Arábia Saudita reduz tensão com o Irã e endurece críticas a Israel

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O príncipe e governante da Arábia Saudita, Mohamed bin Salman (MBS), recebeu líderes de países islâmicos em Riad para discutir a guerra de Israel na Faixa de Gaza e no Líbano. Na abertura, chamou as operações israelenses de genocídio e pediu o fim dos ataques ao Irã. O tom adotado contrasta com a realidade que o Oriente Médio vivia há menos de dois anos, quando sauditas e iranianos eram arquirrivais.

Chamada de cúpula conjunta da Liga Árabe e da Organização de Cooperação Islâmica, a reunião refletiu a mudança em andamento na região desde que Arábia Saudita e Irã restabeleceram laços diplomáticos, em março de 2023. Meses depois, Israel começou a bombardear Gaza, em resposta ao ataque terrorista do Hamas, em 7 de outubro. MBS já havia convocado o mundo muçulmano por causa da guerra, mas nunca havia classificado a campanha como genocídio.

Um ano depois, o reino saudita endurece as críticas a Israel e faz mais acenos ao Irã, à medida que aguarda o retorno de Donald Trump à presidência dos EUA. No primeiro mandato do republicano, os americanos estreitaram os laços com a Arábia Saudita, que se aproximou de Israel e manteve uma posição agressiva contra Teerã. Mas, com as mudanças geopolíticas e o fracasso de Joe Biden na região, há muita incerteza sobre a direção dos americanos a partir de janeiro, dizem analistas.

Durante a campanha, Trump prometeu levar paz à região e demonstrou apoio incondicional às guerras de Israel. Há uma expectativa de que ele retome o plano de mediar o acordo de reconhecimento de Israel pela Arábia Saudita, para apresentá-lo como grande vitória da diplomacia americana.

Se Trump avançar com diálogos de paz, a Arábia Saudita pode ser peça-chave. O republicano possui boas relações com MBS, que pretende ser líder do mundo islâmico e sabe que para isso é necessário estabilidade. "O desejo de Trump de ver a Arábia Saudita reconhecer Israel pode dar a MBS a chance de ser intermediador de um acordo de paz e de se firmar como líder regional", disse o pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre o Oriente Médio (Gepom), Najad Khouri.

ESTABILIDADE

Desde que Riad estabeleceu seu plano de desenvolvimento para 2030, a busca por estabilidade no Oriente Médio ganhou força. Isso explica o restabelecimento de laços diplomáticos com o Irã, depois de sete anos. "Os dois lados perceberam que, ao estabelecer uma base para comunicação e cooperação, poderiam diminuir as tensões e impulsionar a economia", diz o relatório do centro de estudos International Crisis Group.

O Irã é visto pelos sauditas como inimigo e maior força desestabilizadora da região desde a Revolução Islâmica, em 1979. Os países possuem duas visões diferentes do Islã - os sauditas são sunitas, e os iranianos, xiitas - e estiveram em lados opostos muitas vezes, como na guerra civil do Iêmen, onde os sauditas lideram uma campanha militar contra os houthis, milícia apoiada por Teerã.

A mudança para uma estratégia menos bélica começou em 2019, depois de os houthis lançarem mísseis contra as instalações sauditas de petróleo. Dentro dessa lógica, MBS também melhorou os laços com Turquia e Iraque.

Analistas lembram que ele também ajudou resgatar a Síria, depois de o país ser expulso da Liga Árabe por causa da guerra civil. O próximo passo seria reconhecer os laços com Israel, mas a guerra em Gaza demoliu os planos de MBS.

GUERRAS

A invasão israelense no Líbano e os ataques contra o Irã pioraram as perspectivas de paz regional. Nesta semana, o jornal israelense Haaretz noticiou que MBS estaria frustrado com a indisposição de Israel em acabar a guerra.

Com temor de ser alvo do Irã no conflito, os sauditas deram um salto e buscaram se reaproximar de Teerã. "Os Estados do Golfo tentam alavancar melhores relações com o Irã para evitar serem pegos no meio de uma escalada Israel-Irã", disse a analista Anna Jacobs, do Crisis Group.

As divergências entre Arábia Saudita e Irã não desapareceram, mas a reaproximação atende interesses mútuos. A guerra é ruim para a economia saudita e proporciona aos iranianos uma chance de sair do isolamento, que vem destruindo as contas do país e aumentando a insatisfação interna com o regime dos aiatolás.

MUDANÇAS

A eleição do presidente Masoud Pezeshkian, em julho, lançou ares de moderação ao Irã. Pezeshkian prega a reconciliação com o Ocidente e com os sunitas do Golfo. Nos primeiros meses, o chanceler do Irã, Abbas Araqchi, se reuniu com os líderes de vários países da região, incluindo MBS.

O contato mais recente das autoridades do alto escalão saudita e iraniano aconteceu nesta semana em Teerã, poucos dias depois da eleição de Trump nos EUA. O principal oficial militar saudita, Fayyad al-Ruwaili, se reuniu com o general iraniano Mohammad Bagheri. Segundo a mídia estatal iraniana, Bagheri pediu aumento da cooperação militar e os convidou para exercícios navais conjuntos em 2025. No fim de outubro, as forças militares dos dois países participaram de uma manobra militar com outros países do Golfo no Mar Vermelho.

A reaproximação resultou em uma trégua na guerra civil do Iêmen e nas hostilidades dos houthis contra a Arábia Saudita. De acordo com Jacobs, os sauditas também não permitiram que israelenses e americanos utilizassem seu espaço aéreo para interceptarem os mísseis lançados pelo Irã contra Israel, em abril.

Para o Irã, estabelecer uma relação de confiança com a Arábia Saudita é ter mais garantias de que o retorno de Trump não transforme Riad em uma ameaça militar patrocinada pelos EUA. A Arábia Saudita, por sua vez, tenta se colocar como mediadora do diálogo entre Washington e Teerã. "O que MBS quer é autonomia diplomática", disse Khouri.

Apesar das alianças da Arábia Saudita para se consolidar como líder regional, há uma divergência fundamental com Israel. Depois do 7 de outubro, os sauditas passaram a exigir a solução de dois Estados na questão palestina, em troca da normalização diplomática. Mas a coalizão de Netanyahu mostra cada vez mais disposição de ocupar a Cisjordânia e Gaza.

Antes da guerra, Riad falava que o reconhecimento passaria por melhorias para os palestinos, mas a exigência de criar um Estado não estava sobre a mesa. O conflito, porém, mobilizou a sociedade saudita e fez com que Riad exigisse mais. "A questão palestina não afeta MBS pessoalmente. Mas ele precisa ter a confiança da opinião pública para não sofrer uma desestabilização interna", disse Khouri.

VOLTA

Se o retorno de Trump significar apoio irrestrito aos planos israelenses de anexar a Cisjordânia, como pede o ministro das Finanças de Israel, Bezalel Smotrich, MBS terá mais dificuldade em lidar com a questão. "Por isso, a Arábia Saudita pode aceitar reconhecer os laços com Israel desde que haja compromissos, mesmo que eles não se concretizem", afirmou Khouri.

Quanto ao Irã, as divergências com a Arábia Saudita também limitam sua influência. Teerã não reconhece Israel como Estado legítimo, mas assinou a resolução da cúpula de Riad que pede dois Estados como solução. O país também defendeu sanções contra os israelenses no encontro, mas a proposta não foi aprovada.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes manifestou ceticismo quanto ao avanço da proposta que visa revisar as penas dos envolvidos nos atos de 8 de Janeiro, além de defender que a responsabilidade pelo julgamento do caso permaneça com o Judiciário. A declaração foi feita na segunda-feira, 5, durante um evento promovido pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), realizado na Espanha.

"Acho fundamental que esse crime fique entregue aos tribunais. A eventual condenação ou absolvição dos responsáveis por esse episódio todo. Demos passos significativos. Até pouco tempo, falávamos que só os executores tinham sido atingidos. Agora, percebemos que também a cúpula desse movimento foi atingida", afirmou o decano do STF.

Gilmar Mendes declarou que a Corte se "orientou pelo dever de ação que decorre da Constituição" ao julgar os envolvidos nos atos do 8 de Janeiro e afirmou que o Supremo agiu em defesa da democracia.

"Nós poderíamos estar aqui, muitos de nós, contando a história de um golpe. Mas estamos aqui, ao contrário, com uma história constitucional de resistir a uma tendência autoritária, totalitária", disse Gilmar.

Também presente no seminário, o diretor-geral da Polícia Federal (PF), Andrei Rodrigues, disse que as sanções não devem ser desfeitas por "capricho político". O chefe da PF afirmou que as investigações conduzidas pela corporação identificaram não apenas os autores diretos das ações, mas também planos envolvendo homicídios e ataques à ordem democrática.

"São situações muito graves e que não podem simplesmente ser apagadas por capricho político. A minha posição, e é pública, é contrária ao processo de anistia, e as pessoas têm que ser responsabilizadas pelos graves crimes que cometeram", declarou o chefe da PF.

Já o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, que abriu os discursos no evento, preferiu não emitir opinião sobre a possível anistia, argumentando que o tema ainda está em análise tanto no Judiciário quanto no Legislativo.

O evento, sediado na Universidade Complutense de Madri, abordou temas relacionados à segurança jurídica e à jurisdição constitucional. O seminário ocorreu na capital espanhola e contou com ingressos comercializados ao custo de R$ 9 mil.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) comemorou nesta terça-feira, 6, a decisão do ministro Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), de autorizar advogados a participarem da sessão com seus celulares.

A Primeira Turma do STF decide nesta terça se recebe ou não a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra os sete acusados do "núcleo de desinformação" do plano de golpe.

A OAB chegou a orientar advogados a boicotarem a sessão se a ordem para entregar os aparelhos fosse mantida, assim como ocorreu no último julgamento do golpe. Os celulares foram colocados em sacos plásticos e lacrados pela equipe do STF.

Em nota, o presidente da OAB, Beto Simonetti, afirma que o recuo demonstra que "o diálogo prevaleceu". Ele esteve com Zanin na semana passada para conversar sobre o assunto.

"Com a decisão, o ministro prestigiou o respeito às prerrogativas profissionais", comenta Beto Simonetti.

O presidente da OAB afirma ainda que mantém o "compromisso de atuar em todas as instâncias e órgãos para proteger o livre exercício da advocacia e coibir qualquer tentativa de violação de prerrogativas".

O STF proíbe que as sessões das turmas e do plenário sejam fotografadas e filmadas pela plateia. Segundo o tribunal, a regra foi burlada no julgamento do recebimento da primeira denúncia do plano de golpe, que colocou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e sete aliados no banco dos réus. Por isso, o uso de celulares por advogados e jornalistas foi proibido na sessão seguinte, que também tinha relação com o inquérito do golpe.

Além disso, o ex-assessor da Presidência Filipe Garcia Martins, um dos denunciados, estava proibido de captar e divulgar imagens do julgamento e de aparecer nas filmagens.

Ao ser questionado pela OAB, Zanin informou que determinou a lacração dos celulares com base no poder de polícia do presidente da Primeira Turma, "após consenso entre os integrantes do colegiado, diante de questões específicas daquele julgamento".

"A providência foi pontual visou e buscou observar a liturgia da Suprema Corte, o bom andamento da sessão e o cumprimento da decisão do ministro relator, que vedou o uso da imagem de um dos denunciados presentes naquela sessão", informou o ministro.

Logo após a sessão em que os celulares foram confiscados, o tribunal foi procurado pelo Estadão e informou que a restrição havia sido pontual e que não havia previsão de a regra ser mantida em outros julgamentos.

Leia a íntegra da nota da OAB:

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) parabeniza o ministro Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma do STF, por ter retirado a exigência de que os advogados lacrem seus celulares para participar da sessão. O diálogo prevaleceu e, com a decisão, o ministro prestigiou o respeito às prerrogativas profissionais, de acordo com o Estatuto da Advocacia (Lei 9.806/94) e com a Constituição Federal.

A OAB destaca que a comunicação respeitosa e o compromisso com a legalidade fortalecem a relação entre as instituições e garantem a segurança jurídica. Mantemos nosso compromisso de atuar em todas as instâncias e órgãos para proteger o livre exercício da advocacia e coibir qualquer tentativa de violação de prerrogativas. A defesa da profissão é compromisso permanente e inegociável da entidade.

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta terça-feira, 6, para a Primeira Turma receber denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra os sete acusados do "núcleo de desinformação" do plano de golpe.

Como relator, Moraes abriu os votos na Primeira Turma do STF. O ministro rebateu as defesas e argumentou que as acusações precisam ser analisadas no contexto do plano de golpe.

"O núcleo de desinformação tem essa importância: tentar transformar mentira em uma dúvida na sociedade em relação à democracia, às instituições, à Justiça Eleitoral", contextualizou o ministro.

Moraes destacou, por exemplo, que as fake news supostamente disseminadas pelo "núcleo de desinformação" coincidem com declarações do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em discursos públicos e lives, o que na avaliação do ministro demonstra uma atuação coordenada.

"Não se trata da acusação de que 'ah, uma pessoa simplesmente repassou uma notícia para outra'. O que a denúncia traz é o núcleo atuando em conformidade estratégica com outros núcleos, cada um dentro das suas tarefas nessa organização criminosa", complementou o ministro.

Neste grupo, estão sete denunciados que, segundo a PGR, ficaram responsáveis por "operações estratégicas de desinformação" e ataques ao sistema eleitoral e a instituições e autoridades.

As defesas buscaram descolar os denunciados das lideranças do plano de golpe. Em sustentação oral na tribuna da Primeira Turma do STF, os advogados dos sete acusados alegaram que seus clientes não tinham poder decisório nem influência suficiente para contribuir para o 8 de Janeiro.

Para o ministro, os denunciados do "núcleo de desinformação" do golpe contribuíram, "em maior ou menor extensão", para o plano golpista.

"Toda a estrutura do núcleo político, cuja denúncia já foi recebida, instrumentalizou as duas ordens pelo núcleo de desinformação, como narra a denúncia", defendeu Moraes.

Moraes é o relator das ações do plano de golpe.

O ministro também fez referência ao relatório da Polícia Federal no inquérito das milícias digitais, que apontou uma "atuação orquestrada" de bolsonaristas para promover ataques e fake news com o objetivo de ganhar projeção política e de lucrar com a monetização de notícias falsas nas redes sociais.

"Havia núcleo de produção, divulgação e financiamento de notícias fraudulentas e o núcleo político. Esses fatos são comprovados", disse Moraes.

Ele afirmou que o grupo se valeu do mesmo "modus operandi das milícias digitais" para jogar uma parcela da população contra o Poder Judiciário e o sistema eleitoral. "Não se pode relativizar a força, que pode ser uma força maléfica, das redes sociais."

Veja quem são os denunciados do 'núcleo de desinformação' do golpe:

- Ailton Gonçalves Moraes Barros, capitão reformado do Exército

- Ângelo Martins Denicoli, major da reserva do Exército

- Carlos César Moretzsohn Rocha, ex-presidente do Instituto Voto Legal;

- Giancarlo Gomes Rodrigues, subtenente do Exército e ex-servidor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin);

- Guilherme Marques de Almeida, tenente-coronel do Exército;

- Marcelo Araújo Bormevet, policial federal e ex-servidor da Abin;

- Reginaldo Vieira de Abreu, coronel do Exército.