O que se sabe sobre os arquivos que os EUA divulgaram sobre o assassinato de Martin Luther King

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Registros federais relacionados à investigação do assassinato do reverendo Martin Luther King Jr., em 1968, foram divulgados nesta segunda-feira, 21, após a liberação em março de milhares de documentos sobre a morte do então presidente americano John F. Kennedy, em 1963.

Em janeiro deste ano, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ordenou a divulgação de milhares de documentos governamentais confidenciais sobre o assassinato de JFK, ao mesmo tempo em que decidiu desclassificar registros federais relacionados às mortes do senador de Nova York Robert F. Kennedy e de King há mais de cinco décadas.

Trump ordenou que a diretora de Inteligência Nacional Tulsi Gabbard e a procuradora-geral Pam Bondi coordenassem com outros funcionários do governo a análise dos registros relacionados aos assassinatos de RFK e King e apresentassem um plano ao presidente para sua "liberação completa". Cerca de 10 mil páginas de registros sobre o assassinato de RFK foram liberadas em 18 de abril.

Mais tarde, os advogados do Departamento de Justiça solicitaram a um juiz federal que encerrasse uma ordem de lacre dos registros quase dois anos antes da data de expiração. A Conferência de Liderança Cristã do Sul, liderada por King, se opõe à divulgação de qualquer um dos registros por motivos de privacidade. Os advogados da organização disseram que os parentes de King também queriam manter os arquivos em sigilo.

Acadêmicos, entusiastas da história e jornalistas têm se preparado para estudar os documentos a fim de encontrar novas informações sobre o assassinato do líder dos direitos civis em 4 de abril de 1968, em Memphis, no Tennessee.

A declaração da família King, divulgada após a ordem de Trump em janeiro, dizia que eles esperavam ter a oportunidade de analisar os arquivos como uma família antes de sua divulgação pública. A família de King, incluindo seus dois filhos vivos, Martin III e Bernice, foi avisada com antecedência sobre a divulgação e teve suas próprias equipes analisando os registros antes da revelação pública.

Em uma declaração divulgada nesta segunda-feira, os filhos de King chamaram o caso de seu pai de "curiosidade pública cativante por décadas". Mas eles também enfatizaram a natureza pessoal do assunto e pediram que "esses arquivos devem ser vistos dentro de seu contexto histórico completo".

"Pedimos àqueles que se envolverem com a divulgação desses arquivos que o façam com empatia, moderação e respeito pela dor contínua de nossa família", diz a declaração. Veja a seguir o que sabemos sobre o assassinato e o que os acadêmicos disseram antes da divulgação dos documentos.

Como foi o assassinato?

King estava na varanda do Lorraine Motel, em Memphis, indo jantar com alguns amigos, quando foi baleado e morto. Ele estava na cidade para apoiar uma greve de trabalhadores do setor de saneamento que protestava contra as más condições de trabalho e os baixos salários.

Na noite anterior ao assassinato, King proferiu o famoso discurso "Mountaintop" em uma noite tempestuosa no Mason Temple, em Memphis. Uma marcha anterior na Beale Street havia se tornado violenta, e ele retornou a Memphis para liderar outra marcha como uma expressão de protesto não violento.

O americano também estava planejando a Campanha das Pessoas Pobres para se manifestar contra a injustiça econômica.

A investigação do FBI

Após uma longa caça ao homem, James Earl Ray foi capturado em Londres, na Inglaterra, e se declarou culpado pelo assassinato de King. Mais tarde, ele renunciou a essa declaração e manteve sua inocência até sua morte em 1998.

Documentos do FBI divulgados ao longo dos anos mostram como o departamento grampeou as linhas telefônicas de King, colocou escutas em seus quartos de hotel e usou informantes para obter informações contra ele.

"Ele foi alvo implacável de uma campanha de desinformação e vigilância invasiva, predatória e profundamente perturbadora", diz a declaração da família King.

Membros da família de King - e outros - questionaram se Ray agiu sozinho ou se ele sequer estava envolvido. A viúva do reverendo, Coretta Scott King, solicitou a reabertura da investigação e, em 1998, a então procuradora-geral Janet Reno instruiu a Divisão de Direitos Civis do Departamento de Justiça dos EUA a fazer isso.

O Departamento de Justiça disse que "não encontrou nada que perturbasse a determinação judicial de 1969 de que James Earl Ray assassinou King".

Dexter King, um dos filhos de King, encontrou-se com Ray na prisão em 1997, dizendo depois que acreditava nas alegações de inocência de Ray. Dexter King morreu em 2024.

Com o apoio da família de King, um julgamento civil no tribunal estadual foi realizado em Memphis em 1999 contra Loyd Jowers, um homem que supostamente sabia de uma conspiração para assassinar King. Dezenas de testemunhas depuseram e um júri de Memphis concluiu que Jowers e outras pessoas não identificadas, incluindo agências governamentais, participaram de uma conspiração para assassinar o americano.

O que o público verá nos documentos recém-liberados?

Não está claro o que os registros realmente mostrarão.

Os estudiosos de King, por exemplo, gostariam de ver quais informações o FBI estava discutindo e circulando como parte de sua investigação, disse Ryan Jones, diretor de história, interpretação e serviços de curadoria do Museu Nacional dos Direitos Civis em Memphis.

"Isso é fundamental, pois o público americano, naquela época, não sabia que o FBI envolvido na investigação estava liderando uma campanha de difamação para desacreditar o mesmo homem enquanto ele estava vivo", disse Jones. "Era o mesmo departamento que estava recebendo avisos de tentativas de assassinato contra King e os ignorou."

Os acadêmicos que estudaram o homem também gostariam de ver informações sobre a vigilância do FBI sobre King, inclusive até que ponto eles foram para obter detalhes sobre sua vida pessoal, rastreá-lo e tentar desacreditá-lo como antiamericano, disse Lerone A. Martin, diretor do Instituto de Pesquisa e Educação Martin Luther King Jr. da Universidade de Stanford.

No entanto, Martin disse que não espera que os documentos tenham uma "arma fumegante que finalmente dirá: 'Veja, isso é 100% de evidência de que o FBI estava envolvido nesse assassinato'".

"Temos que ver esses documentos com um olhar de suspeita por causa da extensão que o FBI estava disposto a fazer para tentar desacreditá-lo", disse Martin.

Por que agora?

A ordem de Trump sobre a liberação dos registros diz que é de "interesse nacional" liberar os registros. "Suas famílias e o povo americano merecem transparência e verdade", dizia a ordem.

No entanto, o momento da liberação levou ao ceticismo de alguns observadores. Jones questionou por que o público americano não teve acesso a esses documentos muito antes. "Por que eles foram lacrados com base na segurança nacional, se o assassino estava na prisão fora de Nashville?", disse ele.

Jones disse que há estudiosos que acham que a liberação dos registros é um "golpe de relações públicas" de um governo presidencial que está "reescrevendo e omitindo os avanços de algumas pessoas que estão ligadas a outras de cor ou diversidade".

O Pentágono tem sido questionado por legisladores e cidadãos sobre a remoção de heróis militares e menções históricas dos sites do Departamento de Defesa e das páginas de mídia social depois de ter eliminado o conteúdo on-line que promovia mulheres ou minorias. Em resposta, o departamento restaurou algumas dessas postagens.

Martin disse que a motivação de Trump poderia ser parte de um esforço para lançar dúvidas sobre as instituições governamentais. "Pode ser uma oportunidade para o governo Trump dizer: 'Veja, o FBI é maligno, eu tenho tentado lhe dizer isso. É por isso que coloquei [o diretor do FBI] Kash Patel no cargo, porque ele está limpando o Deep State'", disse Martin.

Outro fator poderia ser os dois atentados contra a vida de Trump quando ele estava fazendo campanha para um segundo mandato presidencial e o desejo de "expor a história mais ampla dos assassinatos nos EUA", disse Brian Kwoba, professor associado de história da Universidade de Memphis.

"Dito isso, ainda é um pouco confuso, porque não está claro por que qualquer presidente dos EUA, inclusive Trump, iria querer abrir arquivos que poderiam ser prejudiciais aos EUA e à sua imagem, tanto no seu território quanto no exterior", disse ele.

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O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) André Mendonça pediu nesta segunda-feira, 10, informações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre a possibilidade de indicar uma mulher negra para a vaga deixada pelo ministro Luís Roberto Barroso na Corte.

Mendonça é o relator de um mandado de segurança apresentado pela Rede Feminista de Juristas, que pede uma liminar obrigando o presidente a nomear uma mulher para a vaga na Suprema Corte.

No despacho, o ministro determinou que a Advocacia-Geral da União (AGU) seja notificada e se manifeste sobre o pedido. A ação sustenta que a escolha de Lula deve considerar a realidade social brasileira, lembrando que advogadas negras representam a maioria da advocacia no País, mas nunca houve uma ministra negra no STF.

"Compreende-se a priorização de mulheres negras para o assento em razão da sumária e histórica exclusão. (...) Mulheres negras, que são um segmento populacional considerável no Brasil, estão totalmente excluídas, ou seja, não possuem nenhuma representação neste espaço; daí a prioridade máxima na indicação de uma mulher negra, para encerrar o quadro grave de exclusão", diz trecho da petição.

O mandado é assinado pelas advogadas Luana Cecília dos Santos Altran, Raphaela Reis de Oliveira, Juliana de Almeida Valente, Cláudia Patrícia de Luna Silva e Maria das Graças Pereira de Mello.

O documento também observa que os nomes cotados para a vaga são todos homens, entre eles, o atual advogado-geral da União, Jorge Messias, dado como indicação certa para a cadeira na Corte.

As autoras da ação afirmam ainda que, em 134 anos de história, o STF teve apenas três mulheres entre mais de 170 ministros, e nenhuma delas era negra. Atualmente, a única ministra que compõe a Corte é Cármen Lúcia.

O texto também cita que, quando a ministra Rosa Weber se aposentou, em setembro de 2023, o presidente Lula escolheu o então ministro da Justiça, Flávio Dino, para ocupar a vaga.

"É direito de todas as mulheres, negras e não negras, diretamente afetadas por este ato, exigir o cumprimento de leis de proteção a seus direitos humanos fundamentais e demandar uma sociedade que não trate tais direitos como mera decoração sem qualquer utilidade", afirma outro trecho do mandado.

A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) divulgou nesta terça-feira, 11, uma nota pública em que pede mais discussão sobre o projeto de lei antifacção, cujo relatório está sendo elaborado pelo deputado Guilherme Derrite (PP-SP). As alterações de Derrite no texto, de autoria do governo Lula, têm gerado atrito com integrantes do Executivo, da Polícia Federal e da Receita Federal. A previsão é que a proposta seja votada nesta quarta-feira, 12.

Na nota, a ANPR afirma reconhecer "a importância e a urgência do debate" sobre o projeto e destaca que a retomada de territórios dominados por facções é "uma tarefa inadiável". A entidade adverte, no entanto, que a pressa na tramitação pode comprometer a qualidade do texto.

"A celeridade desejada na tramitação de um projeto dessa relevância não pode se confundir com açodamento. A aprovação de um texto sem a devida maturação técnica pode produzir efeitos contrários aos seus próprios objetivos, gerando insegurança jurídica e desorganização no sistema de persecução penal", diz o documento.

A associação de procuradores ressalta que o combate ao crime organizado deve ser baseado em "medidas eficazes, duradouras e juridicamente consistentes - e não respostas reativas ou de natureza simbólica".

A organização defende que o Ministério Público Federal, "titular da ação penal pública e responsável por parcela central do enfrentamento à macrocriminalidade", seja incluído no debate, e se coloca à disposição do relator para "contribuir na construção de um texto coeso, harmônico e eficaz".

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou o texto do projeto antifacção em 31 de outubro, em meio à repercussão da megaoperação policial que deixou 121 mortos no Rio de Janeiro. Ele foi, então, enviado ao Congresso.

Na semana seguinte, Derrite se afastou do comando da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, reassumindo temporariamente sua vaga como parlamentar e sendo designado como relator da proposta pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).

O substitutivo elaborado pelo relator desagradou a Polícia Federal ao sugerir que a corporação só poderia atuar em crimes considerados de competência da segurança pública estadual se isso fosse solicitado pelos governadores.

O deputado alterou o trecho para sugerir que a PF participe das investigações em caráter "integrativo" com a polícia estadual. Essa participação pode ocorrer por solicitação do delegado de polícia estadual ou do Ministério Público estadual, ou por iniciativa própria da PF, mediante comunicação às autoridades estaduais.

O líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), afirmou na segunda-feira, 10, que "em vez de fortalecer o combate ao crime organizado, o relator faz o oposto: tira poder da PF, protege redes de lavagem e impede a cooperação direta entre polícias, na contramão do que foi proposto na PEC da Segurança".

Conforme mostrou a coluna de Marcelo Godoy no Estadão, o promotor Lincoln Gakiya, que investiga a o Primeiro Comando da Capital (PCC) e está jurado de morte pela facção, afirmou que o texto pode excluir não só a PF, mas também o Ministério Público, afetando investigações contra o crime organizado.

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli e André Mendonça, protagonizaram uma discussão durante uma sessão da Segunda Turma da Corte, realizada nesta terça-feira, 11.

O episódio ocorreu durante o julgamento da Reclamação Constitucional referente a um processo de 2005, em que um juiz processou um procurador da República por supostos "ataques feitos em entrevistas à imprensa e em sua vida pessoal".

A discussão girava em torno de quem deveria arcar com a indenização tendo como possibilidade o próprio procurador ou o Ministério Público Federal (MPF).

Anteriormente, o Supremo já havia firmado o entendimento conhecido como Tema 940, que estabelece que, quando um agente público (como um juiz, promotor ou servidor) causa algum dano no exercício de suas funções, a ação de indenização deve ser movida contra o Estado (União, estado ou município), e não diretamente contra o servidor.

No caso mencionado, o STF determinou que o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) julgasse a ação seguindo a regra do Tema 940.

No entanto, o MPF alegou que o TRF-2 não cumpriu a determinação do Supremo, ou seja, não aplicou o Tema 940 ao julgar o caso. Por isso, o MPF recorreu novamente ao STF para reclamar do descumprimento da decisão anterior.

Durante o julgamento, André Mendonça iniciou o seu voto apresentando um resumo do caso, mas ao ouvir as considerações o ministro Toffoli decidiu contestá-las.

Toffoli defendeu que o entendimento do TRF-2 estava correto e votou pela negação do pedido do MPF. "Cria-se um precedente muito ruim para todos os servidores públicos do país. Se ele agiu fora da competência funcional, ele responde diretamente", afirmou Toffoli.

Mendonça rebateu, afirmando que à época era comum esse tipo de conduta por parte de membros do Ministério Público. "Naquele momento ainda era corrente esse tipo de conduta - conceder entrevistas no curso das operações ou em relação à própria atuação em ações judiciais", disse Mendonça.

Diante disso, Toffoli retrucou novamente: "Com a devida vênia a Vossa Excelência, nós estamos aqui abrindo um precedente perigoso", alertou Toffoli. "Não acho", respondeu Mendonça.

A discussão durou cerca de dois minutos, e Mendonça acompanhou o voto divergente do ministro Edson Fachin.