zoom com o Estadão. "Fiz um trabalho meticuloso com os personagens e com a trama para que a estrutura fosse moldada como um road movie sob a inspiração de artistas como Stephen King, Steven Spielberg e H. P. Lovecraft."

De fato, graças à escrita burilada, o leitor é agarrado por uma narrativa de terror de mundos ocultos que convive com o terror cotidiano, provocado por uma violenta ditadura que deixa uma enorme lista de desaparecidos políticos. Assim, a viagem de Juan e Gaspar logo se desdobra em diversas fugas, cuja finalidade é manter a sobrevivência.

E, sob a influência da Ordem, seita cuja origem remonta a séculos, passando pela África, Inglaterra até chegar à Argentina, a história alça voo e viaja pelo tempo, chegando até a psicodélica Londres dos anos 1960, onde Rosário conheceu um jovem músico de aparência andrógina chamado David Bowie. "Nessa época, a sexualidade era mais fluida, libertária, e, como minha pretensão era que o romance fosse trágico, obscuro, a sexualidade aberta representa um alívio, não um problema - os personagens são movidos pelo desejo e eu não pretendia tachar suas escolhas por causa disso. Eles fazem sexo quando se sentem atraídos por alguém", conta Mariana que, de uma certa forma, remontou à própria fase de iniciação sexual, no anos 1980, quando, roqueira iniciante, pregava a contracultura em ambientes queer, que costumava frequentar.

Uma liberdade social que contrastava com o clima pesado imposto pelos militares, o que torna o tom de horror do livro ainda mais angustiante e estranhamente familiar.

"Para narrar a história política e social de uma sociedade dominada pelo medo como foi a argentina e também as de vários outros países latinos que sofreram com ditaduras, os gêneros do terror e do fantástico são mais eficientes que o realismo, pois, como estamos acostumados à violência, esses estilos trabalham com o choque e com a tensão dramática necessários", observa a autora. "O terror estimula a liberação da adrenalina, causando um impacto no leitor e, ao mesmo tempo, o faz refletir. E o trágico desaparecimento de corpos durante a ditadura transformou essas pessoas em fantasmas."

Jornalista de profissão, Mariana conhece os limites do texto de imprensa. Segundo ela, durante muitos anos, a violência era quase obrigatoriamente retratada por narrativas realistas, construídas a partir de depoimentos - as principais características de um texto jornalístico. "Às vezes, era até possível usar metáforas", comenta ela. "E, depois de nos livrarmos da escravidão imposta pelo realismo mágico, o horror e o fantástico despontaram como gêneros também eficientes para retratar uma situação."

Tal estilo não é novidade para o leitor brasileiro, que descobriu a escrita pulsante de Mariana Enriquez por meio do livro de contos As Coisas Que Perdemos no Fogo, lançado aqui em 2017 também pela Intrínseca e que surpreendeu por apresentar uma Buenos Aires desoladora, onde o horror surgia na descrição de casas e ruas abandonadas, frequentadas por prostitutas, viciados e crianças solitárias e nas quais também era comum aparecerem corpos mutilados, pessoas que simplesmente desaparecem, luzes que se acendem e se apagam sozinhas.

Em seguida, veio Este É o Mar (2019), no qual ela mantém a tensão, mas o cenário é mais glamouroso: o mundo das estrelas do rock. Não se trata, porém, da história de groupies, ou seja, aquelas jovens fanáticas por astros, seguindo-os em suas viagens em busca de um envolvimento emocional ou sexual com o ídolo - aqui, Mariana parte de uma interessante questão: como tornar imortal uma lenda do rock? O que o artista precisa fazer para se tornar inesquecível?

É a senha para a argentina criar uma vida paralela, formada pelas Luminosas, que são seres atemporais responsáveis pela criação desses mitos a partir da devoção incondicional de seus fãs. Assim, cada Luminosa se orgulha de ter criado a imortalidade para um determinado músico. Kurt Cobain? Obra da Luminosa Violeta. Jim Morrison? Marianne. Sid Vicious? Cumprimente Gina. O livro, portanto, acompanha a trajetória de Helena que, para se tornar uma Luminosa, tem a missão de eternizar James Evans, vocalista da banda Fallen.

Com Nossa Parte de Noite (título inspirado em um verso de Emily Dickinson), romance ao mesmo tempo perturbador e deslumbrante, Mariana Enriquez alcança um patamar sofisticado da literatura ao equilibrar com sobriedade o racional e o sobrenatural, características que definem também sua própria trajetória: a idoneidade jornalística em contraste com a crença no ocultismo que marcava sua família - ela conta que a avó tinha crenças relacionadas com os santos pagãos argentinos. Era uma mulher vinda do meio rural, onde o supersticioso é mais comum, mas vivia na cidade. Tal contradição foi decisiva depois na sua formação literária.

"O oculto e o sobrenatural sempre me interessaram, mas a nível estético. Temos várias crenças que já estão incorporadas na América Latina. Meu conhecimento é alternativo, que inclui bruxas, por exemplo, mas me interessa trabalhar com o limite que separa a vida da morte, a ciência da fé", conta Mariana que, questionada pelo Estadão sobre qual seria a trilha sonora ideal para um romance tão múltiplo, apostou em artistas em destaque no final dos anos 1960, como David Bowie, Rolling Stones e Led Zeppelin. "Era o fim da era hippie, quando os jovens acreditavam em conquistar o mundo e transformá-lo em algo melhor."

BOSSA PARTE DE NOITE

Autora: Mariana Enriquez

Trad.: Elisa Menezes

Edit.: Intrínseca (544 págs., R$ 79,90, e-book: R$ 54,90

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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Maria Bethânia e Caetano Veloso realizaram, na noite deste sábado, 15, o penúltimo show da turnê conjunta que tem rodado o País, mas nem tudo ocorreu como planejado. A cantora de 78 anos precisou interromper a apresentação na Farmasi Arena, no Rio de Janeiro, por conta de problemas técnicos no som.

Enquanto cantava As Canções que Você Fez pra Mim, durante seu bloco solo no show, ela começou a reclamar: "Está tudo errado aqui no som. Não dá para cantar com esse som". Em seguida, levantou a voz e interrompeu a música: "Me respeitem! Eu não vou cantar com esse som". A apresentação parou e Bethânia foi bastante aplaudida pelo público.

O show ficou interrompido por alguns minutos, enquanto a cantora conversava com a equipe técnica, visivelmente irritada. Ela explicou à plateia que seu microfone havia sido trocado e que o retorno do som estava "um horror".

"Só tem chiado no meu ouvido. Não é absolutamente o som que eu estava cantando. Querem me desafiar. Ficaram zangados comigo ontem no ensaio porque eu briguei do som. E acabou", continuou.

Depois, Bethânia disse para chamarem Caetano "para fazer o final do show". Ao ouvir os lamentos da plateia, disse: "Não posso fazer o solo se não tenho voz. Sou uma cantora, eu não tenho outra coisa se não minha voz. Eu sinto muito. É uma vergonha, no Rio de Janeiro, a gente voltar e acontecer isso."

A cantora completou a apresentação de As Canções, mas pulou Negue, que costuma ser a última música de seu segmento solo. Caetano Veloso subiu ao palco e apresentação seguiu normalmente, com os dois lado a lado no encerramento.

Preta Gil revelou que recebeu alta do hospital em que estava internada em Salvador por conta de uma pielonefrite (infecção urinária). A cantora falou sobre o tema em stories publicados em seu Instagram neste sábado, 15, enquanto se preparava para ir ao show da turnê Tempo Rei, de seu pai, Gilberto Gil.

"Eu estou bem. Estou me sentindo bem. Fui muito bem tratada aqui em Salvador", afirmou Preta, que destacou: "É uma coisa que já aprendi que vou ter que saber lidar porque vai ser recorrente. Primeiro porque estou com a sonda, um lugar que acumula muita bactéria."

"Independente da sonda, eu tive que fazer um transplante no meu rim, no meu ureter, no lado direito, por conta de um tumor que eu tinha na ureter. Essas questões de infecções no trato urinário e rim é um assunto que ficou delicado para mim, vou ter sempre que tomar cuidado. Mas não é algo que dependa de mim", continuou.

Preta Gil estava internada desde o último sábado, 8 de março, e chegou a ser monitorada na UTI. Posteriormente, recebeu alta e foi para o quarto, até deixar o hospital em definitivo na sexta, 14.

Vinícius de Oliveira, que ficou conhecido por ter protagonizado o filme Central do Brasil ao lado de Fernanda Montenegro, quando ainda era uma criança, em 1998, publicou em sua conta no Instagram um relato sobre seu reencontro com a atriz quase três décadas após as gravações.

O fato se deu durante um evento de pré-estreia do filme Vitória: "É sempre um carrossel de emoções encontrar a maior representante da cultura desse País, a amiga de longa data, nossa rainha Fernanda Montenegro."

"Foi mais uma vez único, mas, como sempre, de aprendizado de vida. Estar ao lado dela me faz todo ouvidos. Sua paixão pela arte e pela vida é tamanha que o 'pouco' tempo que pudemos estar ali foi suficiente para eu repensar o entendimento da vida", refletiu Vinícius de Oliveira.

Em seguida, o ator explicou: "Afinal, aos 95 anos, com total capacidade intelectual e física, Fernanda veio do Rio, estava fazendo toda a social e, dali a algumas horas, partiria para o Rio novamente porque teria ensaio a tarde na ABL para a noite, então, fazer sua apresentação de 14 textos diferentes de literatura."

"Que artista, que ser humano é Fernanda Montenegro! Passarei a vida agradecendo esse acontecimento de mulher. Que ela siga nos brindando com sua arte. Obrigado e obrigado, Fernanda!", concluiu.

Em Central do Brasil, Vinícius de Oliveira deu vida ao menino Josué. Após a morte de sua mãe, no Rio de Janeiro, a personagem de Fernanda Montenegro, Dora, atravessava o País rumo ao Nordeste em busca do pai do garoto. O filme, dirigido por Walter Salles, concorreu ao Oscar nas categorias de Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Atriz.