Por que Milei mudou de crítica a comunistas para diálogo pragmático com Xi Jinping

Internacional
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No ano passado, o então candidato à presidência Javier Milei declarou que a Argentina não faria "acordos com comunistas" na China ou no Brasil, chamando seus líderes de "assassinos" e "ladrões". Era uma tentativa de canalizar as energias populistas de Donald Trump e outros ícones globais da extrema direita em uma mensagem política vencedora.

Mas na terça-feira, 19, o agora presidente Milei se viu na cúpula do G-20, no Rio de Janeiro, apertando a mão do presidente chinês Xi Jinping e prometendo impulsionar o comércio com a potência asiática, um dia depois que seu ministro da economia assinou um acordo preliminar para exportar gás natural argentino para o Brasil.

Milei até concordou com uma declaração conjunta endossada pelos líderes mundiais na segunda-feira, 18, apesar de suas tentativas anteriores de "roubar" o cargo de anfitrião do G-20, que ficou com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que já foi chamado por Milei de "comunista corrupto".

Os momentos finais da cúpula revelaram a tendência mais pragmática de Milei, o que foi uma surpresa depois que o irritado presidente procurou minar várias iniciativas internacionais - retirando os negociadores argentinos da cúpula climática da ONU, dando o único voto "não" em duas resoluções da ONU, uma apoiando os direitos indígenas e outra defendendo o fim da violência contra as mulheres, e tumultuando as negociações na cúpula do G-20.

A Argentina também reformulou drasticamente sua política externa de acordo com seus aliados de extrema direita na Itália - com a primeira-ministra Giorgia Meloni indo a Buenos Aires na terça-feira para passar mais tempo com Milei - e em Israel.

Na terça-feira, Andrea Tenenti, porta-voz da missão de paz da ONU que opera ao longo da fronteira sul do Líbano, disse a repórteres em Genebra que a Argentina havia decidido retirar seus soldados da força de paz, conhecida como UNIFIL.

Ele não disse o motivo, mas Israel tem solicitado repetidamente que as forças de paz deixem a área desde a invasão militar do sul do Líbano em 1.º de outubro. Apesar dos ataques israelenses contra as forças de paz, a UNIFIL prometeu permanecer no local e nenhum dos outros 47 países que contribuem com tropas se retirou.

Nos últimos dias, a resistência argentina ao comunicado conjunto do G-20 concentrou-se em cláusulas relacionadas à tributação dos super-ricos e à regulamentação do discurso online, segundo diplomatas. Os delegados argentinos também tentaram bloquear discussões sobre igualdade de gênero e as referências à agenda 2030 da ONU sobre desenvolvimento sustentável, que Milei classificou como socialista.

Os críticos no Rio viram o presidente argentino como um sabotador. Os apoiadores em seu país aplaudiram Milei como um líder da "nova desordem mundial". Recém-saído de uma viagem ao resort de Trump em Mar-a-Lago, na Flórida, onde protestou contra o socialismo e conviveu com o presidente eleito e o bilionário da tecnologia Elon Musk, Milei inicialmente parecia imune a essas preocupações no Rio.

O gabinete de Milei emitiu uma declaração dura citando suas objeções à declaração do G-20. Mas o presidente acabou assinando-a, sob enorme pressão internacional.

"A Argentina não é uma grande potência e está em uma situação muito difícil do ponto de vista econômico", disse Roberto Goulart Menezes, professor de relações internacionais da Universidade de Brasília. Essa pressão, acrescentou, foi "suficiente para que a Argentina finalmente reduzisse sua oposição".

Durante a primeira reunião de Milei com Xi na terça-feira, os líderes discutiram seus "atuais laços comerciais e financeiros" e "o desejo de continuar explorando novas oportunidades para expandir e melhorar", disse a presidência argentina em um comunicado, juntamente com uma foto dos presidentes dando um caloroso aperto de mão. O comunicado afirma que os líderes convidaram um ao outro para uma visita.

Com a Argentina altamente dependente da China como mercado para sua soja e outras culturas, o tom cordial deixou claro que a nação sul-americana, atingida pela crise, não deseja que as relações com seu segundo maior parceiro comercial e fonte crucial de financiamento se deteriorem ainda mais.

Uma declaração do Ministério das Relações Exteriores da China disse que Xi expressou seu apreço pela "disposição de Milei em continuar aprofundando a cooperação bilateral".

A China tem mantido ativos estratégicos na Argentina, incluindo participações em minas de lítio e uma estação espacial na Patagônia. No início deste ano, a ex-ministra das Relações Exteriores, Diana Mondino, que Milei demitiu recentemente, liderou uma visita bem-sucedida à China para consertar as relações estremecidas pelos insultos de Milei ("Você negociaria com um assassino?", perguntou ele na campanha em agosto passado, acusando a China de matar dissidentes).

Após a viagem de Mondino, Pequim retomou em junho um acordo de troca de moedas no valor de bilhões de dólares que aumentou as esgotadas reservas da Argentina.

Na segunda-feira, enquanto as negociações sobre o esboço do G-20 ficavam cada vez mais tensas, o ministro da Economia da Argentina, Luis Caputo, e o ministro da Energia do Brasil, Alexandre Silveira, assinaram um memorando de entendimento que ofereceu uma nova e importante fonte de renda para a Argentina, que está sem dinheiro.

O acordo para trabalhar no sentido de enviar 30 milhões de metros cúbicos de gás natural para o Brasil a partir do Vaca Muerta, um vasto campo de petróleo e gás de xisto na Patagônia, nos próximos cinco anos, "pode ter ajudado" Milei a assinar a declaração conjunta do G-20, disse Silveira aos repórteres.

Mas isso não fez nada para dissipar a tensão entre os líderes das maiores economias da América do Sul, que têm opiniões opostas sobre mudanças climáticas, questões sociais e o papel dos governos.

Um conjunto de fotografias oficiais que foram publicadas nas primeiras páginas dos jornais locais na terça-feira mostrou Lula e outros líderes do governo apertando as mãos amigavelmente, em nítido contraste com a foto do líder brasileiro com Milei - os dois homens parados rigidamente separados, apesar de o protocolo exigir que apertem as mãos, parecendo que prefeririam estar em qualquer outro lugar do mundo.

Alguns temem que a eleição de Trump tenha encorajado ainda mais Milei e outras figuras políticas de extrema direita a abandonar os compromissos da ONU e os ambiciosos acordos multilaterais sobre questões como as mudanças climáticas.

"Milei já assumiu uma postura pró-Trump, pensando (...) que o G-20 poderia ser esvaziado pelo presidente Trump", disse Goulart Menezes, especialista em relações internacionais.

No entanto, ele advertiu que "condicionar a política externa da Argentina ao futuro presidente dos Estados Unidos" traz riscos. "A Argentina está se colocando em uma posição de isolamento internacional", disse.

De fato, na tradicional foto de família do G-20 - tirada pela segunda vez na terça-feira porque o presidente dos EUA, Joe Biden, e o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, não compareceram à primeira - Milei foi o único líder que faltou na fila. Não haveria uma terceira tentativa./AP

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A rede social criada por Donald Trump, Truth Social, e a plataforma de vídeos Rumble entraram com um pedido de liminar em um tribunal dos Estados Unidos contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. A informação é da agência de notícias Reuters.

O pedido busca impedir ordens emitidas pelo ministro, sob o argumento de que elas "violam a soberania americana, a Constituição e as leis dos Estados Unidos". Elas também disseram que Moraes ameaçou processar criminalmente o CEO do Rumble, Chris Pavlovski.

Na sexta-feira, 21, Moraes havia determinado a suspensão do Rumble no Brasil por tempo indeterminado, até que a plataforma cumprisse as ordens judiciais dadas e o pagamento de multas. Isso porque antes ele ordenara que a empresa indicasse representantes legais no País.

O STF já definiu que plataformas estrangeiras precisam constituir representantes no Brasil para receber intimações e responder pelas empresas.

Entenda a polêmica

Em um despacho, o ministro afirmou que a plataforma incorreu em "reiterados, conscientes e voluntários descumprimentos das ordens judiciais, além da tentativa de não se submeter ao ordenamento jurídico e Poder Judiciário brasileiros".

"Chris Pavlovski confunde liberdade de expressão com uma inexistente liberdade de agressão, confunde deliberadamente censura com proibição constitucional ao discurso de ódio e de incitação a atos antidemocráticos", escreveu Moraes.

Além de exigir a indicação de um representante legal, o ministro também havia determinado o bloqueio do canal do blogueiro Allan dos Santos e a interrupção de repasses de monetização ao influenciador. Também ordenou que novos perfis do influenciador fossem barrados. Outras redes sociais, como YouTube, Facebook, Twitter e Instagram, foram notificadas para bloquear as contas de Allan dos Santos e cumpriram as decisões de Moraes.

O STF não conseguiu intimar o Rumble porque a empresa não tem um responsável no Brasil. Os advogados localizados informaram que não são representantes legais da plataforma e que não têm poderes para receber citações ou intimações. No dia 17 de fevereiro, eles renunciaram ao mandato que tinham para atuar em causas da rede social.

O Rumble move uma ação contra Moraes na Justiça dos Estados Unidos, em conjunto com Trump Media, ligada ao presidente americano. As companhias alegam que o ministro do STF violou a soberania norte-americana ao ordenar a suspensão do perfil de Allan dos Santos. O blogueiro teve prisão preventiva decretada em 2021 e está foragido desde então.

O Rumble voltou a funcionar no Brasil em fevereiro deste ano. A plataforma, que estabelece uma política menos restrita de moderação de conteúdo, foi desativada no País em dezembro de 2023 por discordar das exigências da Justiça brasileira. Ela é conhecida por abrigar personalidades e usuários de extrema direita.

O influenciador Pablo Marçal (PRTB) foi condenado à inelegibilidade porque vendeu apoio político na campanha de 2024. Em vídeo publicado nas redes sociais, ele se ofereceu para gravar vídeos divulgando candidatos a vereador por R$ 5 mil.

Em uma transmissão ao vivo na sexta-feira, 21, o influenciador disse que vai recorrer da decisão. Ele alegou que não chegou a "materializar" os vídeos porque foi barrado pela equipe jurídica da campanha.

Pablo Marçal foi candidato à Prefeitura de São Paulo nas eleições municipais de 2024 e terminou em terceiro lugar, com 1.719.274 de votos (28,14% dos votos válidos).

Ao se oferecer para divulgar os vereadores, ele afirmou que estava "concorrendo a uma eleição desleal" porque não usou dinheiro público enquanto "os 'bonitões' gastam R$ 100 milhões para fazer propaganda enganosa".

"Você conhece alguém que queira ser vereador e é candidato, que não seja de esquerda, tá, esquerda não precisa avisar. Se essa pessoa é do bem e quer um vídeo meu para ajudar a impulsionar a campanha dela, você vai mandar esse vídeo e falar 'mano, olha aqui que oportunidade, né?' Essa pessoa vai fazer o quê? Ela vai mandar um Pix para a minha campanha de doação, Pix de cinco mil. Fez essa doação, eu mando o vídeo. Vai clicar aqui no formulário, clicou aqui no formulário, cadastra, a equipe vai entrar em contato. Tamo junto, fechou, você ajuda daqui em São Paulo e eu ajudo daí."

O juiz Antonio Maria Patiño Zorz, da 1.ª Zona Eleitoral, declarou Pablo Marçal inelegível por abuso de poder econômico e político, uso indevido de meios de comunicação social e captação ilícita de recursos.

A sentença afirma que a oferta feita pelo influenciador "foi levada a sério por candidatos a vereador que efetuaram doações confirmadas pelo requeridos" e teve "potencialidade para macular a integridade do processo eleitoral em razão do efeito que produziram na consciência política dos cidadãos".

O juiz Antonio Zorz afirmou ainda que ele espalhou fake news sobre o fundo partidário e se "colocou, de forma gravemente distorcida, como vítima de um sistema eleitoral desleal que não lhe permitiu usar financiamento público do fundo eleitoral". Com isso, na avaliação do magistrado, o influenciador comprometeu a "normalidade e legitimidade" da eleição.

Como a decisão foi tomada na primeira instância, há possibilidade de recurso ao Tribunal Regional Eleitoral.

Deflagrada pela Polícia Federal em 2015, a Operação Zelotes inicialmente apurava suspeitas de um esquema de corrupção no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf) - órgão colegiado do Ministério da Fazenda - que é a última instância administrativa para o julgamento de autuações da Receita Federal a empresas e pessoas físicas. O objetivo do esquema seria vender, por meio de conselheiros e auditores, informações privilegiadas e facilidades que pudessem resultar na reversão de multas discutidas no Carf.

Quando a operação foi deflagrada, o Carf era ocupado por 216 conselheiros, metade indicada pela Receita e outra parte por confederações empresariais, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI), e uma parte menor pelas centrais sindicais.

Até então, os conselheiros indicados pelo setor privado podiam desempenhar suas funções no Carf e, ao mesmo tempo, advogar em casos tributários. No mês seguinte à revelação do escândalo, o governo fixou novas regras para funcionamento do órgão, com remuneração para seus integrantes e restrições ao exercício das atividades profissionais.

De acordo com os investigadores, o esquema de corrupção no Carf era "legalizado" por contratos de serviços prestados por escritórios de advocacia e consultorias que faziam lobby para influenciar nas decisões do órgão. Após abordagem das empresas alvos de multas da Receita, esses consultores elaboravam contratos para forjar a legalidade do serviço prestado. A partir daí, segundo a investigação, as empresas pagavam propina por meio de depósitos em diversas contas bancárias para evitar o rastreamento.

Os investigadores dizem que vários conselheiros do Carf se recusaram a participar do esquema e repudiaram a abordagem, mas outros aceitaram negociar decisões. À época, tramitavam no órgão mais de 115 mil processos tributários que englobam cerca de R$ 500 bilhões em discussão.

Desdobramentos da Zelote levaram a outros casos e até suspeita de compra de Medida Provisória

Com desdobramentos, a operação Zelotes foi ampliada e virou um guarda-chuva para grandes investigações sobre suspeitas de corrupção que atingiram grandes personagens da República. O ex-ministro Antonio Palocci foi uma testemunha nas investigações. O ex-ministro Guido Mantega virou réu, mas o caso dele acabou prescrito.

O caso da venda de uma Medida Provisória para favorecer montadores de veículos no segundo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2009, também acabou entrando no escopo da Zelotes. A denúncia foi publicada pelo Estadão em outubro de 2015.

Lula chegou a virar réu nesse caso por suposto tráfico de influência, mas foi absolvido em 2021 depois de a Justiça entender que a acusação não demonstrou de maneira convincente o envolvimento dele.

Até um filho de Lula virou réu, junto com o pai, em um processo que apontava tráfico de influência na compra de caças suecos pelo governo brasileiro. O caso das aeronaves foi suspensa pelo então ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, em 2022.

A decisão permitiu que Lula disputasse as eleições daquele ano sem responder a ações penais na Justiça. Lewandowski, hoje ministro da Justiça do governo Lula, entendeu que procuradores do DF agiam de forma articulada com membros da Lava Jato. Ele se baseou em trocas de mensagens da força-tarefa de Curitiba que acabaram vazadas por hackeamento.

Apesar dos dez anos desde a deflagração da Zelotes, ainda há ações sem julgamento e sem trânsito em julgado.