Ucrânia ataca Rússia com mísseis dos EUA e abre nova fase na guerra

Internacional
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A Ucrânia disparou mísseis de longo alcance fornecidos pelos EUA contra a Rússia pela primeira vez nesta terça, 19, representando um teste para o presidente russo, Vladimir Putin, que havia ameaçado retaliar caso isso ocorresse. Os disparos foram confirmados por autoridades ucranianas, americanas e russas.

Os ucranianos utilizaram os Sistemas de Mísseis Táticos do Exército, conhecidos como ATACMS, para atacar um depósito de munições na região de Bryansk, no sudoeste da Rússia. Segundo o Ministério da Defesa russo, Kiev disparou seis mísseis balísticos. O ataque ocorreu três dias após o presidente dos EUA, Joe Biden, dar sua aprovação para o uso deles, um pedido da Ucrânia.

Ontem, Putin assinou uma revisão da doutrina nuclear russa, que amplia as circunstâncias nas quais Moscou pode lançar um ataque atômico contra a Ucrânia e países da Otan. Ele declarou que um ataque com armas convencionais à Rússia por qualquer nação que seja apoiada por uma potência nuclear, como os EUA apoiam a Ucrânia, será considerado um ataque conjunto ao seu país.

Ao ser questionado se a doutrina atualizada foi deliberadamente publicada após o aval de Biden aos ucranianos, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse que Putin instruiu o governo a atualizá-lo no início deste ano para que estivesse "de acordo com a situação atual".

Segundo a doutrina, a Rússia pode usar armas nucleares em resposta a um ataque nuclear ou convencional que represente uma "ameaça crítica à soberania e à integridade territorial" da Rússia e de sua aliada Belarus, uma formulação vaga que deixa amplo espaço para interpretação.

Mil dias

A elevação das tensões ontem marcou o milésimo dia da guerra, iniciada após Putin invadir a Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022. No Rio representando a Rússia na cúpula do G-20, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov, defendeu os novos critérios para acionamento do arsenal nuclear e disse que eles não se diferem dos adotados pelos EUA.

O Kremlin usou durante toda a guerra a ameaça de implantar seu arsenal nuclear para tentar dissuadir o Ocidente de fornecer suporte militar mais robusto à Ucrânia. "Isso (disparo contra a Rússia) é um sinal de que eles (ucranianos) querem escalar o conflito", disse Lavrov. O ataque, segundo ele, marca uma nova fase na guerra.

Em Washington, porém, a Casa Branca considerou a revisão como mais um blefe. "Isso é mais do mesmo discurso irresponsável da Rússia, que temos visto pelos últimos dois anos", disse uma porta-voz do Conselho de Segurança Nacional.

Força

O uso dos mísseis americanos contra a Rússia também representou uma demonstração de força da Ucrânia, que tenta provar aos aliados ocidentais que fornecer armas mais poderosas e sofisticadas valerá a pena - degradando as capacidades de combate da Rússia e aliviando a pressão sobre as forças sobrecarregadas de Kiev.

Moscou disse ter abatido cinco dos mísseis táticos e danificado mais um. Os fragmentos caíram em um instalação militar não especificada e provocaram um incêndio, sem causar vítimas ou danos, segundo o governo russo.

Autoridades ucranianas e analistas militares, que há muito alertam que nenhuma arma mudará o curso da guerra, observaram que o impacto da mudança na política da Casa Branca dependerá da quantidade de mísseis fornecidos.

O governo Biden finalmente aceitou ceder aos pedidos dos ucranianos, em parte, após a mobilização de até 10 mil soldados norte-coreanos ao esforço de guerra de Moscou. A autorização veio apenas dois meses antes do retorno ao cargo do presidente eleito, Donald Trump, que disse que buscará um fim rápido para a guerra na Ucrânia.

Sua eleição gerou incerteza sobre se os EUA manterão o forte apoio militar que deram à Ucrânia sob o governo de Biden ou se adotarão uma abordagem diferente. Seja como for, a decisão dos EUA coloca Putin em uma posição difícil: decidir se responde aos ataques sabendo que em poucas semanas terá de lidar com um governo americano diferente.

Arsenais

Na frente de batalha, a Rússia está ampliando seu poder aéreo, de artilharia e de pessoal nas linhas defensivas no sudeste da Ucrânia. Ao mirar em centros de logística como em Bryansk, a Ucrânia espera tornar mais difícil o suprimento de forças russas.

A Rússia tem sistemas de defesa aérea robustos, incluindo baterias S-400 projetadas para combater mísseis balísticos como os ATACMS. O S-400 e o mais novo S-500 são semelhantes aos sistemas Patriot de fabricação ocidental usados para proteger os céus ucranianos.

Restrições

Desde que os primeiros ATACMS chegaram à Ucrânia, em abril, Kiev tem usado seus suprimentos limitados para atingir os sistemas de defesa aérea russos em áreas ocupadas da Ucrânia - particularmente na Crimeia - com algum sucesso, de acordo com imagens de satélite, analistas militares e autoridades ucranianas e ocidentais.

Mas durante a guerra, no momento em que um lado introduz uma nova capacidade, o outro lado trabalha para se adaptar. "A eficácia russa contra mísseis ATACMS, provavelmente, aumentará, mesmo que lentamente, ao longo do conflito, à medida que a Rússia treina equipes de defesa para lidar com a ameaça", escreveu Jake Mezey, especialista em segurança, em relatório para o centro de estudos The Atlantic Council.

Os EUA forneceram ATACMs à Ucrânia pela primeira vez em outubro de 2023, mas os mísseis foram projetados para atingir alvos a apenas 160 km de distância. O governo Biden enviou apenas um pequeno número - menos de duas dúzias nas primeiras remessas - e a mudança ocorreu somente depois que a contraofensiva ucraniana do ano passado já havia falhado.

Em abril, os EUA concordaram em fornecer secretamente ATACMS com um alcance de 305 km para a Ucrânia. No entanto, Washington restringiu seu uso para atingir forças russas localizadas em território ocupado pela Ucrânia, incluindo a Crimeia. Finalmente, no domingo, liberou seu uso mais amplo dentro da Rússia. O depósito de munições na região de Bryansk fica a mais de 112 quilômetros da fronteira com a Ucrânia.

O vice-diretor do Centro de Estudos do Exército, Conversão e Desarmamento da Ucrânia, Mykhailo Samus, disse que a introdução dos ATACMS pode ter um impacto imediato. Postos de comando russos, unidades militares, apoio logístico, depósitos de munição, bases, sistemas de lançamento de mísseis e de defesa aérea, radares e outros ativos importantes estão agora ao alcance de uma das armas mais poderosas do arsenal ucraniano, segundo ele. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Em outra categoria

A rede social criada por Donald Trump, Truth Social, e a plataforma de vídeos Rumble entraram com um pedido de liminar em um tribunal dos Estados Unidos contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. A informação é da agência de notícias Reuters.

O pedido busca impedir ordens emitidas pelo ministro, sob o argumento de que elas "violam a soberania americana, a Constituição e as leis dos Estados Unidos". Elas também disseram que Moraes ameaçou processar criminalmente o CEO do Rumble, Chris Pavlovski.

Na sexta-feira, 21, Moraes havia determinado a suspensão do Rumble no Brasil por tempo indeterminado, até que a plataforma cumprisse as ordens judiciais dadas e o pagamento de multas. Isso porque antes ele ordenara que a empresa indicasse representantes legais no País.

O STF já definiu que plataformas estrangeiras precisam constituir representantes no Brasil para receber intimações e responder pelas empresas.

Entenda a polêmica

Em um despacho, o ministro afirmou que a plataforma incorreu em "reiterados, conscientes e voluntários descumprimentos das ordens judiciais, além da tentativa de não se submeter ao ordenamento jurídico e Poder Judiciário brasileiros".

"Chris Pavlovski confunde liberdade de expressão com uma inexistente liberdade de agressão, confunde deliberadamente censura com proibição constitucional ao discurso de ódio e de incitação a atos antidemocráticos", escreveu Moraes.

Além de exigir a indicação de um representante legal, o ministro também havia determinado o bloqueio do canal do blogueiro Allan dos Santos e a interrupção de repasses de monetização ao influenciador. Também ordenou que novos perfis do influenciador fossem barrados. Outras redes sociais, como YouTube, Facebook, Twitter e Instagram, foram notificadas para bloquear as contas de Allan dos Santos e cumpriram as decisões de Moraes.

O STF não conseguiu intimar o Rumble porque a empresa não tem um responsável no Brasil. Os advogados localizados informaram que não são representantes legais da plataforma e que não têm poderes para receber citações ou intimações. No dia 17 de fevereiro, eles renunciaram ao mandato que tinham para atuar em causas da rede social.

O Rumble move uma ação contra Moraes na Justiça dos Estados Unidos, em conjunto com Trump Media, ligada ao presidente americano. As companhias alegam que o ministro do STF violou a soberania norte-americana ao ordenar a suspensão do perfil de Allan dos Santos. O blogueiro teve prisão preventiva decretada em 2021 e está foragido desde então.

O Rumble voltou a funcionar no Brasil em fevereiro deste ano. A plataforma, que estabelece uma política menos restrita de moderação de conteúdo, foi desativada no País em dezembro de 2023 por discordar das exigências da Justiça brasileira. Ela é conhecida por abrigar personalidades e usuários de extrema direita.

O influenciador Pablo Marçal (PRTB) foi condenado à inelegibilidade porque vendeu apoio político na campanha de 2024. Em vídeo publicado nas redes sociais, ele se ofereceu para gravar vídeos divulgando candidatos a vereador por R$ 5 mil.

Em uma transmissão ao vivo na sexta-feira, 21, o influenciador disse que vai recorrer da decisão. Ele alegou que não chegou a "materializar" os vídeos porque foi barrado pela equipe jurídica da campanha.

Pablo Marçal foi candidato à Prefeitura de São Paulo nas eleições municipais de 2024 e terminou em terceiro lugar, com 1.719.274 de votos (28,14% dos votos válidos).

Ao se oferecer para divulgar os vereadores, ele afirmou que estava "concorrendo a uma eleição desleal" porque não usou dinheiro público enquanto "os 'bonitões' gastam R$ 100 milhões para fazer propaganda enganosa".

"Você conhece alguém que queira ser vereador e é candidato, que não seja de esquerda, tá, esquerda não precisa avisar. Se essa pessoa é do bem e quer um vídeo meu para ajudar a impulsionar a campanha dela, você vai mandar esse vídeo e falar 'mano, olha aqui que oportunidade, né?' Essa pessoa vai fazer o quê? Ela vai mandar um Pix para a minha campanha de doação, Pix de cinco mil. Fez essa doação, eu mando o vídeo. Vai clicar aqui no formulário, clicou aqui no formulário, cadastra, a equipe vai entrar em contato. Tamo junto, fechou, você ajuda daqui em São Paulo e eu ajudo daí."

O juiz Antonio Maria Patiño Zorz, da 1.ª Zona Eleitoral, declarou Pablo Marçal inelegível por abuso de poder econômico e político, uso indevido de meios de comunicação social e captação ilícita de recursos.

A sentença afirma que a oferta feita pelo influenciador "foi levada a sério por candidatos a vereador que efetuaram doações confirmadas pelo requeridos" e teve "potencialidade para macular a integridade do processo eleitoral em razão do efeito que produziram na consciência política dos cidadãos".

O juiz Antonio Zorz afirmou ainda que ele espalhou fake news sobre o fundo partidário e se "colocou, de forma gravemente distorcida, como vítima de um sistema eleitoral desleal que não lhe permitiu usar financiamento público do fundo eleitoral". Com isso, na avaliação do magistrado, o influenciador comprometeu a "normalidade e legitimidade" da eleição.

Como a decisão foi tomada na primeira instância, há possibilidade de recurso ao Tribunal Regional Eleitoral.

Deflagrada pela Polícia Federal em 2015, a Operação Zelotes inicialmente apurava suspeitas de um esquema de corrupção no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf) - órgão colegiado do Ministério da Fazenda - que é a última instância administrativa para o julgamento de autuações da Receita Federal a empresas e pessoas físicas. O objetivo do esquema seria vender, por meio de conselheiros e auditores, informações privilegiadas e facilidades que pudessem resultar na reversão de multas discutidas no Carf.

Quando a operação foi deflagrada, o Carf era ocupado por 216 conselheiros, metade indicada pela Receita e outra parte por confederações empresariais, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI), e uma parte menor pelas centrais sindicais.

Até então, os conselheiros indicados pelo setor privado podiam desempenhar suas funções no Carf e, ao mesmo tempo, advogar em casos tributários. No mês seguinte à revelação do escândalo, o governo fixou novas regras para funcionamento do órgão, com remuneração para seus integrantes e restrições ao exercício das atividades profissionais.

De acordo com os investigadores, o esquema de corrupção no Carf era "legalizado" por contratos de serviços prestados por escritórios de advocacia e consultorias que faziam lobby para influenciar nas decisões do órgão. Após abordagem das empresas alvos de multas da Receita, esses consultores elaboravam contratos para forjar a legalidade do serviço prestado. A partir daí, segundo a investigação, as empresas pagavam propina por meio de depósitos em diversas contas bancárias para evitar o rastreamento.

Os investigadores dizem que vários conselheiros do Carf se recusaram a participar do esquema e repudiaram a abordagem, mas outros aceitaram negociar decisões. À época, tramitavam no órgão mais de 115 mil processos tributários que englobam cerca de R$ 500 bilhões em discussão.

Desdobramentos da Zelote levaram a outros casos e até suspeita de compra de Medida Provisória

Com desdobramentos, a operação Zelotes foi ampliada e virou um guarda-chuva para grandes investigações sobre suspeitas de corrupção que atingiram grandes personagens da República. O ex-ministro Antonio Palocci foi uma testemunha nas investigações. O ex-ministro Guido Mantega virou réu, mas o caso dele acabou prescrito.

O caso da venda de uma Medida Provisória para favorecer montadores de veículos no segundo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2009, também acabou entrando no escopo da Zelotes. A denúncia foi publicada pelo Estadão em outubro de 2015.

Lula chegou a virar réu nesse caso por suposto tráfico de influência, mas foi absolvido em 2021 depois de a Justiça entender que a acusação não demonstrou de maneira convincente o envolvimento dele.

Até um filho de Lula virou réu, junto com o pai, em um processo que apontava tráfico de influência na compra de caças suecos pelo governo brasileiro. O caso das aeronaves foi suspensa pelo então ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, em 2022.

A decisão permitiu que Lula disputasse as eleições daquele ano sem responder a ações penais na Justiça. Lewandowski, hoje ministro da Justiça do governo Lula, entendeu que procuradores do DF agiam de forma articulada com membros da Lava Jato. Ele se baseou em trocas de mensagens da força-tarefa de Curitiba que acabaram vazadas por hackeamento.

Apesar dos dez anos desde a deflagração da Zelotes, ainda há ações sem julgamento e sem trânsito em julgado.