A Dona da Boca

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Isabelle Huppert vive uma traficante infiltrada em 'A Dona do Barato'

Isabelle Huppert conversa com a reportagem do jornal O Estado de S. Paulo pelo telefone, de Nova York, na quinta, 16. Passa férias em Manhattan. "Ontem (terça, 14), os teatros da Broadway reabriram, há uma movimentação muito intensa na cidade, muita gente querendo voltar a ver musicais. É como se, agora sim, a vida estivesse voltando."

O contato é para falar de A Dona do Barato, seu novo filme, que estreia na quinta, 23. Jean-Paul Salomé dirige a história da tradutora de árabe da polícia que, em dificuldades financeiras, cria uma persona fictícia e vira traficante.

Como está dentro do QG dos policiais, ela sabe de todos os planos para tentar prender a mulher. E vai-se safando até que, olha o spoiler, polícia - inclusive o chefe da operação, Hippolyte Girardot, com quem tem uma ligação mais íntima - e criminosos fecham o cerco. Conseguirá escapar?

O repórter não se furta a observar - por momentos, parece uma trama tão inverossímil que só pode ser verdadeira. Ela ri, seu riso glacial, mas observa. "O filme se baseia em um livro de Hannelore Cayre, muito acurado, mas não creio que seja baseado em fatos. Jean-Paul (o diretor) nunca me falava nada nesse sentido."

Conta que precisou aprender a falar árabe. A par da língua, confessa que o figurino foi outro problema. "Nossa figurinista criou o guarda-roupa e, no set, conosco, havia uma especialista cuja função era garantir que o véu estivesse sempre correto. Teria sido o caos, em caso contrário. Os árabes dão muito valor a esses detalhes."

O filme foi rodado em uma área menos turística de Paris, para os lados de Pigalle. Uma das referências é o Luxor, um dos maiores cinemas de rua da capital, o que os franceses chamam de 'palais du cinéma'.

Em março do ano passado, quando a pandemia fechou a França - e o mundo -, Isabelle havia acabado de estrear um espetáculo no Théâtre de L'Odéon, que chama, carinhosamente, de 'meu teatro'. "Já fiz temporadas em outros teatros, claro, mas esse é o meu favorito. Foi meu segundo Tennessee Williams recente, À Margem da Vida."

Em francês, La Ménagerie de Verre. Uma mãe, o filho poeta e gay, a filha deficiente que coleciona o zoo de cristal. Ivo van Hove era o diretor.

O teatro ficou parado um ano, mas voltou em 2021. Isabelle participou do Festival de Teatro de Avignon, tem quatro filmes para estrear. Com pandemia e tudo, essa mulher não para.

Em Avignon, estreou O Jardim das Cerejeiras, de Chekhov, montado por Tiago Rodrigues. "Ele é um diretor português muito ousado e talentoso. É a primeira vez que um estrangeiro dirige o festival."

Sobre a Amanda de À Margem da Vida, diz: "É uma mulher amarga e infeliz, aliás, toda aquela família é. O marido foi embora e a mãe e os filhos se isolam num mundo de faz de conta".

O repórter observa que o realismo psicológico de Tennessee Williams é complexo, mas fornece grande material, especialmente às atrizes. "Havia feito, também no L'Odéon, outra peça dele, Um Bonde Chamado Desejo. Foi a segunda vez em que fui dirigida por Krzysztof Warlikowski, um polonês que está revolucionando o teatro na Europa."

Ela lembra suas passagens por teatros do Brasil, em Porto Alegre e São Paulo. No teatro e no cinema, por melhores que sejam os papéis, a escolha é sempre feita pelo diretor. O que leva a uma pergunta inevitável.

Isabelle teve seu maior triunfo recente interpretando Elle, de Paul Verhoeven. Foi até para o Oscar. Ela viu o novo filme do diretor, Benedetta, que concorreu em Cannes? "Todo mundo me pergunta isso, mas vou ficar devendo. Não vi, mas sendo de Paul só posso esperar alguma coisa forte e perturbadora."

De volta à Dona do Barato, ela define o filme de Jean-Paul Salomé "como uma espécie de comédia que flerta com o polar (policial), mas é principalmente um retrato de mulher, e de uma mulher que assume todos os desafios de seu cotidiano".

Ela se chama Patience, e se trata de uma pista falsa. "Se há uma coisa que ela não tem é paciência. Patience não é uma supermulher, mas a necessidade a obriga a ser destemida, e ousada."

Filha de uma idosa que sofre de Alzheimer e está internada numa clínica, e ainda viúva com duas filhas, ela descobre que a enfermeira que cuida tão bem de sua mãe é, ela própria, mãe de um homem que está sendo investigado na divisão. Entra em contato com a mãe dele para evitar que seja preso, o filho esconde a carga de droga que transportava. Patience não apenas se apossa dessa carga - e para isso tem a ajuda de um cão farejador da polícia -, como cria a persona da "daronne", a mulher que vai se infiltrar no submundo para negociar a encomenda.

Apesar do nome, Hippolyte não tem nenhum parentesco com Annie Giradot, a grande atriz com quem Isabelle contracenou em A Professora de Piano, de Michael Haneke. Annie morreu de Alzheimer. "É sempre um processo muito difícil e desgastante para os familiares", observa. E sobre o papel: "Já interpretei todo tipo de mulheres, até assassinas, mas nunca uma personagem como essa. A partir do momento em que inicia sua transformação, Patience tem de estar no controle. E, quando vira alvo da caçada, gosto da frieza com que ela age.

Outra mulher talvez se desequilibrasse. Patience descobre que tem um sangue-frio que nem ela sabia possuir". E o mais interessante - "O fato de transgredir não a impede de ser generosa". Embora a brigada de policiais seja basicamente masculina, Isabelle interage com mulheres fortes na história. A enfermeira, a síndica do prédio em que mora, uma oriental que vira sua cúmplice e descortina novos horizontes para ela.

Isabelle não tem dúvidas de que se trata de uma personagem simpática. "Com certeza. Ela age por necessidade, depois por amizade e o que fica claro é que se trata de uma amoral. Não sente culpa alguma." E ainda observa: "Não creio que Jean-Paul (Salomé) nem o público se sentiriam motivados se não fosse assim. Essa espécie de cumplicidade com ela é que dá sentido ao filme para mim. Senão, para que fazê-lo?" E acrescenta: "O que mais gosto nesse filme é a mistura de gêneros. Comédia, ação, drama. O próprio nome da personagem é divertido - Patience Portefeux. Patience seria, ou é, uma batedora de carteiras que age no macro."

Atores de prestígio já disseram mil vezes que não existe desafio maior do que contracenar com animais e com crianças. Como foi a relação de Isabelle com o cão farejador? "No princípio, foram as maiores dificuldades, o árabe e o cão. Tomei gosto pela língua, gostaria de prosseguir estudando, mas creio que não conseguirei, por falta de tempo. Tenho medo de cães, sempre tive. Prefiro os gatos, e você deve se lembrar da gata em Elle. Passamos por treinamento, o cachorro e eu. Achei muito triste a história de que cães que trabalharam com a polícia, se não forem adotados na aposentadoria, terminam sacrificados." O repórter, que é cachorreiro, arrisca: "O cão é muito simpático". E Isabelle concorda: "É isso mesmo. No final, já éramos amigos."

Entre os filmes que Isabelle tem prontos para estrear - em 2022 - está Joan Verra, de Laurent Larivière, sobre uma mulher confrontada com seu passado. O tema do passado também se faz presente no Salomé. Uma foto, um barco. A boa surpresa é a forma como a história se soluciona. "Ah, sim, mas não vamos contar, não é?"

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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A cantora Nana Caymmi, que morreu na noite desta quinta-feira, 1º, aos 84 anos, fez aniversário no último dia 29 de abril. Internada desde julho de 2024, Nana recebeu uma mensagem da também cantora Maria Bethânia, de quem era amiga.

Bethânia escreveu: "Nana, quero que receba um abraço muito demorado, cheio de tanto carinho e admiração que tenho por você. Querida, precisamos de você e da sua voz. Queremos você perto e cheia de suas alegrias, dons e águas do mar na sua voz mais linda que há. Amor para você, hoje, seu aniversário, e sempre. Rezo à Nossa Senhora para você vencer esse tempo tão duro e difícil. Peço por sua voz e por sua saúde. Te amo. Sua irmã, Maria Bethânia".

Nana e Bethânia tinham uma longa relação de amizade e gravaram juntas no álbum Brasileirinho, de Bethânia, lançado em 2003. Bethânia afirmou mais de uma vez que Nana era a maior cantora do Brasil.

De acordo com informações divulgadas pela Casa de Saúde São José, onde Nana estava internada há nove meses para tratar de problemas cardíacos, a cantora morreu às 19h10 desta quinta-feira, em decorrência da disfunção de múltiplos órgãos.

Morreu nesta quinta-feira, 1° de maio, Nana Caymmi, aos 84 anos, em decorrência de problemas cardíacos. A morte foi confirmada pelo irmão da artista, o também músico e compositor Danilo Caymmi. Ela estava internada havia nove meses em uma clínica no Rio de Janeiro.

"Eu comunico o falecimento da minha irmã, Nana Caymmi. Estamos, lógico, na família, todos muito chocados e tristes, mas ela também passou nove meses sofrendo em um hospital", disse Danilo Caymmi.

"O Brasil perde uma grande cantora, uma das maiores intérpretes que o Brasil já viu, de sentimento, de tudo. Nós estamos, realmente, todos muito tristes, mas ela terminou nove meses de sofrimento intenso dentro de uma UTI (Unidade de Terapia Intensiva) do hospital", acrescentou o irmão, em um vídeo publicado no Instagram.

Nas redes, amigos e admiradores também prestaram homenagens à cantora.

"Uma perda imensa para a música do Brasil", escreveu o músico João Bosco, com quem Nana dividiu palcos e microfones. Bosco também teve canções interpretadas por Nana Caymmi, como Quando o Amor Acontece.

O cantor Djavan disse que o País perde uma de suas maiores cantoras e ele, particularmente, uma amiga. "Descanse em paz, Nana querida. Vamos sentir muito sua falta, sua voz continuará a tocar nossos corações."

Alcione também diz que perdeu uma amiga e que a intérprete, filha de Dorival Caymmi, tinha "a voz". "Quem poderá esquecer de Nana Caymmi?"

"Longe, longe ouço essa voz que o tempo não vai levar! Nana das maiores, das maiores das maiores", postou a cantora Monica Salmaso, que já tinha prestado uma homenagem para Nana na última terça, quando a artista completou 84 anos. "Voz de catedral", descreveu Monica na ocasião.

O escritor, roteirista e dramaturgo Walcyr Carrasco disse que, nesta quinta, a música brasileira deve ficar em silêncio em respeito à partida da artista. "Que sua voz siga ecoando onde houver saudade. Meus sentimentos à família, amigos e admiradores!"

A deputada federal e ex-prefeita de São Paulo Luiza Erundina (PSOL-SP) disse que Nana Caymmi tinha umas das vozes "mais marcantes da música popular brasileira" e que a cantora deixa um "legado extraordinário" para o Brasil por meio de interpretações "únicas e carregadas de emoção". "Que sua arte siga viva, e que ela descanse em paz", disse a parlamentar.

A artista Eliana Pittman diz que se despede com tristeza de Nana Caymmi, a quem descreveu com uma das uma "das maiores vozes" que o Brasil já teve, e elogiou a cantora pela irreverência e forte personalidade.

"Nana nunca se curvou a convenções: cantava o que queria, do jeito que queria - e por isso, marcou gerações", disse Eliana, que também fez elogios qualidade técnica da intérprete. "Sua voz grave, seu timbre inconfundível e sua forma tão particular de existir na música deixam um vazio irreparável".

O Grupo MPB4 postou: "Siga em paz, querida Nana Caymmi! Nosso mais fraterno abraço para os amigos Dori Caymmi, Danilo Caymmi (irmãos de Nana Caymmi) e toda a família".

A cantora Nana Caymmi morreu nesta quinta-feira, aos 84 anos, em decorrência de problemas cardíacos. Ela estava internada há nove meses na Clínica São José, no Rio de Janeiro. A morte da cantora foi confirmada por seu irmão, o músico e compositor Danilo Caymmi, no início da noite.

Além dos problemas cardíacos que abalaram sua saúde em 2024, que obrigaram os médicos implantar um marcapasso para contornar uma arritmia cardíaca, Nana enfrentou um câncer de estômago em 2015.

Filha do compositor baiano Dorival Caymmi e da cantora Stella Maris, Nana nasceu no Rio de Janeiro, com o nome de Dinahir Tostes Caymmi, o mesmo de uma tia, irmã do pai. Incentivada pelos pais, começou a estudar piano clássico ainda criança. Em 1960, entrou no estúdio com Caymmi para fazer sua primeira gravação, Acalanto, a canção de ninar feita para ela pelo pai. No mesmo ano, gravou um compacto simples com as músicas Adeus e Nossos Beijos.

Ao mesmo tempo que dava seus primeiros passos na carreira como cantora, Nana decide deixar o Brasil e se casar com o médico venezuelano Gilberto José Aponte Paoli, com quem teve seus três filhos, Stella, Denise e João Gilberto.

De volta ao País, separada, enfrenta o preconceito de Caymmi, que decide não falar mais com a filha. Nana é então socorrida pelo irmão, Dori, que faz a canção Saveiros para ela cantar no I Festival Internacional da Canção (TV Globo). Foi vaiada ao ser anunciada a vencedora da competição.

Casada agora com Gilberto Gil, apresenta-se no III Festival de Música Popular Brasileira na TV Record, em 1967, com a canção Bom Dia, assinada em parceria com Gil. Grava com o grupo Os Mutantes a canção Alegria, Alegria, de Caetano Veloso, além de um álbum de carreira.

Em 1973, faz uma exitosa temporada em Buenos Aires, na Argentina, onde lança um disco pela gravadora Trova. No repertório, músicas de compositores que seriam presença constantes em seus discos, como Tom Jobim, João Donato, Chico Buarque, além de Caymmi. Nesse mesmo ano, Caymmi se reaproxima da filha, em um programa de televisão.

Ao longo dos anos 1970 e 1980, grava regularmente. Seus álbuns reuniam não somente um repertório sofisticado, mas também grandes músicos, como João Donato, Helio Delmiro, Toninho Horta, Novelli, além dos irmãos Dori e Danilo. Em 1980, participa da faixa Sentinela, no disco de Milton Nascimento. No início dos anos 1990, grava Bolero, disco inteiramente dedicado ao gênero.

Com o prestígio de uma das principais cantoras do País, Nana, embora tenha alcançado relativo sucesso com músicas como Mãos de Afeto, Beijo Partido, Contrato de Separação e De Volta ao Começo, além de ser voz presente em trilhas sonoras de novelas da TV Globo, não tinha, no entanto, a mesma popularidade de nomes como Maria Bethânia, Gal Costa e Elis Regina.

Sucesso popular

O reconhecimento popular só chegou em 1998, quando o bolero Resposta ao Tempo, de Cristovão Bastos e Aldir Blanc, foi escolhido para ser tema de abertura da minissérie Hilda Furacão, de Glória Perez. A história da moça de uma família tradicional mineira que larga o noivo no altar e se torna uma das mais famosos prostitutas da zona boêmia de Belo Horizonte conquistou a audiência e ampliou o público de Nana.

Anos antes, Nana havia batido na trave. Sua gravação de Vem Morena havia sido escolhida para a abertura da novela Tieta, um dos maiores sucessos da TV Globo. Porém, dias antes da estreia da trama, em agosto de 1989, o então diretor geral da emissora, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, pediu uma música "mais animada". Ele mesmo fez a letra da canção gravada por Luiz Caldas. "Fiquei esperando minha música tocar e aparece o Luiz Caldas dizendo que a lua estava cheia de tesão", reclamou, tempos depois, Nana nos jornais.

Com a carreira em alta, arrisca e coloca em prática um antigo desejo: fazer uma segundo volume de um álbum dedicado apenas a boleros. Sangra de Mi Alma foi lançado em 2000, com clássicos do gênero como Amor de Mi Amores e Solamente Una Vez, essa última escolhida para trilha da novela Laços de Família.

Nos anos 2000, Nana se dedica a regravar as canções de Caymmi em álbuns temáticos. O Mar e o Tempo (2002), Para Caymmi: de Nana, Dori e Danilo (2004), Quem Inventou o Amor (2007) e Caymmi (2013) compreenderam boa parte da obra do compositor.

Seus últimos dois álbuns foram Nana Caymmi Canta Tito Madi, de 2019, sobre a obra do compositor pré-bossanovista, e Nana, Tom, Vinicius, de 2020, com canções de seus dois grandes amigos, Tom Jobim e Vinicius de Moraes.

Nana, porém, a essa altura, já estava afastada dos palcos. Sua última apresentação foi em 2015, em São Paulo. A cantora havia prometido voltar a cantar ao vivo se o empresário Danilo Santos de Miranda, seu grande amigo, diretor do Sesc São Paulo, se recuperasse de uma internação. Miranda morreu em outubro de 2023. O Selo Sesc, projeto criado por Miranda, guarda um registro inédito do show Resposta ao Tempo, gerado a partir de uma apresentação de Nana no Sesc Pompeia.

A última imagem conhecida de Nana é a que aparece no documentário Dorival Caymmi - Um Homem de Afetos, de Daniela Broitman. Nele, Nana dá um forte depoimento sobre o pai e canta, à capela, o samba canção Não Tem Solução, em um dos melhores momentos do filme.

Em agosto de 2024, o cantor Renato Brás lançou a faixa A Lua e Eu, sucesso de Cassiano, com a participação de Nana nos vocais. A voz de Nana foi capturada em sua casa, no Rio de Janeiro.

Em sua última entrevista ao Estadão, quando completou 80 anos, Nana manifestou o desejo de gravar as parcerias do irmão Dori com Nelson Motta. Também desejava cantar Milton Nascimento - um de seus grandes amigos - e Beto Guedes. "Se eu não gravei, são inéditas para mim", disse, reforçando uma insatisfação constante dos últimos anos, a de que não havia bons novos compositores para lhe fornecerem repertório.

Como uma metáfora da vida, Nana, também nessa entrevista, falou sobre seu sentimento ao gravar uma canção. "Ela acontece, assim como o amor. É como uma nascente, ela corre. Para quem consegue molhar o rosto nessa água límpida, como eu faço quando estou gravando, é um delírio", disse.