'Para vencer a obesidade, uma parte da comida que consumimos tem que passar pela cozinha'

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Incentivar uma alimentação mais natural na população, sem deixar de lado os medicamentos para pessoas que já enfrentam a obesidade. Esse é o caminho defendido pelos médicos e especialistas em alimentação que participaram do painel sobre sobrepeso e obesidade nesta segunda-feira, 14, no Summit Saúde e Bem-Estar, realizado pelo Estadão.

"A obesidade precisa ser vista como uma doença crônica. Ela causa alteração corporal, na região do hipotálamo, provocando uma alteração na percepção de saciedade da pessoa, por isso não é tão simples tratar só com mudanças comportamentais", afirmou o endocrinologista Bruno Geloneze.

"A pessoa quer mudar, mas sente uma fome maior do que deveria e o medicamento entra para ajudar nisso", acrescentou Geloneze, pesquisador principal do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Carlos Augusto Monteiro, médico, professor emérito da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e criador das classificações de alimentos ultraprocessados no Brasil, lembrou que a doença já se tornou uma epidemia no País e no mundo, dado o aumento acelerado de pessoas que enfrentam a condição.

Para ele, reverter esse problema requer mudar os hábitos alimentares da população, principalmente para evitar que as pessoas entrem em quadro de sobrepeso ou obesidade.

"No Brasil, nós temos políticas interessantes para barrar esse consumo de ultraprocessados, mas ainda assim temos aumento (no consumo desses alimentos). As pessoas precisam entender que a alimentação saudável é simples. É uma alimentação muito parecida com a que os nossos avós consumiam. Basicamente, uma parte da comida que a gente consome tem que passar pela cozinha. Hoje, grande parte vem de fábricas, e isso não é natural."

A World Obesity Federation (WOF), organização sem fins lucrativos que busca impulsionar esforços globais para reduzir, prevenir e tratar a obesidade, projeta que mais da metade da população adulta mundial viverá com sobrepeso e obesidade até 2035, se não forem implementadas medidas efetivas conta a doença.

No Brasil, de acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde 2019, 26,8% da população convive com a obesidade, mais do que o dobro de 2003, quando a taxa era de 12,2%.

Entre 2019 e 2021, houve ainda um aumento do sobrepeso e da obesidade entre crianças e adolescentes no País, como mostrou um estudo conduzido em 2023 pelo Observatório de Saúde na Infância (Observa Infância - Fiocruz/Unifase).

Um outro estudo, realizado pela consultoria alemã Stradoo GmbH e apresentado no Congresso Europeu de Obesidade deste ano, apontou que a obesidade grave em crianças pode reduzir a expectativa de vida para 39 anos.

Medicamentos são aliados, mas é preciso acompanhamento médico

"Até pouco tempo atrás, as medicações não eram eficazes ou não eram seguras do ponto de vista psíquico e cardiovascular. Mas hoje nós vivemos um momento muito diferente, com medicamentos seguros", disse Bruno Mioto, médico do InCor (HCFMUSP), sobre a estigmatização do uso de remédios para emagrecer, como as terapias em formato de caneta, que se popularizaram nos últimos anos.

Ele ressaltou, contudo, a necessidade de prescrição e acompanhamento médico, e lembrou que o tratamento deve caminhar de mãos dadas com mudanças de hábitos alimentares e de atividade física.

Geloneze, por sua vez, enfatizou que o objetivo do tratamento contra obesidade não deve ser conquistar um corpo magro, mas diminuir as taxas de risco atreladas ao sobrepeso. Neste sentido, reduzir a circunferência abdominal, o índice de massa corporal (IMC) e/ou a proporção de gordura na massa corporal, medida por meio do exame de bioimpedância, são resultados que devem ser valorizados.

"O tratamento da obesidade não é a busca do peso ideal ou da magreza, mas a busca de um peso mais saudável. É recobrar a melhor saúde possível para aquele paciente", afirmou o professor da Unicamp.

Reaproximação com a cozinha

A nutricionista Desire Coelho, colunista do Estadão, defendeu que a reeducação alimentar deve passar por uma diminuição do consumo de alimentos hiper palatáveis e pobres em proteína, que tendem a prejudicar a capacidade humana de autocontrole na alimentação.

"Quando pensamos em natureza, alimentos ricos em gordura, como castanhas, não têm açúcar. E alimentos ricos em açúcar, como o mel, não têm gordura. Nosso corpo sabe lidar muito bem com os alimentos de modo isolado, mas, quando a indústria e a culinária misturam essas coisas, nosso cérebro se confunde e a nossa capacidade de regular o que comemos fica comprometida", disse.

A importância da proteína está na sua capacidade de gerar saciedade, explicou. Quanto menos proteína em um alimento, mais a pessoa terá de comer para se sentir saciada.

"Um prato natural, de arroz, feijão, salada e carne tem duas vezes menos calorias por grama que um prato com a mesma quantidade de um alimento ultraprocessado. Mas o nosso cérebro não entende as calorias por grama, ele precisa da quantidade para se satisfazer", afirmou Monteiro.

Chef de cozinha e escritora, Helô Bacellar, defendeu uma reaproximação com a cozinha. Isso porque, ao comprar os alimentos in natura e cozinhá-los em casa, a pessoa retoma o controle sobre a própria alimentação e a consciência sobre o que, de fato, está ingerindo.

Principalmente para crianças, o hábito de cozinhar em família pode gerar conexão e maior adesão a alimentos naturais. "Temos crianças hoje que aprendem que limão é aquilo que vem dentro de um suco de canudinho, que não tem cor de limão, não tem cheiro de limão e não tem gosto real de limão".

"Parece contraditório, mas, neste caso, é muito mais fácil fazer uma criança aprender a comer algo feito em casa pelo hiper palatável. Se ela gosta de comer bisnaguinha, faça uma receita caseira com ela, tendo um momento em família. Assim, você vai estimulando-a a valorizar o que é feito em casa. Aos poucos, você vai conquistando-a, fazendo picolé em casa com fruta de verdade e introduzindo outros alimentos mais saudáveis."

O "Summit Saúde e Bem-Estar - O futuro da saúde já chegou" acontece hoje, 14 de outubro, das 8h às 18h30, no Espaço de Eventos do Shopping JK Iguatemi, em São Paulo. Para se inscrever, acesse este link.

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O olhar sensitivo de Thomaz Farkas (1924-2011) segue mais impactante do que nunca na nova exposição em homenagem aos 100 anos do emblemático fotógrafo húngaro-brasileiro.

A retrospectiva Thomaz Farkas, todomundo, que será aberta neste sábado, 19, no IMS Paulista, vai ocupar dois andares do centro cultural, reunindo cerca de 500 itens, entre fotos, filmes, documentos e equipamentos. Por um acordo com o próprio fotógrafo, o instituto assumiu a guarda e a preservação da sua obra fotográfica, composta por mais de 34 mil imagens.

Farkas é uma das maiores referências da fotografia moderna e do cinema documental brasileiro. Em 2024, ele também foi homenageado na 29ª edição do festival de cinema É Tudo Verdade com a montagem de uma retrospectiva de sua produção cinematográfica.

Nascido em Budapeste no dia 17 de outubro de 1924, Thomaz imigrou com os pais para São Paulo aos seis anos e logo ganhou sua primeira máquina fotográfica. Após a morte do pai, em 1960, ele herdou a direção da Fotoptica, empresa pioneira na venda de equipamentos do gênero. Ao longo de sua carreira, teve papel crucial na valorização da diversidade social do Brasil.

"O projeto vem de uma consciência clara da importância do Thomaz como um artista de linguagem universal", diz Sergio Burgi, coordenador do IMS, ao Estadão. "O desafio geral foi apresentar sua trajetória múltipla, marcada por uma simultaneidade. Enquanto ele trabalhava na fotografia, produzia filmes, tocava a loja", acrescenta.

A exposição reflete as várias facetas do homenageado, reconhecido pela atenção à riqueza cultural do Brasil. Em uma das seções, é possível ver imagens inéditas - e coloridas - de São Paulo nos anos 1940.

"Thomaz viveu as contradições dessa cidade. As fotos respondem a uma cidade do pós-guerra, numa promessa de estruturação, modernidade", explica Burgi. "Há uma marca nessa exposição toda, que é a marca do trabalho do Thomaz: ele estava sempre interessado no atual, no agora. Em toda a sua trajetória, dos anos 40 até o final dos anos 2000, ele queria saber da transformação", complementa o curador Juliano Gomes.

Farkas, um humanista na essência, enfrentou a censura do governo Vargas e foi perseguido pela ditadura militar. Em 1960, ele registrou a inauguração de Brasília, onde contrastou a euforia em torno do presidente Juscelino Kubitschek com os problemas sociais da Cidade Planejada e as condições precárias dos imigrantes.

"Os censores não sabiam ler as fotografias. Então, os jornais publicavam muito mais imagens, porque os textos eram cortados, censurados. Os fotógrafos começaram a perceber isso, a se organizar em associações, agências", lembra a curadora Rosely Nakagawa, ex-colega de Farkas na Galeria Fotoptica, criada em 1979 para promover conversas sobre a imagem, seminários, entre outras atividades. "Para nós, a fotografia é tratada com essa importância de uma pessoa que pensava a imagem não só no papel, mas com compromisso social", diz.

Em outra ala, é possível testemunhar a influência do artista sobre toda uma geração. Algumas de suas fotografias são apresentadas lado a lado com outros autores presentes na coleção, como Alice Brill e Walter Firmo, numa proposta de conexão entre temas e estilos.

Além da fotografia

A faceta cinematográfica do artista tem grande destaque na exposição, repleta de projeções e alas interativas. Essa linguagem foi consolidada no projeto Brasil Verdade, composto por quatro filmes com cerca de 30 minutos de duração cada um: Memória do Cangaço, Subterrâneos do Futebol, Nossa Escola de Samba e Viramundo - neles, a intenção de Farkas foi retratar aspectos singulares da identidade nacional.

"Nesse conjunto de filmes feitos em 1964 e 65, há um desenvolvimento tecnológico muito importante, com câmeras menores, nas quais era possível gravar o som das pessoas falando em sincronia com a câmera. Havia a possibilidade mais móvel e mais moderna de ouvir a voz do brasileiro, os sotaques. Essa técnica mudou o cinema no mundo", analisa Juliano Gomes.

A exibição também traz diversos títulos da série A Condição Brasileira, com 19 filmes produzidos entre 1967 e 1972 no interior do Nordeste, onde Farkas coordenava equipes que viajavam pelo País para documentar manifestações coletivas da região.

"O nordeste é de uma riqueza infinita, mas só hoje conhecemos a potência cultural do Cariri, por exemplo, de Juazeiro", ressalta Rosely. "E esse acompanhamento da cultura brasileira que Thomaz fazia foi muito importante, porque o Sudeste tem essa visão egocentrista de que tudo de bom acontece no Rio e São Paulo, mas isso tudo é construído por gente do Nordeste", reforça.

O projeto ainda aborda outras frentes de atuação de Thomaz Farkas no campo institucional e empresarial, com destaque para o apoio à primeira edição do Festival Videobrasil, em 1983, precursor na difusão do vídeo como linguagem artística e que vem sendo realizado ao longo das últimas quatro décadas.

Outro ponto alto da mostra tem a música como protagonista em dois documentários históricos. O público pode assistir a um raríssimo registro de Pixinguinha captado em 1954, no Parque Ibirapuera, durante as comemorações do IV Centenário da cidade de São Paulo.

A filmagem, que ficou perdida por 50 anos e foi lançada em Pixinguinha e a Velha Guarda do Samba (2006), é exibida de maneira contraposta à película Hermeto Campeão (1981), responsável por apresentar Hermeto Pascoal em meio aos mais variados e improvisados instrumentos que ele toca no estúdio de sua casa.

"Há um diálogo entre os dois em tempos diferentes, décadas diferentes. Às vezes parece que Pixinguinha está tocando a música do Hermeto e às vezes que o Hermeto está tocando o Pixinguinha. É uma brincadeira que gostamos muito de fazer e dá um tom alegre característico do Thomaz", diz Gomes, empolgado com o "dueto" de gênios projetado em telas enormes.

Thomaz Farkas, todomundo acentua, acima de tudo, a curiosidade de um homem que imprimiu em suas fotos o amor pelo Brasil. "Quem vier vai se identificar e sentir esse olhar afetuoso dele", afirma Rosely. "É a importância da fotografia como memória, como construção de uma vida. Todos somos feitos de memórias".

Thomaz Farkas, todomundo

Abertura: 19 de outubro de 2024

Visitação: até 9 de março de 2025, 3ª a domingo e feriados (exceto segundas), das 10h às 20h

Onde: IMS Paulista (Av. Paulista, 2.424) | 8º e 7º andares

Entrada: gratuita

Eu tinha sido avisada de que seria desconfortável, mas, ainda assim, necessário. Esse era o espírito quando me sentei na sala de cinema. Na primeira cena, a linda, magra e alta mulher, que foi ícone da minha geração, aparece na enorme tela. Duas jovens meninas ao meu lado dizem "Nossa, como ela ainda está bonita". Ainda. Demi Moore tem 61 anos e representa ela mesma no filme A Substância, em cartaz nos cinemas.

Digo ela mesma porque acompanhei como espectadora sua luta contra a idade. Na tela, Demi faz o mesmo e se aventura, assim como eu e cada mulher que conheço, por caminhos desconhecidos, improváveis e até perigosos para conseguir a fórmula mágica da juventude, que é, em 2024, sinônimo de beleza.

Demi dá vida a uma atriz consagrada que nos dias atuais dá aulas de ginástica em um programa de TV. Na primeira cena, está em frente à luz certa, sendo filmada nos ângulos certos, como nós nas telas dos nossos celulares conseguimos fazer. Assim, ela parece mais jovem do que é. Na vida "real", ao sair do palco, ela ainda é uma linda mulher de 61 anos e aí está o problema. Ter 61 anos.

Demi então se depara com uma fórmula mágica para se tornar sua melhor e jovem versão. O filme faz referência a grandes clássicos do cinema, como Laranja Mecânica e O Iluminado, de Stanley Kubrick, e Carrie - A Estranha, de Kimberly Peirce, tudo isso feito propositalmente para atormentar quem está na sala. Mas o que produz o desconforto real é assistir à mulher se tornar refém, prisioneira do suposto mal maior que é a passagem do tempo.

Podem dizer que ela é fruto do que a sociedade fez dela, e é verdade. Desvalorizada ao máximo por homens velhos por ser exatamente como eles, velha. Mas se submeter a isso, entregando-se a cada minuto sem lutar, foi o que me causou desespero e angústia, compaixão e raiva. Eu queria gritar naquela sala: Demi, pare imediatamente! Bem, não fiz isso e fui me encolhendo, encolhendo, até sair da sala meia hora antes de o filme acabar.

As cenas são literalmente dantescas. Do inferno do escritor italiano, as carnes, o sangue, a dor física e emocional estão presentes. Mas tem de assistir. Homens, mulheres, jovens, vejam. Quem sabe juntos vamos dar o tal grito que eu não dei e tentar uma saída em outra direção. Voltei para casa, me olhei detalhadamente no espelho; nua, examinei meu rosto e corpo com a visão do hoje. E agradeci.

O Altas Horas de hoje, sábado, 14, faz uma comemoração aos 24 anos de programa com uma homenagem a Chitãozinho e Xororó, dois dos artistas que mais participaram da atração desde a estreia - quase 30 vezes.

Entre as convidadas, diversas cantoras que cantam sucessos como Alô, No Rancho Fundo, Página de Amigos, Se Deus Me Ouvisse, Coração Sertanejo e Evidências, além das músicas inéditas A Gente Grita e Romance de Filme. São elas: Luísa Sonza, Simone, Agnes Nunes, Elba Ramalho, Lauana Prado e Simone Mendes.

Serginho Groisman aproveita o aniversário do Altas Horas para agradecer a produção da atração: "A gente não faz nada sozinho, essa equipe trabalha muito, muito mesmo, para colocar cada programa no ar".