Pragmatismo econômico prevalece, mas relação do próximo presidente com Brasil será distante

Internacional
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Em meio à apuração dos votos da eleição americana, países calculam os próximos passos em um mundo que mudará de direção a depender do vencedor - e o Brasil não é diferente.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou publicamente, na semana passada, que prefere uma vitória da vice-presidente, Kamala Harris. "É muito mais seguro para a gente fortalecer a democracia nos EUA", afirmou Lula, em entrevista ao canal de TV francês TF1.

"Vimos o que foi o presidente Trump, no final do seu mandato, fazendo aquele ataque ao Capitólio, uma coisa que era impensável de acontecer nos EUA, porque os EUA se apresentavam ao mundo como um modelo de democracia. Esse modelo ruiu", disse. Quando o candidato democrata era o presidente Joe Biden, que desistiu da disputa em julho, Lula também havia sinalizado que ele era o seu preferido na disputa.

Relações exteriores

Política externa não é uma das áreas em que Kamala se sente confortável, como é o caso de Biden, mas muitas posições do atual governo devem ser mantidas em relação a meio ambiente, direitos trabalhistas e relação com a China.

Para a professora de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Cristina Pecequilo, a vice-presidente é uma incógnita. "Não sabemos qual vai ser a equipe dela, nem se vai manter as posições intervencionistas da atual equipe de Biden. Não vejo grandes mudanças das políticas do atual presidente e o Brasil não é uma prioridade."

A relação entre Lula e Biden é considerada boa, mas rendeu poucos frutos. "Os dois têm uma convergência pessoal entre temas que são importantes para eles, como a questão do meio ambiente e direitos trabalhistas. Mas, na prática, a dinâmica foi diferente."

Em setembro de 2023, Lula e Biden lançaram a chamada Parceria pelos Direitos dos Trabalhadores, para promover o trabalho digno e fomentar um desenvolvimento "inclusivo, sustentável e amplamente compartilhado com todos os trabalhadores", segundo uma nota do Ministério do Trabalho e Emprego. Mas a iniciativa foi considerada tímida por analistas.

"Brasil e EUA não aproveitaram em termos práticos este relacionamento entre Lula e Biden", avalia Vitelio Brustolin, pesquisador da Universidade Harvard e professor de relações internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF). "Simplesmente não vimos resultado."

Sem consenso

Com Kamala, a tendência é que exista a mesma falta de consenso sobre temas importantes. Brasília e Washington não concordaram sobre as cifras que os EUA enviariam para o Fundo Amazônia e os americanos também se opuseram aos posicionamentos geopolíticos do Brasil sobre a guerra na Ucrânia e sobre o conflito de Israel com o Hamas, em Gaza, e com o Hezbollah, no Líbano.

Enquanto os EUA são os principais aliados de Ucrânia e Israel, Lula já se envolveu em diversas polêmicas por declarações sobre os conflitos na Europa e no Oriente Médio.

Os EUA também são contrários a uma maior aproximação do Brasil com a China, principal parceira comercial do País. Essa posição deve se manter independentemente do próximo presidente. Em um evento realizado pela Bloomberg em São Paulo, no dia 23 de outubro, a representante de comércio dos EUA, Katherine Tai, afirmou que Brasília deveria considerar os riscos de aderir à chamada Nova Rota da Seda, projeto de investimentos de Pequim.

Aliança

Lula já afirmou que considera aderir à iniciativa. A Embaixada da China em Brasília criticou as declarações da americana. "Tal ato carece de respeito ao Brasil, um país soberano, e despreza o fato de que a cooperação sino-brasileira é igual e mutuamente benéfica", afirmou o corpo consular, em comunicado.

Apesar das divergências, o momento é de respeito mútuo entre Brasil e EUA e as relações entre os dois países são sólidas, segundo a professora de relações internacionais da Unifesp. "Os países completaram 200 anos de relações diplomáticas e o chanceler Mauro Vieira já declarou que, independentemente do presidente, é uma relação estrutural para a diplomacia brasileira."

Tarifas

Com Donald Trump, é certo que a palavra tarifa fará parte do nosso cotidiano. O republicano já declarou se tratar de sua palavra preferida no dicionário e o Brasil sentirá impacto, caso as prometidas medidas protecionistas americanas sejam implementadas em um novo governo.

"Trump fará de tudo para priorizar a indústria americana e fazer com que empresas voltem para lá. O Brasil faz parte disso", diz Pecequilo. "Existem setores econômicos brasileiros que competem com os setores econômicos americanos, como é o caso do agronegócio."

Pressões relacionadas à China também devem continuar com Trump. O republicano se envolveu em uma guerra comercial com Pequim em seu primeiro mandato. O governo do ex-presidente Jair Bolsonaro foi pressionado por Trump e Biden sobre o uso de equipamentos da empresa chinesa Huawei na rede de telecomunicações 5G do Brasil.

"O Brasil precisa se conscientizar que, caso Trump seja eleito, o governo precisará navegar em águas mais turvas", avalia Pecequilo. Apesar de uma possível tensão por causa da relação com a China, Washington não deve ter uma contrapartida para oferecer ao Brasil. "Os EUA não têm um plano de investimentos para o Brasil, nem para a América Latina. Brasília precisa do investimento de Pequim."

Para Brustolin, uma vitória de Trump também seria muito ruim para a questão climática, um dos temas que o Brasil consegue se destacar mundialmente. O republicano retirou os EUA do Acordo de Paris, em 2017, por considerar que os termos não eram justos. O governo americano se reintegrou aos tratados quando Biden foi eleito presidente, em 2021.

"Trump nega as mudanças climáticas. Se os EUA saírem novamente do Acordo de Paris, esta medida teria um efeito negativo para o Brasil, que vai sediar a COP-30 em Belém, no ano que vem", aponta o pesquisador de Harvard.

Sanções

Um eventual governo Trump também poderia punir posicionamentos brasileiros em política externa, segundo o professor de relações internacionais da UFF. Lula já questionou a hegemonia do dólar nas relações comerciais mundiais. A iniciativa interessa a países do Brics, como Rússia e China.

O presidente brasileiro tenta se colocar como líder do chamado Sul Global. Durante uma visita a Pequim, em abril de 2023, Lula criticou duramente a hegemonia da moeda americana.

"Por que não podemos fazer nosso comércio lastreado na nossa moeda? Por que não temos o compromisso de inovar? Quem é que decidiu que era o dólar a moeda, depois que desapareceu o ouro, como paridade?", questionou.

Países que defendem uma desdolarização do sistema financeiro internacional podem sofrer algum tipo de retaliação, opina Brustolin. "Vemos claramente que o governo Lula prefere se alinhar a países do Brics, como China e Rússia, do que com os Estados Unidos."

Economia

Em meio a uma eleição dividida, diplomatas americanos veem poucas alterações nas relações com o Brasil, independentemente de quem for o vencedor, conforme interlocutores consultados pelo Estadão/Broadcast. A análise é muito semelhante à do Itamaraty feita no fim do mês passado.

A avaliação dos dois lados é a de que, em termos econômicos, ambos tendem a ser pragmáticos. A área comercial também permanecerá constante, segundo esses interlocutores. Os EUA são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas da China.

De janeiro a setembro, as exportações para o país chegaram ao recorde de US$ 29,4 bilhões, um incremento de 10,3% sobre o mesmo período de 2023, enquanto as importações dos EUA chegaram a US$ 30,7 bilhões (+6,2%).

Os americanos também são o maior investidor direto no País. De acordo com dados do Banco Central, os ingressos para o Brasil somaram US$ 4,94 bilhões, de janeiro a setembro - no ano passado inteiro totalizou US$ 10 bilhões.

De acordo com funcionários que tratam da relação comercial entre os países, são esperados avanços em tratativas sobre conversa sobre cadeias de suprimentos e uma maior cooperação em projetos ambientais.

O presidente Joe Biden foi convidado pelo brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva a visitar a Amazônia dias antes da cúpula das 20 maiores economias do mundo (G20), marcada para os dias 18 e 19 de novembro, no Rio. Ainda sem confirmação oficial do deslocamento, o país já se prepara de forma ostensiva para a ida do americano a Manaus.

Surpresa

Para um representante diplomático dos EUA, a surpresa foi a continuidade vista nos últimos anos de parcerias entre os dois países adotadas durante o governo de Donald Trump, como a manutenção do Fórum de Energia EUA-Brasil (Usbef, na sigla em inglês).

A cooperação pretende identificar pontos técnicos, regulatórios e políticos de interesse mútuo bem como barreiras ao comércio bilateral de energia e investimentos e foi firmado no governo de Jair Bolsonaro.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Em outra categoria

O filhos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) reagiram nesta segunda, 4, em suas redes sociais, ao decreto de prisão domiciliar emitido contra seu pai. Os políticos afirmaram que o País não é mais uma democracia e desferiram ataques contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). O magistrado expediu a ordem de prisão após o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) publicar discurso de seu pai em rede social neste domingo, 3.

Em inglês, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) publicou em seu X (antigo Twitter): "Meu pai, Jair Bolsonaro, foi preso hoje por apoiar, de sua própria casa, o povo brasileiro que foi às ruas para protestar contra os abusos do ministro Alexandre de Moraes".

Eduardo considerou a prisão um ato de "abuso de poder para silenciar o líder da oposição brasileira" e afirmou que o País não é mais uma democracia.

Em nota publicada no X, Eduardo ainda diz que Alexandre de Moraes é "um psicopata descontrolado que jamais hesitaria em dobrar a aposta". O político diz que Moraes usa a prisão domiciliar como "cortina de fumaça" após as manifestações bolsonaristas de domingo, 3, e por ter sido alvo de sanções pela lei Magnistsky.

Autoexilado nos EUA, o parlamentar tem pedido por sanções contra Moraes e contra o País com o objetivo de obter anistia para os condenados pela tentativa de golpe de Estado, incluindo seu pai.

Eduardo escreveu, em outra publicação que o magistrado é um "juiz violador de direitos humanos que contamina toda a suprema corte".

"Um dia após a manifestação anti-Moraes e horas após a publicação do jornalista Michael Shellenberger de material sensível, que demonstra a perseguição de Moraes e sua equipe contra opositores de Lula e Moraes, o juiz da suprema corte brasileira decreta a prisão de Bolsonaro."

Outro filho do ex-presidente, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), postou vídeo de entrevista que deu à CNN em seu X.

Na gravação, ele acusa Moraes de parcialidade e vingança. Para o senador, a prisão é um desejo pessoal do ministro e "uma clara demonstração de vingança as sanções que ele sofreu via Lei Magnistsky".

"Processo de fachada, um jogo de cartas marcadas, era tudo o que Alexandre de Moraes queria: se vingar do presidente Bolsonaro", afirma sobre o julgamento de seu pai.

Além disso, Flávio diz que o País está em um regime autoritário. "Recebo essa notícia (sobre a prisão) com muita indignação; é mais um capítulo triste da história do Brasil, estamos oficialmente em uma ditadura", diz.

O parlamentar ainda desferiu críticas ao Senado e criticou o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União-AP). "O Senado não está fazendo sua parte", disse, em referência a um movimento pelo impeachment de Moraes.

Os governadores de direita Romeu Zema (Novo-MG), Ronaldo Caiado (União-GO), Eduardo Leite (PSD-RS), Ratinho Júnior (PSD-PR) e Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), todos aliados de Jair Bolsonaro (PL) e possíveis herdeiros dos votos do ex-presidente na corrida eleitoral de 2026, manifestaram apoio ao ex-chefe do Executivo após sua prisão domiciliar ser decreta nesta segunda-feira, 4, pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Por meio de seu X (antigo Twitter), Zema escreveu que a prisão é "mais um capítulo sombrio na história de perseguição política do STF". Ele manifestou solidariedade ao ex-presidente e disse que "Alexandre de Moraes agora colocou Bolsonaro em prisão domiciliar por ter sua voz ouvida nas redes".

A prisão domiciliar de Bolsonaro foi decretada por descumprimento das medidas cautelares. As restrições impediam o ex-presidente de usar redes sociais, mesmo por meio de aparelhos e contas de terceiros.

Neste domingo, 3, Bolsonaro discursou para manifestantes por meio de um telefonema com o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Posteriormente, o político publicou o discurso nas redes, o que foi considerada uma quebra das medidas.

Ronaldo Caiado criticou o fato de o ex-presidente ser preso devido à publicação. "Se um cidadão não pode se manifestar publicamente em sua defesa, é porque o veredito está dado", escreveu por meio de nota oficial.

O governador de Goiás lamentou o encarceramento e disse que "infelizmente, antes da conclusão de seu julgamento, o ex-presidente já está condenado". Ele ainda afirma que o processo contra Bolsonaro "começou errado, quando o STF definiu pelo julgamento do ex-presidente em uma Câmara e não pelo Pleno da Suprema Corte".

De forma similar, Eduardo Leite declarou: "não gosto da ideia de um ex-presidente não poder se manifestar, e gosto menos ainda de vê-lo ser preso por isso, antes ainda de ser julgado pelo órgão colegiado da Suprema Corte".

O político destacou que, desde a redemocratização, apenas um presidente não foi preso ou sofreu impeachment. Leite usou este fato como argumento para criticar o que chamou de "polarização" e o processo contra Bolsonaro: "Nosso País não merece seguir refém desse cabo de guerra jurídico-político que só atrasa a vida de todos há anos".

O governador ainda ressaltou que não discute "legalidade ou a razão jurídica" da prisão, mas pediu que a energia de autoridades não seja direcionada para "exterminar adversários".

Ratinho Júnior, ao se manifestar, também pediu pacificação. O paranaense escreveu: "briga não coloca mais comida na mesa do trabalhador. O Brasil precisa de união para seguir em paz. Ao ex-presidente Bolsonaro, a minha solidariedade".

O governador, sem citar o nome de Moraes ou o STF, fez criticas à Justiça e disse que "devemos buscar o equilíbro (sic), o fortalecimento das nossas instituições e, sobretudo, a harmonia dos Poderes, respeitando o que está previsto na Constituição". Ele ainda afirma que "não será com ativismo, seja de qualquer parte, que iremos construir um novo País".

Já Tarcísio de Freitas afirmou que "Bolsonaro foi julgado e condenado muito antes de tudo isso (o processo) começar" e questionou: 'Vale a pena acabar com a democracia?'.

O governador de São Paulo ainda afirmou que o aliado político é acusado de "uma tentativa de golpe que não aconteceu, um crime que não existiu e acusações que ninguém consegue provar".

O vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mantém em seu perfil no X (antigo Twitter) foto do seu pai discursando via telefone para manifestantes bolsonaristas que se reuniram na praia de Copacabana no domingo, 3. A postagem foi citada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), na decisão que comunicou a prisão domiciliar do ex-presidente.

"Em 3 de agosto, Carlos Nantes Bolsonaro, filho do réu, também realizou postagem, na rede social X, com a foto de Jair Messias Bolsonaro com o pedido para seguirem o perfil do réu: 'sigam Jair Bolsonaro', tendo conhecimento das medidas cautelares", escreveu Moraes.

O ex-presidente está impedido de usar as redes sociais, até mesmo por intermédio de terceiros. Moraes entendeu que a divulgação de imagens e vídeos de Bolsonaro discursando para manifestantes no perfil de seus filhos foi um descumprimento da medida e pediu a prisão domiciliar.

"Não será admitida a utilização de subterfúgios para a manutenção da prática de atividades criminosas, com a instrumentalização de entrevistas ou discursos públicos como 'material pré-fabricado' para posterior postagens nas redes sociais de terceiros previamente coordenados", escreveu o ministro na decisão que proibiu o ex-presidente de usar as redes por intermédio de terceiros.

O irmão de Carlos, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), também fez publicação parecida e divulgou seu pai discursando. O político, no entanto, apagou a gravação.

Sobre o post deletado, Moraes usou a ação como argumento para embasar a prisão. "O flagrante desrespeito às medidas cautelares foi tão óbvio que, repita-se, o próprio filho do réu, o senador Flávio Nantes Bolsonaro, decidiu remover a postagem realizada em seu perfil, na rede social Instagram, com a finalidade de omitir a transgressão legal", afirmou.