Com cessar-fogo de Israel, milhares de libaneses retornam da Síria

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Milhares de pessoas atravessaram a fronteira entre a Síria e o Líbano nesta quinta-feira, 27, no segundo dia do cessar-fogo entre Hezbollah e Israel, após quase 14 meses de troca de combates.

Na passagem fronteiriça de Jousieh, na área de Qusair, na província síria de Homs, carros formaram filas para atravessar a fronteira nesta quinta-feira. Todas as quatro faixas foram ocupadas por veículos indo em direção ao Líbano, enquanto aqueles que aguardavam para entrar na Síria usavam caminhos alternativos.

Dos seis postos de fronteira entre o Líbano e a Síria, apenas dois permanecem ativos após ataques aéreos israelenses forçarem o fechamento dos demais. Os dois países compartilham uma fronteira de 375 quilômetros.

Mais de 600 mil pessoas que fugiram do Líbano buscaram refúgio na Síria no último ano, a maioria após a intensificação da guerra entre Israel e Hezbollah em setembro.

O fluxo transfronteiriço marca um golpe reverso entre os dois países, dado que o Líbano abriga mais de 1 milhão de refugiados sírios que fugiram da guerra de seu país, que iniciou em 2011.

Com o cessar-fogo entre Israel e Hezbollah em vigor desde a madrugada de quarta-feira, milhares começaram a voltar ao Líbano. Famílias lotaram veículos com malas, colchões e cobertores no caminho de volta nesta quinta-feira.

O clima era de alívio misturado com tristeza, já que muitos enfrentavam a dura realidade de encontrar casas possivelmente destruídas.

"Estamos na Síria desde 23 de setembro, tivemos que deixar nossos empregos, nossas casas e nossos entes queridos por causa da guerra", disse Hasan Fliti, um comerciante de laticínios de 54 anos que retornava ao Líbano com a esposa e dois filhos. "Estou feliz que há um cessar-fogo e não há mais destruição. Você não tem mais medo de ataques aéreos."

No primeiro dia do cessar-fogo, mais de 2 mil pessoas cruzaram de volta para o Líbano, informou um oficial de segurança sírio na fronteira de Jousieh. Nesta quinta-feira, mais de 4 mil retornaram, e o número segue aumentando.

O posto de migração na fronteira estava lotado de famílias esperando para carimbar seus passaportes ou identidades. Alguns fumavam, outros estavam sentados sobre suas malas, esperando a liberação enquanto o fluxo de retornados crescia.

Entre eles estava Wafa Wehbe, de 37 anos, que buscou refúgio com sua família na Síria por mais de um mês. "Minha casa se foi, mas é um sentimento indescritível voltar", disse.

"Há uma sensação trágica pelos mártires que tiveram que morrer. As crianças estão de luto."

A casa de Wafa em Khiyam, localizada em uma área que ainda está sob controle israelense, foi destruída, mas ela disse que agora ficará na casa da irmã. "Estou voltando também para lamentar nossos mártires. Eles morreram lutando nas linhas de frente."

Ghinwa Arzouni, que buscou refúgio em Homs, no sul do Líbano, disse que voltar para casa é ao mesmo tempo um alívio e um desafio. "Estamos animados para voltar, mas tenho medo da viagem, é um longo caminho de volta", disse.

"Nossa casa no sul está bem, pode ter vidros quebrados, mas precisamos chegar lá para verificar. Esperamos voltar à Síria como turistas, e não como deslocados."

Israel ataca em meio à trégua

Apesar do retorno em massa dos deslocados, ainda não há garantia de segurança plena na região. Nesta quinta-feira, Israel disse que seus aviões dispararam contra o sul do Líbano após detectar movimentos do Hezbollah em uma instalação de armazenamento de foguetes - marcando o primeiro ataque um dia após um cessar-fogo.

Não houve informações imediatas sobre vítimas no ataque aéreo de Israel, que ocorreu horas depois de o Exército israelense afirmar que disparou contra pessoas tentando retornar a certas áreas no sul do Líbano.

Sem dar detalhes, Israel disse que essas pessoas estavam violando o acordo de cessar-fogo. A agência estatal de notícias do Líbano reportou que duas pessoas ficaram feridas.

Os dois episódios consecutivos provocaram desconforto diante do acordo, mediado pelos Estados Unidos e França, que condicionou a trégua ao recuo dos membros do Hezbollah ao norte do rio Litani, e a volta das forças israelenses para o seu lado da fronteira. A zona tampão seria patrulhada pelo Exército do Líbano e por forças de paz da ONU.

Nesta quinta-feira, a agência de notícias estatal do Líbano informou que ataques de artilharia israelenses tiveram como alvo civis em Markaba, próximo à fronteira, sem fornecer mais detalhes.

Israel afirmou ter disparado artilharia em outros três locais próximos à fronteira. Não houve relatos imediatos de vítimas. Um repórter da Associated Press no norte de Israel, perto da fronteira, ouviu drones israelenses patrulhando a área e o som de ataques de artilharia do lado libanês.

O Exército israelense disse em um comunicado que "vários suspeitos foram identificados chegando em carros a várias áreas no sul do Líbano, violando as condições do cessar-fogo". O Exército afirmou que as tropas "abriram fogo contra eles" e que "farão cumprir ativamente as violações do acordo de cessar-fogo".

Autoridades israelenses disseram que as forças serão retiradas gradualmente à medida que têm garantia de que o acordo está sendo cumprido.

Israel alertou as pessoas para não retornarem às áreas onde as tropas estão posicionadas e afirmou que se reserva o direito de atacar o Hezbollah caso o grupo viole os termos da trégua.

Um oficial militar libanês, que falou sob condição de anonimato, disse que as tropas libanesas se posicionarão gradualmente no sul à medida que as tropas israelenses deixarem a região.

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A eleição da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil em Pernambuco (OAB-PE) para definir os candidatos que vão compor a lista sêxtupla para a vaga reservada à advocacia no Tribunal de Justiça do Estado virou caso de Justiça.

Há pelo menos 25 anos, a lista de candidatos é definida por eleição direta entre os advogados de Pernambuco, o que não é uma prática adotada em todas as seccionais da OAB. O processo de consulta à classe é considerado amplamente democrático, mas neste ano a direção da OAB-PE enfrenta críticas por supostamente tentar manipular o resultado da votação.

Procurada pelo Estadão, a entidade afirmou que "todas as etapas do processo foram conduzidas com transparência, rigor e total respeito às normas vigentes" (leia a íntegra da manifestação ao final da matéria).

A eleição ocorreu no dia 18 de novembro, após 40 dias de campanha, mas a lista homologada sofreu alterações após a apuração e o anúncio do resultado pela comissão eleitoral.

A OAB homologou a versão final da lista em uma sessão extraordinária virtual com capacidade limitada a 100 participantes. A votação levou seis minutos. Advogados, incluindo ex-dirigentes e conselheiros, relataram que foram impedidos de participar da reunião.

Dois ex-presidentes da entidade deram entrada em uma ação popular denunciando irregularidades na condução da eleição e pedindo a reconsideração da lista homologada. O processo tramita da Justiça Federal.

O principal questionamento é sobre a cota para mulheres. Os ex-presidentes da OAB de Pernambuco argumentam que, ao reservar 50% das vagas para as candidatas, a entidade acabou limitando na prática a participação feminina e criando, inversamente, uma "cota para homens".

O edital não faz a ressalva de que o percentual deveria funcionar como uma linha de corte, ou seja, como um piso para garantir que pelo menos três mulheres deveriam estar na lista, sem no entanto delimitar a participação das candidatadas a essas três vagas.

As impugnações foram apresentadas antes da eleição e chegaram a ser acolhidas pela comissão eleitoral, mas o conselho da OAB-PE manteve as regras. Com isso, embora cinco mulheres tenham sido as candidatas mais votadas, apenas três delas estão na versão final da lista.

"Tal situação vem causando perplexidade não apenas aos autores e às mulheres advogadas pernambucanas visto que, sob o pretexto de implementar uma política afirmativa para alcançar uma paridade de gênero, a OAB/PE na verdade implementou uma restrição ao acesso de advogadas mulheres à lista sêxtupla, criando, por via transversa cota para advogados homens, situação vergonhosa sobretudo pelo fato do TJPE ser composto por mais de 90% de desembargadores homens", diz um trecho da ação judicial movida pelos advogados Pedro Henrique Alves e Jayme Asfora Filho, ex-presidentes da OAB.

O posicionamento da seccional vai na contramão das diretrizes aprovadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão que administra o Poder Judiciário, para promover a paridade de gênero nos tribunais de segunda instância. O Tribunal de Pernambuco tem 54 desembargadores homens e apenas 4 mulheres.

O Supremo Tribunal Federal (STF) também já reconheceu, em diversas ações de inconstitucionalidade, que as cotas de gênero não podem limitar a concorrência de mulheres.

Ao ser questionado sobre as cotas, o presidente da OAB-PE, Fernando Ribeiro Lins, disse que o tema já foi "esgotado".

A lista da OAB foi entregue ao desembargador Ricardo Paes Barreto, presidente do Tribunal de Pernambuco, na semana passada. O tribunal marcou para dia 9 de dezembro a votação que vai reduzir a lista a três nomes. Depois disso, cabe à governadora de Pernambuco, Raquel Lyra (PSDB), escolher o próximo desembargador ou desembargadora para compor a Corte.

Há ainda um segundo ponto questionado na Justiça, em outro processo. Depois que os votos foram apurados, a advogada Diana Câmara, que concorreu à vaga reservada a candidatos negros e pardos, foi reclassificada como candidata branca, o que provocou uma reviravolta na lista. Com isso, a advogada Taciana de Castro, candidata de oposição, foi excluída da versão final.

A reclassificação da advogada é contestada por ela própria. Em um primeiro momento, Diana conseguiu uma decisão liminar do Conselho Federal da OAB para concorrer como parda. Essa foi uma das bandeiras de sua campanha. Após a apuração dos votos, a OAB de Pernambuco conseguiu uma nova decisão, revogando a primeira. As decisões foram emitidas por conselheiros diferentes. O relator originalmente era o conselheiro Renato da Costa Figueira, que estava no cargo como suplente. A decisão dele foi derrubada pelo conselheiro Thiago de Melo. que apontou "aplicação seletiva da identificação racial".

COM A PALAVRA, A OAB DE PERNAMBUCO

"A Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Pernambuco (OAB-PE) informa que, até o momento, não foi oficialmente notificada sobre qualquer ação popular relacionada ao resultado da eleição para a formação da lista sêxtupla do Quinto Constitucional do Tribunal de Justiça de Pernambuco.

A OAB-PE reforça que todas as etapas do processo foram conduzidas com transparência, rigor e total respeito às normas vigentes, sempre em consonância com os princípios que norteiam a nossa instituição, incluindo o compromisso com a paridade de gênero e ações afirmativas."

O Ministério Público Eleitoral (MPE) pediu a inelegibilidade do governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União) e da chapa liderada por Sandro Mabel (União), prefeito eleito de Goiânia, por abuso de poder político durante as eleições municipais deste ano. A procuradoria aponta que o governador utilizou a sede do governo, o Palácio das Esmeraldas, para promover eventos em apoio ao prefeito eleito, que é seu aliado, o que configura abuso de poder político.

A decisão é resposta a uma ação movida por Fred Rodrigues (PL), que denuncia a prática de abuso e o descumprimento da Lei das Eleições. Ele pede que Mabel, sua vice, Cláudia da Silva Lira, e o governador sejam declarados inelegíveis, percam seus registros de candidatura e/ou diplomas e tenham de pagar uma multa. O MPE concordou com todos os pedidos.

Rodrigues, que teve apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) - com quem Caiado tem tido rixas constantes -, nas eleições goianienses, foi derrotado pelo candidato de Caiado no segundo turno por 55,53% contra 44,47%.

Para embasar a decisão, o MPE levou em conta jantares organizados por Caiado com lideranças políticas logo após o primeiro turno. Segundo a procuradoria eleitoral, o governador utilizou recursos do governo, como alimentos, bebidas e serviços de funcionários públicos, para promover o evento.

O parecer também aponta que os jantares foram amplamente divulgados na imprensa e nas redes sociais, o que, segundo o MPE, comprometeu a normalidade do pleito. "Independente da efetiva quantidade de eleitores diretamente atingidos, não se pode ignorar o fato de que os mencionados eventos tiveram ampla divulgação na mídia e redes sociais, pelo que ostentam gravidade suficiente para comprometer a legitimidade e a normalidade do pleito, estando, portanto, caracterizado o abuso do poder político", afirma o MPE.

Caiado e Mabel negam as acusações. O governador alega que o MPE se pronunciou sem ouvir as testemunhas e afirma que todos os eventos eleitorais ocorreram fora da sede de governo. "O evento em questão teve como objetivo principal congratular os vereadores de Goiânia pela vitória nas eleições", declarou.

Já o prefeito eleito argumenta que os jantares faziam parte da agenda do governador e não tinham relação com o pleito. "A conduta vedada mencionada na ação somente se configuraria caso tivesse havido utilização ou benefício direto de bens ou serviços públicos em favor de uma campanha, o que não ocorreu", afirmou em nota.

Uma audiência foi marcada para o dia 2 de dezembro, com o objetivo de ouvir depoimentos de testemunhas e avaliar a gravidade das ações. As testemunhas serão ouvidas de forma híbrida, com a possibilidade de participação presencial ou via videoconferência.

Os atos golpistas do 8 de Janeiro e o atentado a bomba próximo ao Supremo Tribunal Federal (STF) foram resgatados nesta quinta-feira, 28, no julgamento que vai definir se as plataformas devem ser responsabilizadas por conteúdos publicados pelos usuários. Os ministros Alexandre de Moraes e Cármen Lúcia usaram os episódios para fazer críticas às redes sociais por permitirem a circulação de publicações antidemocráticas.

No dia da invasão à Praça dos Três Poderes, bolsonaristas radicais gravaram vídeos e fizeram transmissões ao vivo sem intercorrências. Boa parte das articulações também ocorreu na internet.

"O dia 8 de Janeiro demonstrou a total falência do sistema de autorregulação de todas as redes, de todas as big techs", disparou Moraes. "É faticamente impossível defender, após o dia 8 de Janeiro, que o sistema de autorregulação funciona. Falência total e absoluta, instrumentalização e, lamentavelmente, parte de conivência."

O ministro criticou as empresas de tecnologia por não removerem prontamente os conteúdos publicados pelos golpistas e afirmou que elas agiram assim por interesses econômicos.

"A Praça dos Três Poderes invadida, o Supremo, o Congresso e o Palácio do Planalto sendo destruídos, as pessoas fazendo vídeos, postando nas redes sociais, chamando mais gente para destruir, e as redes sociais não retiraram nada. Por quê? Porque like em cima de like, sistema de negócio, monetização."

Moraes ainda defendeu que as redes sociais podem replicar, de forma ampla, o sistema que já vem sendo usado para combater a pornografia infantil, a pedofilia e a violação de direitos autorais.

"Não se diga que tecnologicamente não é possível porque em relação à pornografia infantil, pedofilia e direitos autorais a inteligência artificial e os algoritmos retiram, antes de um like, 93% das postagens. Os 7% seguintes são encaminhados à comissão de seres humanos. Então é possível tecnologicamente. O que não houve, e não vem havendo, é empenho", disse o ministro.

O atentado a bomba que terminou com a morte do chaveiro Francisco Wanderley Luiz, o Tiü França, foi lembrado pela ministra Cármen Lúcia. Ela destacou que havia postagens antecipando o ataque.

"Também estava nas redes a postagem da pessoa atacando o Supremo, dizendo que ia fazer alguma coisa. E não se conseguiu nem ver nem vislumbrar nem nada. O que nós tivemos foi aquela noite com um ato trágico, trágico institucionalmente, pessoalmente e de toda natureza", destacou a ministra.

O ministro Dias Toffoli, relator de um dos processos em julgamento, também defendeu que as redes sociais precisam assumir maior responsabilidade na moderação de conteúdo.

Os ministros vão decidir se ampliam a obrigação das plataformas de fiscalizarem os conteúdos que circulam nas redes - um dos maiores pontos de inquietação das big techs. O STF também precisa definir se as empresas de tecnologia podem ser punidas por publicações mesmo quando não houver ordem judicial para tirá-las do ar, o que implicaria uma moderação de conteúdo mais rigorosa.

A tendência é que o STF faça mudanças nas regras atuais do Marco Civil da Internet, ampliando as obrigações das big techs. Para alguns ministros, a obrigação de remover perfis falsos sem necessidade de ordem judicial é menos controversa, embora demande um papel mais ativo das redes sociais em verificar a autenticidade das contas. O tema da remoção de conteúdos específicos a partir de deliberação extrajudicial, no entanto, é considerado mais espinhoso.