'Para continuar vivo, o rock terá de se posicionar'

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"O indiferente não se importa, ele só quer poder/ Fará o possível e impossível pra sobreviver/ Como um inseto pestilento em reprodução/ Fatia o bolo entre a família sem preocupação." Quando Tico Santa Cruz postou a música Carta ao Futuro, que traz esses versos, no Facebook, em julho de 2020, viu que as mais de 100 mil visualizações em poucas horas não eram à toa. Existia ali um público do Detonautas, banda da qual ele é vocalista, que estava interessado em política e em questões sociais.

A canção é uma das faixas do recém-lançado Álbum Laranja - outros sete singles foram lançados ao longo de um ano e outras duas canções inéditas, além de uma versão acústica de Carta ao Futuro, compõem o repertório. O título é uma referência ao álbum branco dos Beatles (1968) e ao preto do Metallica (1991) e também ao caso das suspeitas de candidaturas laranjas no PSL em Minas Gerais, de 2019.

O governo de Jair Bolsonaro e seus apoiadores são alvos em algumas canções, como Kit Gay, que fala em "soldado do mito" e "guardião do Capitão"; e em Micheque, que aborda o caso das movimentações suspeitas na conta do ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, Fabrício Queiroz, que trariam depósitos para a primeira-dama Michelle Bolsonaro - em maio deste ano, o Supremo Tribunal Federal arquivou a investigação a pedido da Procuradoria Geral da República. Na faixa Roqueiro Reaça, a banda critica adeptos do gênero que apoiam valores autoritários.

Em letras como Fique Bem e Clareiras, a banda abre para questões que refletem a fragilidade diante da pandemia, como medo e a falta de liberdade. Aliás, um outro disco da banda, já gravado, vai trazer canções de cunho mais existenciais - Álbum Laranja, pelo tema, acabou se impondo a esse lançamento.

Em entrevista por telefone ao Estadão, Tico falou sobre a opção de lançar um disco de crônicas sociais e políticas - ele prepara um livro para falar de sua atuação no ativismo político - haters, sexualidade e os caminhos do rock brasileiro.

O primeiro single do álbum foi Carta ao Futuro. Naquela altura, vocês já tinham a ideia de fazer um álbum com essa temática social e política?

Sou o compositor da banda e, com a pandemia, passei a ter uma rotina mais próxima do violão, algo muito difícil quando estou em turnê. Compus um disco inteiro, que será lançado no final deste semestre. Em julho do ano passado, fiz o Carta ao Futuro e percebi que ela tinha uma temática diferente das outras músicas que eu tinha feito, que são mais existenciais. Postei no Facebook, de madrugada, em uma versão voz e violão. Quando acordei, no outro dia, já tinha mais de 100 mil visualizações, o dobro de Fique Bem, que foi a primeira que lançamos na quarentena. Cheguei para a banda e disse que era preciso refletir. As bandas de rock do mainstream não têm abordado a questão política, ou fazem algo muito pontual. Resolvemos, então, gravar essa música para lançar. O Marcelo Sussekind, que estava produzindo o outro disco, decidiu não participar. Fizemos a produção por nossa conta. Quando lançamos Carta ao Futuro, ela bateu 500 mil visualizações no YouTube. Entendemos que existia um caminho, uma abordagem mais política e social, embora os Detonautas tenham músicas que falam sobre esses temas desde 2002.

Como esse caminho foi discutido pelos integrantes da banda?

Parte da banda sempre se dispôs a falar sobre esses assuntos. A outra ficou meio receosa por conta de todas as retaliações que sofremos ao longo dos anos por questões de posicionamento político, polarizações, brigas de internet. De comum acordo, entendemos que esta música tinha uma função como crônica. Fiz uma alteração na letra original para ir ao encontro do que todos pensavam. Na primeira versão, eu me dirigia ao presidente (Jair Bolsonaro) como demônio. Troquei. Acabou funcionando até melhor.

Ficaram receosos se eventualmente as rádios ou outras mídias não quisessem tocar as músicas?

Se elas não deram uma eventual visibilidade, temos o YouTube, nossas plataformas de divulgação. Dentro destas plataformas, tivemos um ótimo desempenho. O Detonautas sai maior do que entrou antes da pandemia. Ultrapassamos uma barreira histórica. Estamos, agora, em um lugar privilegiado.

Quando vocês lançaram o single Micheque, a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, ameaçou uma retaliação. Há algum processo contra vocês?

Não. Pelo o que eu soube, houve uma ida a uma delegacia para fazer um boletim de ocorrência, mas a repercussão foi tão negativa que eles não avançaram.

O rock nasceu transgressor, marginal, e hoje você apresenta uma música como 'Roqueiro Reaça'. O que houve?

O rock é um estilo que fala de liberdade. Ele não é ideológico do ponto de vista de esquerda ou direita. Você não precisa ser de esquerda para ser do rock. Mas ele combate, no sentido de postura, o autoritarismo, o totalitarismo e a retirada de liberdades individuais ou coletivas. Então, você pode ter gente de direita, mas que não concorde com a retirada de liberdade. O que não dá para entender é um cara que se diz conversador, que soma voz a regimes autoritários, se colocar como roqueiro.

Qual sua avaliação sobre o cenário atual do rock brasileiro?

Neste momento, até pelo o que o Brasil está passando, os artistas que não queriam se posicionar precisaram fazê-lo. O rock é um estilo de classe média. Até pelo custo. Para ter uma guitarra, uma bateria, lugar para ensaiar, você precisa de um mínimo de recursos. Isso já fica distante da realidade da periferia. O diálogo com a galera mais nova, que está ouvindo funk e rap, que fala de outros temas, está difícil. Então, sinto o rock desconectado da realidade - e bastante careta. Não há renovação. Há figuras que foram transgressoras nos anos 1980 e atualmente adotam posturas conservadoras.

Você quer dar nomes?

O Roger, do Ultraje a Rigor, por exemplo, que era um cara revolucionário, adotou uma postura conservadora e aliou força com o Bolsonaro. O Lobão, que se posicionou pelo bolsonarismo e agora se arrependeu. Por outro lado, também vimos algumas figuras que ficaram em silêncio por algum tempo se posicionarem de maneira mais contundente, como o Dinho (Ouro Preto) e o Badauí (CPM22). Se o rock brasileiro quiser continuar vivo, terá que se posicionar. A garotada de 12, 13 anos, não dialoga com o rock, que pode virar um estilo elitista e segmentado, como o blues, o jazz e a bossa nova.

Há uma cobrança nas redes sociais para que os artistas se posicionem politicamente. O que você pensa sobre isso?

Penso que não é uma obrigação se posicionar. Dentro de uma democracia cada um é livre para escolher o que fazer. Mas estamos vendo que os artistas que não falam de política estão em uma situação bastante delicada. Só que tem uma questão: política não se aprende do dia para a noite. Então, tem aqueles artistas que já têm um posicionamento e preferem não falar para não ter problemas com patrocinadores, rádios, TVs, etc. Outros estão sendo cobrados e não têm ideia do que está acontecendo e nem como abordar a questão. Porém, em um momento de crise, o artista pode colaborar com a visibilidade que ele tem dentro do debate público, principalmente quando a democracia está sob ataque. E, no contexto da pandemia, articular para que as informações cheguem às pessoas da maneira correta. A disseminação de fake news é enorme. Artistas grandes, como os sertanejos, que têm acesso a um público que muitas vezes se confunde com as informações, poderiam colaborar - se fosse do desejo deles.

Posicionar-se foi algo que você aprendeu ao longo dos anos, não só sobre política, mas sobre racismo e questões de gênero?

O racismo faz parte da minha vida desde muito cedo. Eu fui adotado por uma família que o pai era negro e a mãe branca. Meus irmãos de consideração são negros. Como branco, eu via a forma diferente com a qual eles eram tratados. Eles são de classe média alta e compartilhavam comigo de escolas e outros ambientes onde eu via nitidamente isso acontecer. Sempre estive nesse debate. As redes deram voz a pensadores e intelectuais negros como Silvio de Almeida, Djamila Ribeiro e Preto Zezé, e eu tenho me aprofundado ainda mais no tema. Sobre a questão de gênero, não é uma questão simples. Procuro estudar para poder colaborar. Já fiz lives com Helena Vieira, que é uma filósofa trans que presta orientações para empresas, para entender e interpretar as diversas formas que existem dentro da orientação sexual.

Foi uma busca pessoal também? Você postou nas redes sociais que sua sexualidade é fluida...

Isso aconteceu de forma muito peculiar. A milícia digital bolsonarista postou uma fake news de que eu teria ido ao programa do Danilo Gentili - ao qual eu nunca fui - e dito que eu tinha gênero fluido, que era andrógino, e tinha uma personalidade chamada Shana. Isso foi muito difundido, sobretudo pelo WhatsApp. Quando vi que isso estava tomando uma proporção enorme, fui ao Instagram, disse que não sabia ao certo o que era sexualidade fluida. O que eu entendi: se eu não sou uma pessoa com sexualidade reprimida, sou livre de preconceitos, que não tinha problema de assumir qualquer postura, caso essa fosse minha orientação. Depois que fui orientado que não era bem isso, que era algo como você ser heterossexual e, em determinado momento da vida, ter relações com pessoas do mesmo sexo - ou ser bissexual. Sou uma pessoa heterossexual, casado há 20 anos, tenho dois filhos, não sinto atração por homens. Mas, se em algum momento da minha vida, essa variável mudasse, eu não teria problema em assumir. Foi nesse sentido que falei.

Como você lida com os haters?

O Detonautas foi a primeira banda formada na internet, em 1997. Passamos por todas as redes. Então, lido com eles desde sempre. Sempre sofri críticas, ataques. A banda foi estigmatizada. Paguei altos preços por não equalizar direito a maneira como eu apresentava certos conteúdos, até mesmo por não ter a maturidade que tenho hoje. Enquanto os haters estão no campo da internet, tudo bem. Quando eles ultrapassaram o limite das leis, sempre reportei aos órgãos de justiça. A pressão que eles impõem a mim não faz a mínima diferença, mas sei que isso pesa para outros artistas.

Sua família foi muito atingida?

Bastante. Meus filhos, todos, de um modo geral. Enfrentamos essas questões até hoje.

Pensou em sair do Brasil?

Pensei. Mas achei melhor ficar. Fui amadurecendo e entendendo como isso funciona.

Você tem pretensões políticas?

Não, absolutamente.

No começo da pandemia, você chegou a postar que havia pensado em tirar a própria vida, algo que, segundo você também declarou, já teria ocorrido em outras ocasiões. O que houve naquele momento?

Em um cenário como a pandemia, você entra em contato com muitos sentimentos, como de luto, angústia, ansiedade, depressão. Você olha para o futuro e não sabe o que vai acontecer. Eu faço terapia desde 2004. Esse assunto é algo recorrente no meu tratamento. A intenção não é tirar a vida, é acabar com a dor daquele momento. Essa dor é transitória. Pelo meu conhecimento terapêutico, soube identificar e neutralizar esses sentimentos. O motivo dessa fala era chamar a atenção das pessoas para a importância de estar conectado com algum tratamento ou acompanhamento psicológico.

Serviço

DETONAUTAS

'Álbum Laranja'

Disponível no streaming

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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A cantora Nana Caymmi, que morreu na noite desta quinta-feira, 1º, aos 84 anos, fez aniversário no último dia 29 de abril. Internada desde julho de 2024, Nana recebeu uma mensagem da também cantora Maria Bethânia, de quem era amiga.

Bethânia escreveu: "Nana, quero que receba um abraço muito demorado, cheio de tanto carinho e admiração que tenho por você. Querida, precisamos de você e da sua voz. Queremos você perto e cheia de suas alegrias, dons e águas do mar na sua voz mais linda que há. Amor para você, hoje, seu aniversário, e sempre. Rezo à Nossa Senhora para você vencer esse tempo tão duro e difícil. Peço por sua voz e por sua saúde. Te amo. Sua irmã, Maria Bethânia".

Nana e Bethânia tinham uma longa relação de amizade e gravaram juntas no álbum Brasileirinho, de Bethânia, lançado em 2003. Bethânia afirmou mais de uma vez que Nana era a maior cantora do Brasil.

De acordo com informações divulgadas pela Casa de Saúde São José, onde Nana estava internada há nove meses para tratar de problemas cardíacos, a cantora morreu às 19h10 desta quinta-feira, em decorrência da disfunção de múltiplos órgãos.

Morreu nesta quinta-feira, 1° de maio, Nana Caymmi, aos 84 anos, em decorrência de problemas cardíacos. A morte foi confirmada pelo irmão da artista, o também músico e compositor Danilo Caymmi. Ela estava internada havia nove meses em uma clínica no Rio de Janeiro.

"Eu comunico o falecimento da minha irmã, Nana Caymmi. Estamos, lógico, na família, todos muito chocados e tristes, mas ela também passou nove meses sofrendo em um hospital", disse Danilo Caymmi.

"O Brasil perde uma grande cantora, uma das maiores intérpretes que o Brasil já viu, de sentimento, de tudo. Nós estamos, realmente, todos muito tristes, mas ela terminou nove meses de sofrimento intenso dentro de uma UTI (Unidade de Terapia Intensiva) do hospital", acrescentou o irmão, em um vídeo publicado no Instagram.

Nas redes, amigos e admiradores também prestaram homenagens à cantora.

"Uma perda imensa para a música do Brasil", escreveu o músico João Bosco, com quem Nana dividiu palcos e microfones. Bosco também teve canções interpretadas por Nana Caymmi, como Quando o Amor Acontece.

O cantor Djavan disse que o País perde uma de suas maiores cantoras e ele, particularmente, uma amiga. "Descanse em paz, Nana querida. Vamos sentir muito sua falta, sua voz continuará a tocar nossos corações."

Alcione também diz que perdeu uma amiga e que a intérprete, filha de Dorival Caymmi, tinha "a voz". "Quem poderá esquecer de Nana Caymmi?"

"Longe, longe ouço essa voz que o tempo não vai levar! Nana das maiores, das maiores das maiores", postou a cantora Monica Salmaso, que já tinha prestado uma homenagem para Nana na última terça, quando a artista completou 84 anos. "Voz de catedral", descreveu Monica na ocasião.

O escritor, roteirista e dramaturgo Walcyr Carrasco disse que, nesta quinta, a música brasileira deve ficar em silêncio em respeito à partida da artista. "Que sua voz siga ecoando onde houver saudade. Meus sentimentos à família, amigos e admiradores!"

A deputada federal e ex-prefeita de São Paulo Luiza Erundina (PSOL-SP) disse que Nana Caymmi tinha umas das vozes "mais marcantes da música popular brasileira" e que a cantora deixa um "legado extraordinário" para o Brasil por meio de interpretações "únicas e carregadas de emoção". "Que sua arte siga viva, e que ela descanse em paz", disse a parlamentar.

A artista Eliana Pittman diz que se despede com tristeza de Nana Caymmi, a quem descreveu com uma das uma "das maiores vozes" que o Brasil já teve, e elogiou a cantora pela irreverência e forte personalidade.

"Nana nunca se curvou a convenções: cantava o que queria, do jeito que queria - e por isso, marcou gerações", disse Eliana, que também fez elogios qualidade técnica da intérprete. "Sua voz grave, seu timbre inconfundível e sua forma tão particular de existir na música deixam um vazio irreparável".

O Grupo MPB4 postou: "Siga em paz, querida Nana Caymmi! Nosso mais fraterno abraço para os amigos Dori Caymmi, Danilo Caymmi (irmãos de Nana Caymmi) e toda a família".

A cantora Nana Caymmi morreu nesta quinta-feira, aos 84 anos, em decorrência de problemas cardíacos. Ela estava internada há nove meses na Clínica São José, no Rio de Janeiro. A morte da cantora foi confirmada por seu irmão, o músico e compositor Danilo Caymmi, no início da noite.

Além dos problemas cardíacos que abalaram sua saúde em 2024, que obrigaram os médicos implantar um marcapasso para contornar uma arritmia cardíaca, Nana enfrentou um câncer de estômago em 2015.

Filha do compositor baiano Dorival Caymmi e da cantora Stella Maris, Nana nasceu no Rio de Janeiro, com o nome de Dinahir Tostes Caymmi, o mesmo de uma tia, irmã do pai. Incentivada pelos pais, começou a estudar piano clássico ainda criança. Em 1960, entrou no estúdio com Caymmi para fazer sua primeira gravação, Acalanto, a canção de ninar feita para ela pelo pai. No mesmo ano, gravou um compacto simples com as músicas Adeus e Nossos Beijos.

Ao mesmo tempo que dava seus primeiros passos na carreira como cantora, Nana decide deixar o Brasil e se casar com o médico venezuelano Gilberto José Aponte Paoli, com quem teve seus três filhos, Stella, Denise e João Gilberto.

De volta ao País, separada, enfrenta o preconceito de Caymmi, que decide não falar mais com a filha. Nana é então socorrida pelo irmão, Dori, que faz a canção Saveiros para ela cantar no I Festival Internacional da Canção (TV Globo). Foi vaiada ao ser anunciada a vencedora da competição.

Casada agora com Gilberto Gil, apresenta-se no III Festival de Música Popular Brasileira na TV Record, em 1967, com a canção Bom Dia, assinada em parceria com Gil. Grava com o grupo Os Mutantes a canção Alegria, Alegria, de Caetano Veloso, além de um álbum de carreira.

Em 1973, faz uma exitosa temporada em Buenos Aires, na Argentina, onde lança um disco pela gravadora Trova. No repertório, músicas de compositores que seriam presença constantes em seus discos, como Tom Jobim, João Donato, Chico Buarque, além de Caymmi. Nesse mesmo ano, Caymmi se reaproxima da filha, em um programa de televisão.

Ao longo dos anos 1970 e 1980, grava regularmente. Seus álbuns reuniam não somente um repertório sofisticado, mas também grandes músicos, como João Donato, Helio Delmiro, Toninho Horta, Novelli, além dos irmãos Dori e Danilo. Em 1980, participa da faixa Sentinela, no disco de Milton Nascimento. No início dos anos 1990, grava Bolero, disco inteiramente dedicado ao gênero.

Com o prestígio de uma das principais cantoras do País, Nana, embora tenha alcançado relativo sucesso com músicas como Mãos de Afeto, Beijo Partido, Contrato de Separação e De Volta ao Começo, além de ser voz presente em trilhas sonoras de novelas da TV Globo, não tinha, no entanto, a mesma popularidade de nomes como Maria Bethânia, Gal Costa e Elis Regina.

Sucesso popular

O reconhecimento popular só chegou em 1998, quando o bolero Resposta ao Tempo, de Cristovão Bastos e Aldir Blanc, foi escolhido para ser tema de abertura da minissérie Hilda Furacão, de Glória Perez. A história da moça de uma família tradicional mineira que larga o noivo no altar e se torna uma das mais famosos prostitutas da zona boêmia de Belo Horizonte conquistou a audiência e ampliou o público de Nana.

Anos antes, Nana havia batido na trave. Sua gravação de Vem Morena havia sido escolhida para a abertura da novela Tieta, um dos maiores sucessos da TV Globo. Porém, dias antes da estreia da trama, em agosto de 1989, o então diretor geral da emissora, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, pediu uma música "mais animada". Ele mesmo fez a letra da canção gravada por Luiz Caldas. "Fiquei esperando minha música tocar e aparece o Luiz Caldas dizendo que a lua estava cheia de tesão", reclamou, tempos depois, Nana nos jornais.

Com a carreira em alta, arrisca e coloca em prática um antigo desejo: fazer uma segundo volume de um álbum dedicado apenas a boleros. Sangra de Mi Alma foi lançado em 2000, com clássicos do gênero como Amor de Mi Amores e Solamente Una Vez, essa última escolhida para trilha da novela Laços de Família.

Nos anos 2000, Nana se dedica a regravar as canções de Caymmi em álbuns temáticos. O Mar e o Tempo (2002), Para Caymmi: de Nana, Dori e Danilo (2004), Quem Inventou o Amor (2007) e Caymmi (2013) compreenderam boa parte da obra do compositor.

Seus últimos dois álbuns foram Nana Caymmi Canta Tito Madi, de 2019, sobre a obra do compositor pré-bossanovista, e Nana, Tom, Vinicius, de 2020, com canções de seus dois grandes amigos, Tom Jobim e Vinicius de Moraes.

Nana, porém, a essa altura, já estava afastada dos palcos. Sua última apresentação foi em 2015, em São Paulo. A cantora havia prometido voltar a cantar ao vivo se o empresário Danilo Santos de Miranda, seu grande amigo, diretor do Sesc São Paulo, se recuperasse de uma internação. Miranda morreu em outubro de 2023. O Selo Sesc, projeto criado por Miranda, guarda um registro inédito do show Resposta ao Tempo, gerado a partir de uma apresentação de Nana no Sesc Pompeia.

A última imagem conhecida de Nana é a que aparece no documentário Dorival Caymmi - Um Homem de Afetos, de Daniela Broitman. Nele, Nana dá um forte depoimento sobre o pai e canta, à capela, o samba canção Não Tem Solução, em um dos melhores momentos do filme.

Em agosto de 2024, o cantor Renato Brás lançou a faixa A Lua e Eu, sucesso de Cassiano, com a participação de Nana nos vocais. A voz de Nana foi capturada em sua casa, no Rio de Janeiro.

Em sua última entrevista ao Estadão, quando completou 80 anos, Nana manifestou o desejo de gravar as parcerias do irmão Dori com Nelson Motta. Também desejava cantar Milton Nascimento - um de seus grandes amigos - e Beto Guedes. "Se eu não gravei, são inéditas para mim", disse, reforçando uma insatisfação constante dos últimos anos, a de que não havia bons novos compositores para lhe fornecerem repertório.

Como uma metáfora da vida, Nana, também nessa entrevista, falou sobre seu sentimento ao gravar uma canção. "Ela acontece, assim como o amor. É como uma nascente, ela corre. Para quem consegue molhar o rosto nessa água límpida, como eu faço quando estou gravando, é um delírio", disse.