Lula rejeita enviar soldados e critica Trump pela exclusão da Ucrânia de negociações

Internacional
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva rejeitou nesta quarta-feira, dia 19, a possibilidade de o Brasil enviar militares para manutenção de eventual acordo de paz para encerrar a guerra na Ucrânia.

Lula criticou a exclusão de europeus e ucranianos dos diálogos diretos com a Rússia, conduzidos pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

O presidente também ventilou novamente a ideia de que a guerra poderia ter sido encerrada por meio de uma consulta pública - a sugestão agora foi uma "pesquisa de opinião".

O envolvimento de forças militares do Brasil e da China teria sido sugerido, segundo a revista The Economist, pela diplomacia dos Estados Unidos, em conversas reservadas com líderes europeus que estudam solução similar.

A França e o Reino Unido exploraram a possibilidade de envio de tropas com outros países europeus. Milhares de soldados internacionais seriam deslocados para a linha de contato no campo de batalha, a fim de criar uma zona tampão entre as forças armadas russas e ucranianas.

"O Brasil não enviará tropa. O Brasil só mandará missão de paz. Para negociar a paz o Brasil está disposto a fazer qualquer coisa. O Brasil não mudará de posição. Quando os dois países quiserem sentar para conversar sobre paz, nós estaremos na mesa de negociação se assim interessar aos países. Fora disso, o Brasil continuar daqui a muitos quilômetros de distância longe da Rússia e da Ucrânia, defendendo a paz", afirmou Lula, ao lado do primeiro-ministro de Portugal, Luís Montenegro, no Palácio do Planalto.

Questionado por jornalistas, o premiê português também rechaçou envolvimento direto de forças do país e afirmou que a discussão sobre como a operação de paz seria conduzida no campo de batalha, a partir de um acordo futuro, está fora de hora.

Montenegro defendeu que o diálogo sobre a paz deve envolver, obrigatoriamente, os dois lados em guerra - Rússia e Ucrânia -, assim como a Europa. Ele reiterou a defesa da integridade territorial ucraniana.

"É a melhor maneira de projetar a paz para os próximos anos. Não me parece que seja viável uma paz à força, é de certa maneira contraditório com o princípio", disse Montenegro. "Nunca defendemos intervenção militar da Europa com tropas no terreno. Mas devo dizer que nesta ocasião, em que aquilo que temos diante de nós é a possibilidade de um processo de paz, não devemos começar pelo fim, pela forma como ele depois pode ser operacionalizado, mesmo que isso implique qualquer movimentação de forças armadas. É extemporânea essa questão."

Conselheiros do presidente Lula relataram ao Estadão que a discussão sobre tropas brasileiras não foi realizada diretamente com o governo. No entanto, Lula conversou por telefone na véspera com o presidente francês, Emmanuel Macron, que há meses cogita o envio de tropas e lidera um esforço de suporte à Ucrânia, após a volta de Trump.

Segundo um assessor diplomático de Lula, no telefonema ficou claro que os franceses passaram a defender uma posição de negociação já adotada pelo País - a de quem tanto Volodmir Zelenski quanto Vladimir Putin devem estar representados na mesa. Macron pediu ajuda diplomática ao Brasil.

"Acho que o papel do Trump de negociar sem querer ouvir a União Europeia é ruim, é muito ruim, porque a União Europeia se envolveu nessa guerra com muita força e agora não pode ficar de fora da negociação", disse Lula. "Se o Trump estiver jogando de verdade e quiser a paz ela pode conseguir. Acho que a China pode ser um parceiro importante, a Índia pode ser um, o Brasil pode contribuir.

Lula lembrou que barrou a exportação de viaturas blindadas e munição solicitadas ao Brasil pela Ucrânia e pela Alemanha, mesmo diante de apelos pessoais do chanceler alemão Olaf Scholz.

O presidente disse ter conversado com líderes globais sobre a guerra - inclusive Putin e Zelenski - e criticou que durante os dois primeiros anos da guerra havia uma exclusão dos russos e somente um dos lados, os ucranianos, era convidado para as discussões.

"Cansávamos de dizer não tem paz se não chamar os dois. Não tem paz só de um lado", afirmou o petista.

Lula reiterou que tem pregado o envolvimento de ambos os lados desde o ano passado, quando o Brasil assinou uma proposta de negociação ao lado da China. Elogiado pelos russos, o protocolo sino-brasileiro para atingir um cessar-fogo foi rejeitado pelos ucranianos, por não condenar a invasão, tampouco exigir a sua retirada imediata.

"Me parece que as pessoas não deram muita importância ao protocolo", afirmou o petista. "Agora o Trump ganha as eleições e começa a conversar com o Putin, e agora a preocupação de algumas pessoas é que o Trump tem que chamar o Zelenski para a mesa de negociação porque só o Putin está negociando. Eu também acho errado. Tem que chamar os dois, colocar na mesa de negociação e encontrar um denominador comum que possa reestabelecer a paz."

Pesquisa de opinião

Lula também voltou a dizer que a guerra poderia ter sido encerrada por meio de uma consulta direta à população dos territórios invadidos pela Rússia. No ano passado, o petista foi criticado por sugerir um referendo nos territórios ocupados - a tese dele era que a votação determinaria se o povo gostaria de ser integrado à Rússia ou permanecer parte da Ucrânia. A proposta foi vista como forma de legitimar uma anexação pela força.

"Eu disse durante muito tempo que ela poderia ter sido resolvida com uma pesquisa de opinião pública. Poderia a ONU ter contratado uma pesquisa e ter peguntado para o povo: você é russo ou ucraniano? E aí acatava o resultado da pesquisa e estava resolvido. Mas a relação humana não é assim", afirmou Lula.

Em setembro de 2022, referendos sobre a anexação à Rússia, patrocinados por forças políticas locais pró-Moscou, foram realizados em quatro regiões ucranianas: Donetsk e Luhansk, províncias separatistas no Donbas, além de Kherson e Zaporizhzia. Kiev e países ocidentais não reconheceram o resultado da votação em áreas ocupadas militarmente, por estarem em desacordo com a lei ucraniana. Putin, por sua vez, assinou decretos ratificando a anexação dessas regiões a seu território.

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O X (antigo Twitter) acumula R$ 36,7 milhões em multas pelo descumprimento de ordens judiciais expedidas pela Justiça do Brasil. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou ao nesta quinta-feira, 20, o pagamento "imediato" de uma multa de R$ 8,1 milhões pela negativa do X em fornecer os dados de uma conta do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos.

O valor solicitado nesta quinta se soma aos R$ 28,6 milhões pagos pelo X em outubro de 2024. Naquele momento, o site de Elon Musk se encontrava banido do território nacional, uma vez que, após ser instado a indicar seus representantes legais no País, não o fez, e também pelo não pagamento das dívidas com a Justiça O pagamento da multa foi acompanhado da indicação do representante da empresa.

Dos R$ 28,6 milhões em multas, R$ 18,3 milhões eram relativos ao descumprimento de decisões do STF para a suspensão de perfis investigados por desinformação, discurso de ódio e ataques às instituições.

Também houve multa de R$ 10 milhões pelo descumprimento da decisão que bloqueou a plataforma no Brasil. Nos dias 19 e 23 de setembro de 2024, quando o bloqueio ainda estava vigente, o X utilizou uma técnica conhecida como "IPs dinâmicos" para voltar a funcionar temporariamente para alguns usuários do Brasil. Também houve multa de R$ 300 mil para a empresa por dificultar o recebimento das notificações legais.

Os R$ 28,6 milhões, num primeiro momento, foram depositados numa conta incorreta. Após notificação do STF, situação foi regularizada pela empresa.

O bloqueio do X no Brasil ocorreu em 30 de agosto do ano passado Moraes e Elon Musk vinham travando um embate público desde o mês de abril. O magistrado incluiu o magnata no inquérito das milícias digitais por "dolosa instrumentalização" do antigo Twitter, enquanto Musk alegava que não cumpriria "ordens ilegais" da Justiça do Brasil e acusava o ministro de ser um "ditador" por "cercear" a liberdade de expressão dos usuários do X.

Musk se queixou das decisões expedidas pela Justiça do Brasil, mas acatou decisões similares de países como Índia e Turquia.

Além da multa aplicada pelo STF nesta quinta, Allan dos Santos é pivô da ação que a plataforma de vídeos Rumble move contra Alexandre de Moraes na Justiça dos Estados Unidos. A plataforma acionou o Judiciário em conjunto com a empresa Trump Media, ligada ao presidente Donald Trump. As autoras do pedido alegam que Moraes violou a soberania americana ao ordenar a suspensão do perfil do blogueiro.

No País, a Rumble não cumpriu uma ordem de bloqueio da conta de Allan dos Santos, e Moraes deu 48 horas para que a empresa indique um representante legal no Brasil. Do contrário, a rede pode voltar a sair do ar no território nacional.

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira, 20, que os municípios brasileiros têm competência para instituir que as guardas civis municipais atuem em ações de segurança urbana. Na prática, a corporação pode atuar de forma semelhante à Polícia Militar, realizando policiamento ostensivo, patrulhamento e buscas pessoais (revista a suspeitos).

O voto do relator, ministro Luiz Fux, foi acompanhado pela maioria da Corte. A tese define que as guardas municipais podem exercer ações de segurança urbana, desde que não realizem atividades de investigação criminal. A atuação fica limitada às instalações municipais, em cooperação com os demais órgãos de segurança pública e sob a fiscalização do Ministério Público.

O tema foi julgado com repercussão geral, o que significa que a decisão pode ser aplicada a casos semelhantes em todas as instâncias da Justiça. Há 53 ações pendentes sobre a temática na Corte, segundo o STF, que devem ter a tramitação liberada após o julgamento desta quinta. A determinação abre também espaço para a validação de provas obtidas por agentes municipais em atuação ostensiva, como revistas ou denúncias anônimas seguidas de busca, que eram motivo de questionamentos no Judiciário.

O recurso extraordinário que provocou a discussão sobre as atribuição das guardas municipais questionava uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). O entendimento derrubou uma lei municipal que concedia à Guarda Civil Metropolitana (GCM) o poder de fazer policiamento preventivo e comunitário e prisões em flagrante.

Para o TJ-SP, o Legislativo municipal havia invadido a competência do Estado ao legislar sobre segurança pública. A decisão seguia o entendimento de que a guarda municipal não estaria prevista pela Constituição como um órgão de segurança pública. Por isso, a sua atuação deveria visar vigilância e proteção de bens, serviços e instalações do município, como escolas e unidades de saúde.

De acordo com o voto do relator, Fux, a conclusão de que o município deveria necessariamente ordenar a proteção de seu patrimônio é descabida. Ele ressaltou que atribuir o policiamento preventivo comunitário às guardas municipais pode ajudar municípios a combaterem a insegurança e a criminalidade.

O ministro Alexandre de Moraes avaliou em seu voto que a guarda civil costuma ser confundida com uma guarda patrimonial. "A guarda patrimonial é, na maioria dos municípios, terceirizada. São contratados. Não podemos afastar nenhum dos entes federativos no combate à violência", afirmou, seguindo o voto de Fux. O relator também foi acompanhado por Dias Toffoli, Flávio Dino, André Mendonça, Nunes Marques, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo. Cármen Lúcia não estava na sessão.

Os ministros Cristiano Zanin e Edson Fachin se opuseram ao entendimento. Zanin ressaltou que o papel da corporação municipal deveria ficar limitado à proteção de bens, serviços ou instalações, e não ser igualado ao das Polícias Civil e Militar.

"Não podemos eximir a PM, que tem o papel do policiamento ostensivo, de fazer essa diligência. Se há um problema de falta de efetivo, temos de resolver dentro do que a Constituição prevê, e não dando aos guardas uma atribuição que a Constituição não dá", defendeu.

A ONG Transparência Internacional classificou a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli sobre a anulação das ações contra o ex-ministro Antônio Palocci como "mais um passo do desmonte do enfrentamento à macrocorrupção no Brasil". Segundo a organização, a decisão abala a confiança na Corte brasileira.

"As anulações sistemáticas de condenações por macrocorrupção abalam, fortemente, a confiança da sociedade no STF", criticou a organização em nota.

A Transparência Brasil relembrou ainda a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por tentativa de golpe de Estado. Segundo a ONG, a decisão tem como agravante o fato de ocorrer justamente quando a Suprema Corte deverá julgar o antigo mandatário, o que exigirá "sua máxima legitimidade".

Na última quarta-feira, 19, Toffoli declarou a "nulidade absoluta de todos os atos praticados" contra o ex-ministro nas investigações e ações da Lava Jato, inclusive na fase pré-processual, estendendo a Palocci decisões que beneficiaram o presidente Lula.

A ONG criticou as decisões de alguns dos ministros do STF, bem como o que chamou de "omissão" de outros, por garantir "impunidade generalizada de corruptos poderosos" que, segundo a organização, representam uma "ameaça real ao Estado democrático de direito" no País.

O ministro Dias Toffoli foi criticado pelas anulações que para a organização beneficiam centenas de réus, inclusive confessos, como é o caso de Palocci. Toffoli estendeu ao ex-ministro das gestões Lula e Dilma (PT) decisões que beneficiaram o presidente petista, os empresários Marcelo Odebrecht Raul Schmidt Felippe Júnior e Léo Pinheiro e o ex-governador paranaense Beto Richa (PSDB).

O ministro afirmou que o "método" usado pelo ex-juiz Sérgio Moro e pelos procuradores da força-tarefa de Curitiba prejudicaram Palocci. "Fica clara a mistura da função de acusação com a de julgar, corroendo-se as bases do processo penal democrático".

Palocci fechou acordo de colaboração premiada e delatou propinas de R$ 333,59 milhões supostamente arrecadadas e repassadas por empresas, bancos e indústrias a políticos e diferentes partidos.