O advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, divulgou neste domingo, 16, um texto com críticas ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A mensagem, redigida no formato de carta aberta, foi enviada a ministros e aliados do presidente.
Ao Estadão, Kakay confirmou a autoria e o envio do texto. A carta critica a gestão federal e diz que o petista "não faz política" em seu terceiro mandato presidencial, distinguindo-se do modo como dirigiu o Executivo federal entre 2003 e 2010.
"Alguns políticos me confidenciaram que não conseguem falar com o presidente. É outro Lula que está governando", diz trecho da carta. "O Lula do terceiro mandato, por circunstâncias diversas, políticas e principalmente pessoais, é outro. Não faz política. Está isolado. Capturado."
Kakay é um membro ativo do Prerrogativas, grupo formado por juristas, advogados e acadêmicos de Direito de orientação progressista. O "Prerrô", como é conhecido, se notabilizou pelas críticas à Operação Lava Jato e pela atuação judicial contra a prisão em segunda instância. Ao Estadão, o coordenador do Prerrogativas, Marco Aurélio de Carvalho, afirmou que a carta reflete uma "posição pessoal" de Kakay e que o grupo mantém "apoio incondicional" à gestão Lula.
O texto ressalta o papel de Lula na formação de uma "frente ampla" de oposição a Jair Bolsonaro (PL) em 2022. "Só o Lula conseguiria unir e fazer este amplo arco para derrotar Bolsonaro", afirma Kakay. Por outro lado, segundo o advogado, a condução do governo é negativa e prejudica as perspectivas dos opositores de Jair Bolsonaro na próxima eleição presidencial.
"Sem termos o Lula que conhecíamos como presidente e sem ele ter um grupo que ele tinha ao seu redor, corremos o risco do que parecia impossível: perdermos as eleições em 2026", disse Kakay, avaliando o quadro como "muito preocupante".
O texto de Kakay foi redigido dois dias depois da divulgação de uma pesquisa de avaliação de governo realizada pelo Datafolha, que aponta para o pior cenário de avaliação a Lula em seus três mandatos presidenciais. Segundo o levantamento divulgado na sexta-feira, 14, a aprovação ao governo caiu 11 pontos porcentuais em dois meses, indo a 24%, enquanto a reprovação é de 41%.
Para o advogado, porém, a pesquisa de maior relevância ao quadro político é a divulgada pelo Ipec no sábado, 15, que aponta que 62% dos brasileiros não querem que Lula concorra à reeleição no próximo pleito. O índice, segundo o criminalista, preocupa diante da inexistência de um "sucessor natural" de Lula.
"Não foi feito um grupo ao redor do presidente, que se identifique com ele e de onde sairia o sucessor político natural", aponta o advogado.
"Fico olhando o quadro e torcendo para o crescimento de uma direita civilizada. Com a condenação do Bolsonaro e a prisão, que pode se dar até setembro, nos resta torcer para uma direita centrista."
Como mostrou o Estadão, nomes associados ao "Prerrô" ganharam espaço no governo Lula, com ao menos 28 nomeações de quadros ligados ao grupo. Após a publicação, o Prerrogativas divulgou uma nota qualificando a reportagem como uma tentativa "reducionista" de "queimar o grupo".
Veja a íntegra da carta divulgada por Kakay
Lula, a esperança da democracia.
"Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro", Clarice Lispector.
Lula ganhou 3 vezes e elegeu Dilma como sua sucessora. À época elegeria o qualquer de seus Ministros pois era imbatível.
Certa vez, conversando com um senador do PT, ele me disse que tinha um ano tentava uma audiência com a Presidenta Dilma. Ela não fazia política. Sofreu impeachment.
Um dia no Governo Lula um Senador da oposição me liga as 11 hs da manhã e reclama que tinha assumido há 15 dias - era suplente - e que não havia sido recebido pelo Zé Dirceu, chefe da Casa Civil. Liguei para o Zé . As 12.30 a gente estava almoçando no Palácio do Planalto. O Zé - de longe o mais preparado dos Ministros - deu um show discorrendo sobre o Estado de origem do Senador, que saiu de lá com o número do celular do Zé e completamente encantado.
Neste atual governo Lula fez o que de melhor podia ao enfrentar Bolsonaro e ganhar do fascismo impedindo que tivéssemos mais 4 anos de Bolsonaro. Seria o fim da democracia. Seriam destruídas de maneira irrecuperável tudo que foi construído nos governos democráticos, não só do PT. O fascismo acaba com tudo. Este o maior legado do Lula. Para tanto foi necessário, senão não teríamos ganhado, fazer uma aliança ampla demais. Só o Lula conseguiria unir e fazer este amplo arco para derrotar Bolsonaro. Aqui em casa, no dia da diplomação, 12 de dezembro, determinado político se aproximou em um momento em que Lula e eu conversávamos, colocou amistosamente a mão no meu ombro e fez uma brincadeira. Ao sair da roda o Lula me falou baixinho, rindo :" este jamais será meu Ministro, e acha que vai ser." Dia 1º de janeiro ele assumiu como Ministro. Este o brilhantismo do Lula neste momento difícil. Não fosse sua maturidade não teríamos tido chance de vencer o fascismo. Por isto cometo aqui certa indelicadeza de comentar este fato: para ressaltar a maturidade do Presidente Lula.
Mas o Lula do 3º mandato , por circunstâncias diversas, políticas e principalmente pessoais, é outro. Não faz política. Está isolado. Capturado. Não tem ao seu lado pessoas com capacidade de falar o que ele teria que ouvir. Não recebe mais os velhos amigos políticos e perdeu o que tinha de melhor: sua inigualável capacidade de seduzir, de ouvir, de olhar a cena política.
Outro dia alguns políticos me confidenciaram que não conseguem falar com o Presidente. É outro Lula que está governando.
Com a extrema direita crescendo no mundo e , evidentemente aqui no Brasil, o quadro é muito preocupante. Sem termos o Lula que conhecíamos como Presidente e sem ele ter um grupo que ele tinha ao seu redor, corremos o risco do que parecia impossível: perdermos as eleições em 2026. Bolsonaro só perdeu porque era um inepto. Tivesse ouvido o Ciro Nogueira e vacinado, ou ficado calado sem ofender as pessoas, teria ganho com a quantidade de dinheiro que gastou. Perder uma reeleição é muito difícil, mas o Lula está se esforçando muito para perder. E não duvidem dele, ele vai conseguir.
Claro que as circunstâncias estão favoráveis ao projeto de perder as eleições. Não dou tanto importância para estas pesquisas feitas o tempo todo. Mas prestei atenção nesta que indica que 62% não querem que Lula seja candidato a reeleição. A pergunta é : quem é seu sucessor natural? Não foi feito um grupo ao redor do Presidente, que se identifique com ele e de onde sairia o sucessor político natural, o " grupo" do Lula a gente sabe quem é. E certamente não vai tirá-lo do isolamento. Ele hoje é um político preso à memória do seu passado. E isolado. Quero acreditar na capacidade de se reencontrar. Quem se refez depois de 580 dias preso injustamente, pode quase tudo . E nós temos o Haddad, o mais fenomenal político desta geração em termos de preparo. Um gênio. Preparado e pronto para assumir seu papel.
Já fico olhando o quadro e torcendo para o crescimento de uma direita civilizada. Com a condenação do Bolsonaro e a prisão, que pode se dar até setembro, nos resta torcer para uma direita centrista, que afaste o fascismo.
Que Deus se apiede de nós!
É necessário lembrar o mestre Torquato Neto no Poema do Aviso Final:
"É preciso que haja algum respeito , ao menos um esboço ou a dignidade humana se afirmará a machadada."