O que significa para os EUA a decisão de Trump sobre os documentos de Kennedy? Entenda

Internacional
Tipografia
  • Pequenina Pequena Media Grande Gigante
  • Padrão Helvetica Segoe Georgia Times

Em mais uma rodada de canetadas na primeira semana ocupando a Casa Branca, Donald Trump deu um passo na quinta-feira, 23, para cumprir uma promessa frequentemente repetida em sua campanha: liberar os documentos sigilosos sobre o assassinato do presidente John F. Kennedy.

O então presidente americano morreu em 22 de novembro de 1963 por um disparo enquanto estava em um carro conversível em Dallas, no Texas, em esforços pré-campanha para a eleição de 1964. A Comissão Warren, que investigou o caso, determinou que o crime foi cometido pelo ex-atirador dos marines Lee Harvey Oswald, que agiu sozinho - uma conclusão recebida por ceticismo e que ainda provoca um interesse inabalável pelo caso.

"Por mais de 61 anos, o povo americano se perguntou por que esses documentos permaneceram ocultos. Por qualquer motivo, isso só alimentou inúmeras teorias da conspiração, bem como uma desconfiança do governo", disse ao Estadão Larry Sabato, professor da Universidade de Virgínia e autor do livro The Kennedy Half-Century: The presidency, Assassination and Lasting Legacy of John F. Kennedy.

Agora, Trump promete que "tudo será revelado". "Muita gente esperava isso há anos, décadas", afirmou o presidente enquanto assinava o decreto presidencial.

Mas analistas divergem sobre a capacidade de o decreto executivo - que também inclui a desclassificação dos documentos sobre Robert F. Kennedy e Martin Luther King Jr. - revelar informações bombásticas sobre os casos.

Em 2022, na última liberação de documentos sobre estes casos, o Arquivo Nacional dos EUA disse que mais de 97% de um total de 5 milhões de páginas relacionadas à morte do presidente já se tornaram públicos. Há portanto, proporcionalmente, poucos documentos que ainda precisam ser revelados. Mas Sabato diz que "sempre há esperança" de que possa haver alguma informação inovadora.

Nos últimos anos, por exemplo, tornou-se conhecido o fato de que Lee Harvey Oswald falou em matar um presidente em 1959, antes mesmo de Kennedy ter considerado concorrer, e que o escritório de campo da CIA na Cidade do México gravou conversas telefônicas entre Oswald e a Embaixada Soviética. "Informações como essas não nos dão todas as respostas, mas proporcionam uma visão mais ampla daquela época", diz o especialista.

E por que Trump se importa tanto?

No primeiro mandato de Trump, milhares de documentos dos Arquivos Nacionais dos EUA relacionados ao assassinato de Kennedy foram publicados, mas alguns foram retidos por motivo de segurança nacional.

Biden também permitiu a divulgação de novos documentos em 2022, mas disse que um "número limitado" de documentos permaneceria sob sigilo, a pedido de "agências" que não especificou.

Em uma nova tentativa, Trump retomou essa promessa durante sua campanha de reeleição. Desta vez, com um tom quase pessoal: ele quer o sobrinho de Kennedy, Robert F. Kennedy Jr., para secretário de saúde em sua nova administração. O pai de Kennedy, Robert F. Kennedy, foi assassinado em 1968 enquanto buscava a nomeação presidencial democrata. O aliado de Trump não acredita na conclusão de que o atirador agiu sozinho.

Para a emissora NBC News, Kennedy Jr. disse que estava "grato ao presidente Trump", acrescentando: "Acho que é uma ótima atitude, porque eles precisam ter mais transparência em nosso governo, e ele está cumprindo sua promessa de fazer o governo dizer a verdade ao povo americano sobre tudo".

Transparência é a palavra-chave nesta decisão de Trump, diz o historiador Lucas de Souza Martins, da Temple University, nos EUA. "Trump enxerga nisso uma oportunidade política também, de fazer uma sinalização para seu eleitorado, de que o seu governo é transparente na medida em que libera esses documentos."

Esse é um discurso já conhecido de Trump. Nas eleições de 2012, Trump disse que Barack Obama era "o presidente menos transparente" de todos os tempos.

Mas foi o republicano quem a Sunlight Foundation, uma organização dedicada à análise de transparência de governos, chegou a descrever como "candidato presidencial moderno menos transparente da história moderna" naquela campanha. Pela mesma questão, seu primeiro ano de governo levantou "preocupações significativas" entre analistas da Sunlight Foundation.

Decisões como a de quinta-feira, portanto, que permitem revelar um fato que é de interesse público sem comprometer a segurança nacional, vão ao encontro do desejo do republicano de combater essa reputação que se perpetuou em seu primeiro governo.

"Trump encontrou uma maneira de vender o seu governo como transparente e, ao mesmo tempo, acabou escolhendo a dedo revelar documentos que hoje não possuem grande impacto", diz o historiador, que acredita que os documentos não trarão grandes surpresas.

"Ele faz isso em uma posição um tanto de segurança. Ele sabe que, no atual estágio da revelação dos documentos que estão faltando com relação a estes assassinatos, ele também sabe que aquilo que será revelado... não adiciona grandes surpresas ao que já se sabe", avalia.

Entenda o decreto de Trump

No início da década de 1990, o governo federal determinou que todos os documentos relacionados a assassinatos fossem armazenados em uma única coleção no National Archives and Records Administration. A coleção de mais de 5 milhões de registros deveria ser aberta até 2017, exceto quaisquer isenções designadas pelo presidente.

"Mais de 50 anos após os assassinatos do Presidente John F. Kennedy, do Senador Robert F. Kennedy e do Reverendo Dr. Martin Luther King Jr., o Governo Federal não divulgou ao público todos os seus registros relacionados a esses eventos. Suas famílias e o povo americano merecem transparência e verdade. É do interesse nacional finalmente divulgar todos os registros relacionados a esses assassinatos sem demora", diz o documento assinado por Trump.

A ordem orienta o diretor de inteligência nacional e o procurador-geral a desenvolver um plano dentro de 15 dias para liberar os registros restantes de John F. Kennedy, e dentro de 45 dias para os outros dois casos. Não estava claro quando os registros seriam realmente liberados.

Ainda há alguns documentos na coleção de JFK que pesquisadores não acreditam que o presidente será capaz de divulgar. Cerca de 500 documentos, incluindo declarações de imposto de renda, não estavam sujeitos ao requisito de divulgação de 2017, segundo a Associated Press. E alguns deles podem ter se perdido pelo caminho.

"Ainda há muito que não sabemos e possivelmente nunca saberemos, devido em parte aos documentos que foram destruídos, bem como aqueles indivíduos que poderiam nos contar mais agora estão mortos", diz Sabato.

Pesquisadores acreditam que "aproximadamente" 3.000 registros ainda não foram divulgados, no todo ou em parte.

"A pergunta mais frequente é: 'Oswald era o assassino solitário ou um bode expiatório (como ele alegou)?'. Acredito que provavelmente nunca saberemos a resposta", diz Sabato.

Em outra categoria

Três dos quatro ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) votaram pelo recebimento da denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Eduardo Tagliaferro, que foi assessor de Alexandre de Moraes no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Com isso, será aberta uma ação penal e ele será transformado em réu.

Ele foi acusado de agir contra a legitimidade do processo eleitoral e atuar para prejudicar as investigações de atos como os de 8 de janeiro de 2023. Tagliaferro está na Itália. O governo brasileiro já iniciou um processo de extradição contra ele.

A votação começou no plenário virtual na sexta-feira, 7, e deve ser oficialmente encerrada na próxima sexta-feira, 14. Votaram até agora Alexandre de Moraes, Flávio Dino e Cristiano Zanin. Falta o voto de Cármen Lúcia.

O ex-assessor responderá por quatro crimes: revelar ou facilitar a divulgação de um fato que o servidor público tem conhecimento em razão do seu cargo e que deve permanecer secreto; coação no curso de processo judicial; tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito; e tentar impedir ou dificultar investigação contra organização criminosa.

"A participação do denunciado manifestou-se de forma engendrada com a organização criminosa que atuava com o objetivo de praticar golpe de Estado, reforçando a campanha de deslegitimação das instituições mediante vazamento de informações sigilosas e criação de ambiente de intimidação institucional", escreveu Moraes no voto.

Após instaurada a ação penal, as investigações serão aprofundadas, com a produção de provas e o depoimento do acusado, de testemunhas de defesa e de testemunhas de acusação. Ao fim das apurações, a Primeira Turma vai realizar o julgamento final, que pode ser pela condenação ou absolvição do réu.

A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro disse no sábado, 8, que o Congresso Nacional está "de joelhos em frente ao Supremo Tribunal Federal" e que o Judiciário governa o País. Ela também defendeu o nome do marido, Jair Bolsonaro, como "única opção" para 2026, ignorando o fato de ele estar inelegível.

"A gente tem visto um Congresso de joelhos em frente ao STF, isso é uma tristeza para a gente, porque, hoje, só quem governa é o Judiciário", disse Michelle em um evento do PL Mulher em Londrina (PR). "Os nossos deputados aprovam leis e se não tiver em concordância, eles anulam", concluiu.

No dia anterior, a defesa de Jair Bolsonaro saiu derrotada do julgamento de um recurso à condenação do ex-presidente por tentativa de golpe de Estado. Ele deve começar a cumprir a pena de 27 anos e três meses de prisão ainda neste ano.

Herança política de Bolsonaro ainda indefinida

Michelle está cotada para ser candidata a presidente da República em 2026, mas Bolsonaro ainda não bateu o martelo sobre quem será seu herdeiro político. Dentro da família, Michelle sofre a concorrência do senador Flávio Bolsonaro, um dos filhos do ex-presidente.

Com a disputa interna da direita indefinida, a ex-primeira-dama preferiu dizer que "a única opção para presidente da República da direita chama-se Jair Messias Bolsonaro". Ela disse que, se isso não acontecer, será "o verdadeiro golpe que o Judiciário está dando no povo de bem, no povo brasileiro".

No mesmo evento, Michelle disse que o marido "tem vivido dias muito difíceis". Segundo ela, Bolsonaro sofre de soluços desde que passou pela última cirurgia. "Ele chega a exaustão, ele tem vários problemas de saúde decorrente dessa última cirurgia, por ele não ter tido tempo para se recuperar, paz de espírito para se recuperar, um ambiente favorável", afirmou.

Apesar dos lamentos, Michelle demonstrou no discurso esperança com dias melhores. "Um abismo foi puxando o outro. Ele tem vivido dias muito difíceis, tendo todos os seus direitos violados. Mas essa injustiça vai acabar, eu creio", declarou.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse neste domingo, 9, que "a ameaça de uso da força militar voltou a fazer parte do cotidiano da América Latina e Caribe", em um sinal indireto às ameaças promovidas pelo governo dos Estados Unidos contra a Venezuela. Ele afirmou que "democracias não combatem o crime violando o direito internacional".

O governo de Donald Trump tem usado como pretexto para intensificar sua presença militar no Caribe o combate ao narcotráfico. Nos últimos meses, destruiu barcos que trafegavam pela região alegando que se tratava de embarcações de traficantes. Os tripulantes foram mortos.

O discurso de Lula foi feito na Cúpula Celac-União Europeia em Santa Marta, na Colômbia. O presidente brasileiro disse que a América Latina é uma "região de paz" e pretende continuar assim.

"A ameaça de uso da força militar voltou a fazer parte do cotidiano da América Latina e Caribe. Velhas manobras retóricas são recicladas para justificar intervenções ilegais. Somos região de paz e queremos permanecer em paz. Democracias não combatem o crime violando o direito internacional", declarou.

Segundo Lula, a "democracia também sucumbe quando o crime corrompe as instituições, esvaziam espaços públicos e destroem famílias e desestruturam negócios". O presidente brasileiro disse que garantir "segurança é dever do Estado e direito humano fundamental" e que "não existe solução mágica para acabar com a criminalidade". O presidente defendeu "reprimir o crime organizado e suas lideranças, estrangulando seu financiamento e rastreando e eliminando o tráfico de armas".

Lula citou a última reunião da cúpula Celac-União Europeia, há dois anos, em Bruxelas. Disse que, naquela época, "vivíamos um momento de relançamento dessa histórica parceria", mas, "deste então, experimentamos situações de retrocessos".

O petista criticou a falta de integração entre os países latinoamericanos. Afirmou que "voltamos a ser uma reunião dividida" e com ameaças envolvendo o "extremismo político".

"A América Latina e o Caribe vivem uma profunda crise em seu projeto de integração. Voltamos a ser uma região dividida, mais voltada para fora do que para si própria. A intolerância cria força e vem impedindo que diferentes pontos de vista possam se sentar na mesma mesa. Voltamos a viver com a ameaça do extremismo político, da manipulação da informação e do crime organizado. Projetos pessoais de apego ao poder muitas vezes solapam a democracia", afirmou.

Em seu discurso, Lula também citou a realização da COP30, em Belém, e mencionou o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês). Disse que o fundo "é solução inovadora para que nossas florestas valham mais em pé do que derrubadas" e que a "transição energética é inevitável".

O petista também lamentou o tornado que atingiu a cidade de Rio Bonito do Iguaçu, no Paraná, e manifestou suas condolências às vítimas da tragédia climática dos últimos dias.