'Queriam matar', conclui PF sobre ação de 32 agentes da PRF e PMs que fez 26 mortos em Varginha

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Os policiais rodoviários federais e os policiais militares que participaram da ação que deixou 26 mortos em Varginha, em 2021, possuíam 'desiderato compartilhado' de alvejar todos os que estavam no local do crime. O grupo entrou em dois sítios da cidade do interior de Minas 'querendo o resultado morte para todos que ali estavam'. Após a execução, os agentes ainda modificaram a cena do crime, para simular um confronto, plantando armas no local e movendo corpos para dificultar as investigações do caso.

Essas são as conclusões da Polícia Federal ao indiciar 16 policiais rodoviários federais e 16 PMs que participaram de operação contra um suposto grupo que pretendia 'executar um grande roubo' em Varginha. Os crimes ocorreram no dia 31 de outubro de 2021. Segundo a PF, por volta das 5h daquele dia, cerca de 40 policiais adentraram o sítio Recanto Dourado em Varginha e mataram 18 pessoas que estariam 'se preparando' para a empreitada. Depois, 12 dos policiais seguiram para um segundo local, o Sítio Lagoinha, onde mataram oito suspeitos.

Após dois anos de investigações, a PF atribui aos agentes os homicídios dolosos cometidos, além do crime de fraude processual. Em um relatório de 85 páginas, a corporação detalha quantos projéteis cada PM ou policial rodoviário federal disparou, citando cada um dos envolvidos como autor ou coautor da série de mortes em Varginha.

A PF diz que não há dúvidas: 'todos que ingressaram nas edificações e seus perímetros mais próximos queriam o resultado morte para todos os que ali estavam'. "Há indivíduos que levaram vários tiros provenientes de vários atiradores. Logo, vários queriam as mortes destes. A disposição dos corpos também é clara: a equipe policial foi 'varrendo' o perímetro e abrindo fogo em quem estivesse à frente", indica o relatório.

"Não se sabia quem era quem. Partiu-se da premissa que eram criminosos e deveriam ser alvejados. Quem tentou fugir dos tiros de determinado policial acabou por ser atingido por tiros de outro ou de outros. Nenhum suspeito sobreviveu. Isso porque havia convergência de vontades, havia 'consciente e voluntaria cooperação', 'vontade de participar', 'vontade de coparticipar', 'adesão a vontade de outrem' ou 'concorrência de vontades'", narra a corporação.

Além dos homicídios, os investigadores relatam como os policiais incorreram em 'notória adulteração deliberada dos locais de crime'. Segundo a PF, os agentes moveram corpos e armas com o objetivo de simular uma suposta resistência dos suspeitos, como se eles tivessem resistido à investida policial.

No entanto, os peritos identificaram que os armamentos encontrados nos locais do crime, incluindo uma metralhadora, foram introduzidos na cena posteriormente às mortes. A PF encontrou evidências de que os policiais tinham o 'propósito de inovar ardilosamente o local do crime com vistas a prejudicar as investigações'.

As apurações indicaram ainda que, dos 26 corpos encontrados nos sítios onde ocorreu a operação, dois haviam sido transportados para o local. Segundo os investigadores, esses dois suspeitos seriam responsáveis pela fuga dos criminosos após o eventual roubo e foram interceptados pela polícia na noite anterior à ação policial, para que os agentes obtivessem mais detalhes sobre as bases de onde os supostos criminosos planejavam o roubo.

A apuração aponta que os policiais torturaram a dupla, física e psicologicamente, na madrugada do dia 31 de outubro, executaram os suspeitos e então levaram os corpos para o primeiro sítio abordado na operação.

A descrição da PF sobre a dinâmica do crime é a seguinte: os policiais entraram no sitio, arrombaram a porta do local e encontraram os suspeitos correndo 'recém-despertos, desorientados e em desespero, sem entender o que ocorria'. Todos foram alvejados. A equipe avançou e 'eliminou' os suspeitos que estavam nos quartos. O mesmo ocorreu com quem estava na cozinha, na área da piscina e nos andares superiores a casa.

Em seguida, os policiais começaram a procurar as armas que não estavam sob empunhadura dos suspeitos e não foram usadas no combate. Elas estavam em sacos plásticos, dentro de uma caminhonete furtada. "Os policiais pegam as armas, as desembalam e as apresentam como 'instrumento de resistência à ação policial' em um confronto que 'nunca existiu'", ainda de acordo com o relatório da PF.

"Com vistas a macular o local de crime e favorecer uma narrativa de legitimidade da ação, policiais iniciam o pretenso socorro às vítimas. Na verdade, entretanto, o intento era retirar os mortos dos locais onde tombaram e dificultar a reconstituição do ocorrido. Na mesma toada, objetos são revolvidos, cápsulas deflagradas são recolhidas e tiros simulados com as armas pertencentes aos criminosos são efetuados. Tudo, como já dito, objetivando dar ares de que uma autêntica refrega ocorreu", segue a corporação.

Dinâmica semelhante ocorreu no segundo sítio adentrado pelos policiais. Os investigadores da PF são categóricos: "Os criminosos são surpreendidos com a chegada a polícia e são alvejados. Quem tenta se esconder é baleado. Quem tenta fugir também o é. Quem nada tem a ver com situação - o caseiro Adriano - também morre. Não há a alegada forte resistência com armas longas. Inexistem indícios de um legítimo combate. Ao final, os corpos são retirados para receber irreal socorro e o local conspurcado".

A Polícia Federal ainda resume. Ao final da ação, 26 pessoas estavam mortas e nenhum policial foi ferido. Os agentes efetuaram cerca de 500 disparos, mas somente 300 cartuchos são encontrados. Do outro lado, só 20 disparos são atribuídos às armas dos supostos roubadores, sendo que há indícios de que os policiais perpetuaram tiros simulados.

Com o indiciamento dos agentes, o caso será remetido ao Ministério Público, a quem cabe ou não denunciar os policiais. Em caso de eventual oferecimento de acusação, o caso aporta na Justiça, onde se dá o início do processo penal.

COM A PALAVRA, A PRF

No dia 31 de outubro de 2021, na cidade de Varginha (MG), uma ação conjunta da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) combateu um grupo criminoso dedicado à tomada de cidades para cometimento de ilícitos, prática de banditismo comumente conhecida como "Novo Cangaço". Na ocorrência, um farto armamento foi apreendido: metralhadora .50, fuzis de grosso calibre, pistolas, dezenas de quilos de explosivos e grande quantidade de carregadores e de munições.

A PRF destaca o compromisso com os limites constitucionais e a defesa do estado democrático de direito, incluídos o princípio da presunção de inocência dos agentes, a garantia ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa.

A Polícia Rodoviária Federal colabora com os órgãos competentes para esclarecimento de todos os aspectos da ocorrência. No âmbito administrativo, a Corregedoria-Geral da PRF reabriu procedimento apuratório ainda em 2023 frente ao surgimento de novas evidências.

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A cantora Nana Caymmi, que morreu na noite desta quinta-feira, 1º, aos 84 anos, fez aniversário no último dia 29 de abril. Internada desde julho de 2024, Nana recebeu uma mensagem da também cantora Maria Bethânia, de quem era amiga.

Bethânia escreveu: "Nana, quero que receba um abraço muito demorado, cheio de tanto carinho e admiração que tenho por você. Querida, precisamos de você e da sua voz. Queremos você perto e cheia de suas alegrias, dons e águas do mar na sua voz mais linda que há. Amor para você, hoje, seu aniversário, e sempre. Rezo à Nossa Senhora para você vencer esse tempo tão duro e difícil. Peço por sua voz e por sua saúde. Te amo. Sua irmã, Maria Bethânia".

Nana e Bethânia tinham uma longa relação de amizade e gravaram juntas no álbum Brasileirinho, de Bethânia, lançado em 2003. Bethânia afirmou mais de uma vez que Nana era a maior cantora do Brasil.

De acordo com informações divulgadas pela Casa de Saúde São José, onde Nana estava internada há nove meses para tratar de problemas cardíacos, a cantora morreu às 19h10 desta quinta-feira, em decorrência da disfunção de múltiplos órgãos.

Morreu nesta quinta-feira, 1° de maio, Nana Caymmi, aos 84 anos, em decorrência de problemas cardíacos. A morte foi confirmada pelo irmão da artista, o também músico e compositor Danilo Caymmi. Ela estava internada havia nove meses em uma clínica no Rio de Janeiro.

"Eu comunico o falecimento da minha irmã, Nana Caymmi. Estamos, lógico, na família, todos muito chocados e tristes, mas ela também passou nove meses sofrendo em um hospital", disse Danilo Caymmi.

"O Brasil perde uma grande cantora, uma das maiores intérpretes que o Brasil já viu, de sentimento, de tudo. Nós estamos, realmente, todos muito tristes, mas ela terminou nove meses de sofrimento intenso dentro de uma UTI (Unidade de Terapia Intensiva) do hospital", acrescentou o irmão, em um vídeo publicado no Instagram.

Nas redes, amigos e admiradores também prestaram homenagens à cantora.

"Uma perda imensa para a música do Brasil", escreveu o músico João Bosco, com quem Nana dividiu palcos e microfones. Bosco também teve canções interpretadas por Nana Caymmi, como Quando o Amor Acontece.

O cantor Djavan disse que o País perde uma de suas maiores cantoras e ele, particularmente, uma amiga. "Descanse em paz, Nana querida. Vamos sentir muito sua falta, sua voz continuará a tocar nossos corações."

Alcione também diz que perdeu uma amiga e que a intérprete, filha de Dorival Caymmi, tinha "a voz". "Quem poderá esquecer de Nana Caymmi?"

"Longe, longe ouço essa voz que o tempo não vai levar! Nana das maiores, das maiores das maiores", postou a cantora Monica Salmaso, que já tinha prestado uma homenagem para Nana na última terça, quando a artista completou 84 anos. "Voz de catedral", descreveu Monica na ocasião.

O escritor, roteirista e dramaturgo Walcyr Carrasco disse que, nesta quinta, a música brasileira deve ficar em silêncio em respeito à partida da artista. "Que sua voz siga ecoando onde houver saudade. Meus sentimentos à família, amigos e admiradores!"

A deputada federal e ex-prefeita de São Paulo Luiza Erundina (PSOL-SP) disse que Nana Caymmi tinha umas das vozes "mais marcantes da música popular brasileira" e que a cantora deixa um "legado extraordinário" para o Brasil por meio de interpretações "únicas e carregadas de emoção". "Que sua arte siga viva, e que ela descanse em paz", disse a parlamentar.

A artista Eliana Pittman diz que se despede com tristeza de Nana Caymmi, a quem descreveu com uma das uma "das maiores vozes" que o Brasil já teve, e elogiou a cantora pela irreverência e forte personalidade.

"Nana nunca se curvou a convenções: cantava o que queria, do jeito que queria - e por isso, marcou gerações", disse Eliana, que também fez elogios qualidade técnica da intérprete. "Sua voz grave, seu timbre inconfundível e sua forma tão particular de existir na música deixam um vazio irreparável".

O Grupo MPB4 postou: "Siga em paz, querida Nana Caymmi! Nosso mais fraterno abraço para os amigos Dori Caymmi, Danilo Caymmi (irmãos de Nana Caymmi) e toda a família".

A cantora Nana Caymmi morreu nesta quinta-feira, aos 84 anos, em decorrência de problemas cardíacos. Ela estava internada há nove meses na Clínica São José, no Rio de Janeiro. A morte da cantora foi confirmada por seu irmão, o músico e compositor Danilo Caymmi, no início da noite.

Além dos problemas cardíacos que abalaram sua saúde em 2024, que obrigaram os médicos implantar um marcapasso para contornar uma arritmia cardíaca, Nana enfrentou um câncer de estômago em 2015.

Filha do compositor baiano Dorival Caymmi e da cantora Stella Maris, Nana nasceu no Rio de Janeiro, com o nome de Dinahir Tostes Caymmi, o mesmo de uma tia, irmã do pai. Incentivada pelos pais, começou a estudar piano clássico ainda criança. Em 1960, entrou no estúdio com Caymmi para fazer sua primeira gravação, Acalanto, a canção de ninar feita para ela pelo pai. No mesmo ano, gravou um compacto simples com as músicas Adeus e Nossos Beijos.

Ao mesmo tempo que dava seus primeiros passos na carreira como cantora, Nana decide deixar o Brasil e se casar com o médico venezuelano Gilberto José Aponte Paoli, com quem teve seus três filhos, Stella, Denise e João Gilberto.

De volta ao País, separada, enfrenta o preconceito de Caymmi, que decide não falar mais com a filha. Nana é então socorrida pelo irmão, Dori, que faz a canção Saveiros para ela cantar no I Festival Internacional da Canção (TV Globo). Foi vaiada ao ser anunciada a vencedora da competição.

Casada agora com Gilberto Gil, apresenta-se no III Festival de Música Popular Brasileira na TV Record, em 1967, com a canção Bom Dia, assinada em parceria com Gil. Grava com o grupo Os Mutantes a canção Alegria, Alegria, de Caetano Veloso, além de um álbum de carreira.

Em 1973, faz uma exitosa temporada em Buenos Aires, na Argentina, onde lança um disco pela gravadora Trova. No repertório, músicas de compositores que seriam presença constantes em seus discos, como Tom Jobim, João Donato, Chico Buarque, além de Caymmi. Nesse mesmo ano, Caymmi se reaproxima da filha, em um programa de televisão.

Ao longo dos anos 1970 e 1980, grava regularmente. Seus álbuns reuniam não somente um repertório sofisticado, mas também grandes músicos, como João Donato, Helio Delmiro, Toninho Horta, Novelli, além dos irmãos Dori e Danilo. Em 1980, participa da faixa Sentinela, no disco de Milton Nascimento. No início dos anos 1990, grava Bolero, disco inteiramente dedicado ao gênero.

Com o prestígio de uma das principais cantoras do País, Nana, embora tenha alcançado relativo sucesso com músicas como Mãos de Afeto, Beijo Partido, Contrato de Separação e De Volta ao Começo, além de ser voz presente em trilhas sonoras de novelas da TV Globo, não tinha, no entanto, a mesma popularidade de nomes como Maria Bethânia, Gal Costa e Elis Regina.

Sucesso popular

O reconhecimento popular só chegou em 1998, quando o bolero Resposta ao Tempo, de Cristovão Bastos e Aldir Blanc, foi escolhido para ser tema de abertura da minissérie Hilda Furacão, de Glória Perez. A história da moça de uma família tradicional mineira que larga o noivo no altar e se torna uma das mais famosos prostitutas da zona boêmia de Belo Horizonte conquistou a audiência e ampliou o público de Nana.

Anos antes, Nana havia batido na trave. Sua gravação de Vem Morena havia sido escolhida para a abertura da novela Tieta, um dos maiores sucessos da TV Globo. Porém, dias antes da estreia da trama, em agosto de 1989, o então diretor geral da emissora, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, pediu uma música "mais animada". Ele mesmo fez a letra da canção gravada por Luiz Caldas. "Fiquei esperando minha música tocar e aparece o Luiz Caldas dizendo que a lua estava cheia de tesão", reclamou, tempos depois, Nana nos jornais.

Com a carreira em alta, arrisca e coloca em prática um antigo desejo: fazer uma segundo volume de um álbum dedicado apenas a boleros. Sangra de Mi Alma foi lançado em 2000, com clássicos do gênero como Amor de Mi Amores e Solamente Una Vez, essa última escolhida para trilha da novela Laços de Família.

Nos anos 2000, Nana se dedica a regravar as canções de Caymmi em álbuns temáticos. O Mar e o Tempo (2002), Para Caymmi: de Nana, Dori e Danilo (2004), Quem Inventou o Amor (2007) e Caymmi (2013) compreenderam boa parte da obra do compositor.

Seus últimos dois álbuns foram Nana Caymmi Canta Tito Madi, de 2019, sobre a obra do compositor pré-bossanovista, e Nana, Tom, Vinicius, de 2020, com canções de seus dois grandes amigos, Tom Jobim e Vinicius de Moraes.

Nana, porém, a essa altura, já estava afastada dos palcos. Sua última apresentação foi em 2015, em São Paulo. A cantora havia prometido voltar a cantar ao vivo se o empresário Danilo Santos de Miranda, seu grande amigo, diretor do Sesc São Paulo, se recuperasse de uma internação. Miranda morreu em outubro de 2023. O Selo Sesc, projeto criado por Miranda, guarda um registro inédito do show Resposta ao Tempo, gerado a partir de uma apresentação de Nana no Sesc Pompeia.

A última imagem conhecida de Nana é a que aparece no documentário Dorival Caymmi - Um Homem de Afetos, de Daniela Broitman. Nele, Nana dá um forte depoimento sobre o pai e canta, à capela, o samba canção Não Tem Solução, em um dos melhores momentos do filme.

Em agosto de 2024, o cantor Renato Brás lançou a faixa A Lua e Eu, sucesso de Cassiano, com a participação de Nana nos vocais. A voz de Nana foi capturada em sua casa, no Rio de Janeiro.

Em sua última entrevista ao Estadão, quando completou 80 anos, Nana manifestou o desejo de gravar as parcerias do irmão Dori com Nelson Motta. Também desejava cantar Milton Nascimento - um de seus grandes amigos - e Beto Guedes. "Se eu não gravei, são inéditas para mim", disse, reforçando uma insatisfação constante dos últimos anos, a de que não havia bons novos compositores para lhe fornecerem repertório.

Como uma metáfora da vida, Nana, também nessa entrevista, falou sobre seu sentimento ao gravar uma canção. "Ela acontece, assim como o amor. É como uma nascente, ela corre. Para quem consegue molhar o rosto nessa água límpida, como eu faço quando estou gravando, é um delírio", disse.