A Groenlândia vai às urnas nesta terça-feira, 10, para renovar o seu Parlamento. Se fosse antes do retorno de Donald Trump à Casa Branca, poucas pessoas fora da ilha prestariam atenção ao pleito. Agora, contudo, o território autônomo da Dinamarca entrou na mira dos Estados Unidos - e de sua política externa cada vez mais agressiva.
Com reservas de terras raras e localização estratégica, a ilha tem atraído a cobiça das grandes potências enquanto a sua população anseia por independência. Nesse cenário, o resulto das eleições na Groenlândia pode ter impactos que vão além do Ártico.
Enquanto os cerca de 44 mil eleitores da Groenlândia se preparavam para votar, Trump escreveu que os Estados Unidos apoiam o seu direito de determinar o próprio futuro. E prometeu: "Continuaremos a mantê-los seguros, como temos feito desde a Segunda Guerra Mundial. Estamos prontos para investir bilhões de dólares para criar novos empregos e fazer você ficar rico. E, se você quiser, damos as boas-vindas a você para fazer parte da maior nação do mundo, os Estados Unidos da América!"
Durante o seu primeiro governo, Trump sugeriu que poderia comprar a Groenlândia da Dinamarca, um aliado histórico dos Estados Unidos. De volta à Casa Branca, ele insiste na ideia de controlar o território ártico - como fez também com a Faixa de Gaza, o Canal do Panamá e até mesmo com o Canadá, que ameaça anexar aos Estados Unidos. E não descarta usar a força militar para conseguir o que quer.
Em discurso ao Congresso americano, Donald Trump se dirigiu diretamente ao "povo incrível da Groenlândia" e disse que os Estados Unidos precisam da ilha para a segurança nacional e internacional. "Realmente precisamos dela para a segurança global e acho que vamos obtê-la. Vamos obtê-la de um jeito ou de outro", declarou.
Acontece que a Groenlândia não quer fazer parte dos Estados Unidos. Pelo menos foi isso que mostrou uma pesquisa recente da consultoria Verian: 85% dos entrevistados responderam que são contra deixar o Reino da Dinamarca para se juntar aos EUA. Apenas 6% disseram que são a favor e 9% não souberam responder.
Defensor da independência da Groenlândia, o primeiro-ministro Mute Egede tem insistido que a ilha deve decidir o próprio futuro e cobrou respeito de Donald Trump às vésperas da eleição. "Merecemos ser tratados com respeito, e não acho que o presidente dos EUA tenha feito isso recentemente", disse à emissora pública dinamarquesa DR.
A maioria na Groenlândia (56%, segundo a pesquisa Verian) é a favor da independência, que assumiu papel central nas eleições. A posição, inflamada pelos ressentimentos com a Dinamarca pelo passado de colonização, é refletida pelos principais partidos que disputam o Parlamento.
O Inuit Ataqatigiit (Comunidade do Povo), do primeiro-ministro Mute Egede, e o seu companheiro de coalizão Siumut (Avante) prometeram convocar um referendo pela independência da ilha, sem dizer quando fariam.
No campo da oposição, o proeminente partido pró-independência Naleraq quer negociar o divórcio com a Dinamarca e sinalizou a disposição para fortalecer os laços com os Estados Unidos uma vez que a ilha estivesse livre de Copenhague. Para o líder do partido Juno Berthelsen, o interesse de Donald Trump fortalece a posição da Groenlândia na busca por emancipação.
A Dinamarca reconheceu o direito da Groenlândia à independência na lei que ampliou a autonomia da ilha, em 2009. A grande questão é quando e como. Com a economia baseada na pesca, o território depende do subsídio anual de US$ 500 milhões que recebe de Copenhague - e corresponde a metade do seu orçamento - para manter o estado de bem-estar social no estilo dos países nórdicos. Isso inclui assistência médica e educação gratuitas.
Na mesma pesquisa em que 56% responderam que votariam "sim" pela independência se o referendo fosse realizado hoje, 45% disseram que não querem o divórcio da Dinamarca se isso for afetar negativamente a qualidade de vida na ilha.
Ainda assim, há o sentimento anticolonial, intensificado pelas revelações de maus-tratos de autoridades dinamarqueses contra os indígenas inuits, da Groenlândia. No seu discurso de Ano Novo, o primeiro-ministro Mute Egede defendeu que o território deve se liberar "das amarras do colonialismo".
Na última eleição, a Groenlândia chegou a debater se a exploração das terras raras seria a saída para diversificar a sua economia e a garantir a independência da Dinamarca. Mas venceu a preocupação com o impacto ambiental, que impulsionou o Inuit Ataqatigiit, partido de Mute Egede à vitória.
Afinal, por que os EUA querem a Groenlândia?
São esses recursos escondidos sob o gelo do ártico que despertaram o interesse de grandes potências em um dos territórios mais remotos e intocados do planeta. As terras raras são minerais usados para fazer de computadores e celulares a baterias e tecnologias necessárias para a transição energética. Hoje, é a China quem domina essa produção.
Além das terras raras, o Serviço Geológico dos Estados Unidos identificou potenciais depósitos offshore de petróleo e gás natural na Groenlândia.
Se os recursos são parte da explicação para o interesse de potências como Estados Unidos, China e Rússia no território dinamarquês, as mudanças climáticas respondem o por que agora. O derretimento do gelo está expondo as riquezas minerais da Groenlândia e abrindo a Passagem Noroeste pelo Ártico.
A ilha tem uma localização estratégica, ao longo e duas possíveis rotas pelo Ártico, que poderiam reduzir o tempo de navegação entre o Atlântico Norte e o Pacífico, evitando os gargalos dos canais de Suez e Panamá.
Essas rotas ainda não são viáveis comercialmente, mas chamam atenção e reacenderam a competição envolvendo Estados Unidos, Rússia e China pelo acesso aos recursos minerais da região. Pequim tem interesse em construir uma Rota da Seda Polar, que seria parte do mega projeto de infraestrutura do Cinturão e Rota, e alarmou Washington.
A posição da Groenlândia, na costa nordeste do Canadá, também tem sido estratégica para a defesa da América do Norte desde a 2ª Guerra, quando os EUA ocuparam o território. Desde então os americanos, mantém instalações militares na ilha, incluindo a Base Espacial de Pituffik, que oferece suporte para alertas de mísseis, defesa antimísseis e operações de vigilância espacial para os Estados Unidos e a Otan. (Com agências internacionais).
Groenlândia vai às urnas nesta terça-feira
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