El Salvador nega a solicitação dos EUA para devolver migrante deportado por engano

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Donald Trump se reuniu nesta segunda-feira, 14, com o presidente de El Salvador, Nayib Bukele, na Casa Branca. O encontro ocorreu no momento em que o governo americano luta contra decisões judiciais que pedem a volta de Kilmar Abrego García, um salvadorenho que vivia legalmente nos EUA, sem ficha criminal, e foi deportado por engano, encarcerado em uma prisão de segurança máxima.

 

Apesar de o próprio governo americano ter admitido que errou, Bukele afirmou ontem que não devolveria García. "É claro que não vou fazer isso", disse o presidente salvadorenho. "Eu deveria contrabandear um terrorista para os EUA? Eu não tenho esse poder."

 

A recusa de Bukele facilita a vida de Trump, que vinha ignorando determinações judiciais para trazê-lo de volta. García é casado com uma americana, pai de uma criança de 5 anos com autismo e ajuda a criar outras duas, de 10 e de 9 anos, também com necessidades especiais.

 

Limbo jurídico

 

Agora, García vive em um limbo jurídico. Trump afirma que não tem como repatriá-lo, porque ele é salvadorenho e está em El Salvador. Bukele alega que seria ilegal mandá-lo de volta. Enquanto isso, ele permanece na prisão, sem acusação formal ou condenação judicial.

 

O caso de García, ironicamente, reflete o que se tornou El Salvador após Bukele impor uma política de repressão ao crime que lhe rendeu a fama de xerife da América Latina. Em 2015, o país chegou a ter 105 homicídios por cada 100 mil habitantes - a taxa mais alta do mundo. A praga da violência começava nas prisões, dominadas por gangues - as mais famosas são as rivais Barrio 18 e Mara Salvatrucha (MS-13).

 

Desemprego e pobreza eram o combustível para as facções, deixando os jovens salvadorenhos com poucas opções: ser recrutado pelo crime ou migrar para os EUA, caminho escolhido por García, que acabou em uma cadeia de El Salvador do mesmo jeito.

 

Bukele assumiu em 2019 com a promessa de resolver na marra o problema da violência. Além do estado de emergência, que suspendeu alguns direitos constitucionais, declarado em 2022, o presidente construiu o Centro de Confinamento do Terrorismo (Cecot), com capacidade para 40 mil detentos, inaugurado em janeiro de 2023 - para onde García foi enviado.

 

A seguir, veio uma repressão brutal, com as forças de segurança capturando dezenas de milhares de suspeitos em uma campanha implacável. A velocidade e a escala das prisões dizimaram as gangues, mas causaram alguns efeitos colaterais: muitos salvadorenhos, especialmente jovens, que não tinham relação com o crime, acabaram no Cecot.

 

Abusos

 

Ao todo, 75 mil prisões foram executadas durante os dois anos do estado de exceção. Cerca de 7 mil pessoas foram libertadas por falta de provas - muitos inocentes, no entanto, permanecem atrás das grades, segundo denúncias de parentes e defensores dos direitos civis.

 

O presídio, a joia da coroa de Bukele, é conhecido como "buraco negro dos direitos humanos", onde os presos se acotovelam em 0,6 metro quadrado de espaço em média (quase seis vezes menos que o padrão internacional da Cruz Vermelha). ONGs, ativistas e até magistrados salvadorenhos denunciam o tratamento degradante como uma forma de tortura.

 

Queda

 

Assim, as taxas de homicídio em El Salvador despencaram, atingindo 1,9 por cada 100 mil habitantes, em 2024 - um índice mais baixo que o dos EUA (5,7), igual ao do Canadá e um pouco mais alto que o da França (1,3).

 

Bukele foi reeleito com 84% dos votos, em 2024, e sua imagem se tornou referência para outros líderes latino-americanos - de esquerda ou de direita - que tentam replicar sua política de segurança pública, entre eles Daniel Noboa, reeleito no domingo, 13, presidente do Equador.

 

Em agosto de 2024, no entanto, a revista Foreign Affairs mostrou outras estratégias usadas por Bukele para reduzir os índices de violência, a principal delas é parar de contar os mortos. O governo salvadorenho estaria subestimando os homicídios em pelo menos 47%, segundo a reportagem.

 

O indiciamento de membros da MS-13 nos EUA revelou também que as gangues intensificaram a prática de enterrar os corpos de vítimas em valas comuns e, a partir de 2021, o governo salvadorenho passou a excluir essas covas coletivas da contagem oficial. Desde 2021, segundo a ONG Transparência Internacional, 171 valas comuns foram descobertas e não entraram nos números do governo.

 

Outra tática começou em abril de 2022, quando autoridades de El Salvador passaram a excluir da contagem oficial os mortos em confrontos com as forças de segurança, incluindo tiroteios e operações especiais. A polícia salvadorenha classifica esses incidentes como "intervenções legais", que não se enquadrariam na categoria de homicídio doloso.

 

Cooperação

 

Desde a volta de Trump à Casa Branca, Bukele se tornou uma válvula de escape para o governo americano. Foi o único líder da região que aceitou imediatamente os deportados e firmou um acordo para receber US$ 6 milhões em troca de mais de 200 venezuelanos, que seriam supostamente membros de uma gangue conhecida como Tren de Aragua.

 

Na visita de ontem ao Salão Oval, Bukele foi em socorro de Trump. Ele elogiou a política anti-imigrante dos EUA, criticou a participação de atletas transgêneros em esportes femininos e garantiu que no seu governo ninguém havia sido contratado com base na diversidade.

 

O presidente americano respondeu, afirmando que está aberto à ideia de enviar cidadãos americanos condenados por crimes violentos para a prisão em El Salvador, medida que também enfrentaria muitos obstáculos legais nos EUA. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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A Câmara dos Deputados aprovou, nesta terça-feira, 16, em primeiro turno, a proposta de emenda à Constituição que ganhou o nome de PEC da Blindagem por dificultar a responsabilização de parlamentares. O texto exige autorização prévia do Congresso para que o Supremo Tribunal Federal (STF) processe criminalmente deputados e senadores.

A PEC ainda prevê que Câmara ou Senado Federal podem barrar esses processos em votação secreta. A votação secreta também se estende ao aval de uma das Casas no caso da prisão de um congressista. Foram 353 votos sim e 134 não. Eram necessários 308 votos para aprovação. A maioria da oposição votou a favor da proposta. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva liberou sua bancada para votar como quiser e no PT 12 deputados apoiaram a PEC.

A Constituição diz que parlamentares só podem ser presos em caso de crime inafiançável. São crimes inafiançáveis no Brasil racismo, tortura, tráfico ilícito de entorpecentes, terrorismo, crimes hediondos (homicídio qualificado, latrocínio, extorsão mediante sequestro, estupro, estupro de vulnerável, feminicídio e epidemia com resultado morte), e a ação de grupos armados contra a ordem constitucional. Agora, deputados votam mais uma vez o texto em segundo turno. Após isso, a matéria vai para o Senado.

A PEC foi pra votação após uma troca na relatoria. O anterior relator, Lafayette de Andrada (Republicanos-MG), era contrário a algumas das propostas apresentadas pelo Centrão. No lugar entrou Cláudio Cajado (PP-BA), que disse que o texto é "simples e conciso" e sem "licença para abusos".

A Câmara ensaiou votar essa proposta ao longo do mês de março. Depois do motim de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que interrompeu os trabalhos no plenário da Casa, oposicionistas se reuniram com lideranças do Centrão para estabelecer um acordo de votação da anistia e do fim do foro privilegiado - caciques Centrão também apresentaram apoio à PEC da Blindagem.

Bolsonaristas sinalizam que, como parte do acordo para votar a PEC nesta terça-feira, a Câmara terá de colocar na pauta a anistia aos envolvidos no 8 de Janeiro. A PEC da Blindagem tem amplo apoio do Centrão, e bolsonaristas manifestaram endosso crítico. "O que nós queríamos com esse resgate das nossas prerrogativas é que o Parlamento fosse respeitado e que fosse colocado na PEC que nossas palavras e opiniões, em qualquer meio, não podem ser violados. É um texto muito aquém. Mas pelo menos já nos garante minimamente as nossas prerrogativas", afirmou Bia Kicis (PL-DF).

Já Zé Trovão mencionou que é contrário a pontos da PEC, como o voto secreto, mas entende que aprovar essa proposição nesta terça-feira é o aval que precisa para se cumprir o acordo e votar a urgência (aceleração da tramitação) da anistia aos envolvidos nos atos golpistas de 8 de Janeiro. "O que está sendo votado hoje está sendo votado para amanhã ser votada a anistia. Eu não concordo com o que está sendo votado agora. Voto secreto jamais eu vou aceitar. Agora, fica o recado que amanhã esta Casa vote a anistia", afirmou.

O governo é contra a PEC. "Respeitar cada instituição é fazermos a pauta que interessa ao Brasil. Ao Brasil não interessa a anistia, ao Brasil interessa modificar a legislação sobre o Imposto de Renda", disse Maria do Rosário (PT-RS).

Antes da votação, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), disse, sem mencionar o STF, que a PEC é efeito de uma reação a "abusos" cometidos contra colegas. "Diante de muitas discussões, de atropelos, de abusos que aconteceram contra colegas nossos em várias oportunidades, a Câmara tem hoje a oportunidade tem hoje a oportunidade de dizer se quer retomar esse texto constitucional ou não", disse.

Caso aprovada pelo Congresso Nacional, a expectativa é que a PEC da Blindagem novamente imponha uma barreira para o STF julgar deputados e senadores. A licença prévia era um mecanismo disposto na Constituição de 1988, posteriormente retirada após a aprovação de uma PEC em 2001, após pressão popular.

O Estadão mostrou em agosto que Câmara e Senado barraram pelo menos 224 pedidos de licença prévia feitos pelo STF para processar criminalmente congressistas até 2001, ano em que mudou a regra para dispensar a consulta ao Legislativo. Nenhum pedido da Corte avançou. Desses episódios, a reportagem identificou 15 pedidos derrubados na Câmara e nove no Senado.

Segundo Cajado, o relator, a mudança de 2001 acabou "por inferiorizar a posição institucional das Casas Legislativas e por fragilizar o exercício do mandato eletivo". "Concluímos ser necessário, nesse momento, voltar a garantir aos congressistas, no exercício do mandato e em função dele, plena liberdade, como forma de preservar o Poder Legislativo e os princípios da separação dos Poderes e da soberania popular e, portanto, a própria democracia", afirmou Cajado. Ainda, segundo ele, só será possível o pleno exercício das atividades parlamentares "se o Congresso Nacional estiver munido das devidas prerrogativas".

Veja as mudanças da PEC e como era o texto da Constituição:

Inviolabilidade

Como é: Deputados e Senadores são invioláveis por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.

Com a PEC: Os parlamentares continuam invioláveis, mas a responsabilização passa a ser exclusivamente ética e disciplinar, por procedimento incompatível com o decoro parlamentar. Ou seja, suas manifestações não poderiam ser alvo de ações civis ou penais.

Foro privilegiado

Como é: Após a diplomação, deputados e senadores são julgados pelo Supremo em qualquer crime.

Com a PEC: Com o texto proposto, essa prerrogativa só ocorrerá nos "processos relativos a atos praticados no exercício do mandato ou em razão dele". Ou seja, outros tipos de crimes pessoais ou anteriores ao mandato devem ser julgados inicialmente por instâncias inferiores.

A proposta ainda prevê que os presidentes dos partidos políticos também sejam beneficiados com o foro privilegiado no caso de infrações penais comuns. A regra atualmente já vale para, além dos parlamentares, o presidente da República e seu vice, para o procurador-geral da República e ministros.

Prisão de parlamentares

Como é: Deputados e senadores só podem ser presos em flagrante de crime inafiançável, como racismo, por exemplo. Nesse caso, a prisão deve ser comunicada à respectiva Casa, e os colegas decidem em até 24 horas se mantêm ou não a prisão.

Com a PEC: A regra da prisão em flagrante continua valendo, mas especifica que precisa ser crime inafiançável "que, por sua natureza, seja insuscetível de fiança na forma da lei", restringindo ainda mais essa possibilidade.

O novo texto também determina que, em caso de prisão em flagrante, o parlamentar deverá ser levado imediatamente e mantido sob custódia da Casa a qual pertence, até que o plenário delibere e se pronuncie.

Sobre a deliberação, o novo texto propõe que o voto para que seja mantida ou suspensa a prisão do parlamentar seja secreto e por maioria. O mesmo deverá ser feito para a "formação da culpa", ou seja, eventual prosseguimento de ação penal contra o parlamentar.

Processos criminais

Como é: A regra atual não fala nada sobre a possibilidade dos parlamentares não responderem a processos criminais. Essa licença prévia da Casa para que eles fossem processados existia na Constituição, mas foi suprimida com o texto de 2001.

Com a PEC: A licença volta parcialmente. A autorização dos colegas para que deputado ou senador seja processado deverá ser deliberada também por votação secreta da maioria dos membros, em até 90 dias a contar do recebimento da ordem emitida pelo STF. Se a licença for negada, o processo fica suspenso enquanto durar o mandato.

Pesquisa Genial/Quaest divulgada nesta terça-feira, 16, aponta que a possibilidade de anistia é reprovada por 41% dos eleitores brasileiros. Outros 36% são favoráveis à medida para todos, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL); 10% defendem a medida, mas apenas para os manifestantes do 8 de Janeiro; 13% não souberam ou não responderam.

É a primeira pesquisa sobre o tema após Bolsonaro ser condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na trama golpista. A Quaest entrevistou 2.004 pessoas com 16 anos ou mais entre os dias 12 e 14 de setembro. A margem de erro é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos e o nível de confiança é de 95%.

A rejeição à anistia é maior entre a esquerda não lulista (73%) do que entre os eleitores que se identificam como lulistas (58%). Já o apoio à proposta que inclua Bolsonaro é similar entre bolsonaristas (62%) e a direita não bolsonarista (61%).

A anistia é a prioridade no Congresso Nacional da oposição formada por aliados de Bolsonaro, condenado a 27 anos e 3 meses de prisão na trama golpista. Após semanas de pressão, o líder da Oposição na Câmara, Luciano Zucco (PL-RS), disse nesta terça que houve acordo para que o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), coloque a urgência do projeto em votação na quarta-feira, 17.

Ainda não está claro qual será o texto levado à votação. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), defende proposta de revisar e diminuir as penas das pessoas que estiveram nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Já os bolsonaristas querem o que chamam de anistia "ampla, geral e irrestrita". A medida representaria o perdão judicial total a Bolsonaro, aos demais condenados na trama golpista e aos condenados pelo 8 de Janeiro.

"Não existe anistia meia-bomba! Só aceitaremos anistia ampla, geral, irrestrita e imediata! Anistia já", publicou o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) no X nesta terça, ao comentar a possível votação de um texto alternativo.

A Câmara dos Deputados aprovou por 346 votos a 122, o encerramento da discussão da chamada "PEC da Blindagem", que restringe as possibilidades de investigação dos parlamentares, com a exigência de que a Casa Legislativa ao qual pertence tenha que autorizar a abertura de processos contra eles. Antes, por 324 votos a 137, os parlamentares já tinham derrubado um requerimento para retirar o tema da pauta. Os deputados realizam neste momento a votação em 1º turno. São necessários 308 para aprovar o texto, o que indica que a proposta tende a receber o aval da Casa Legislativa.

Relator da PEC da Blindagem na Câmara dos Deputados, Cláudio Cajado (PP-BA) afirmou que a necessidade de autorização do Congresso Nacional para a abertura de processos contra parlamentares "é o modelo mais equilibrado, equânime e democrático" para preservar o Legislativo.As declarações ocorreram durante a leitura de seu parecer no plenário da Câmara, nesta terça-feira, 16. O deputado disse que o pleno exercício das atividades parlamentares só será possível se o Congresso tiver as devidas prerrogativas".

"Concluímos ser necessário, neste momento, voltar às garantias aos congressistas no exercício do mandato e em função dele", declarou. "Plena liberdade como forma de preservar o Legislativo e o princípio da separação dos Poderes e a soberania popular, e portanto, a própria democracia", acrescentou.

Entre as medidas anunciadas, está a necessidade de licença da Casa, por meio de votação secreta, para uma ordem de prisão ou de abertura de processo contra um parlamentar. A apreciação deve ocorrer em até 90 dias após a determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), que permanece como o foro especial para os congressistas. Além disso, se o Congresso indeferir a licença, haverá suspensão da prescrição enquanto durar o mandato, o que o relator considera um "compromisso em evitar a blindagem de quem quer que seja".

Cajado incluiu ainda os presidentes de partidos com representação no Congresso na lista de autoridades com direito ao foro no STF. Segundo o deputado, o projeto não trata de "privilégios individuais". Ele afirmou ainda ter absorvido alguns dispositivos que haviam sido propostos pelo indicado anterior à relatoria, Lafayette de Andrada (Republicanos-MG).