Promotores derrubam gangue da Venezuela que aterrorizava o Chile

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Os membros da gangue venezuelana registravam até suas compras mais insignificantes com caneta azul: US$ 15 por um Uber de um traficante de drogas; US$ 9 por café instantâneo durante um turno de vigília; US$ 34 por suprimentos para limpar câmaras de tortura. As planilhas meticulosas apreendidas durante operações policiais na cidade de Arica, norte do Chile, e compartilhadas com a Associated Press, sugerem a estrutura contábil de uma multinacional.

Elas constituem a documentação mais abrangente até o momento sobre o funcionamento do Tren de Aragua, a notória organização designada por Donald Trump como um "grupo terrorista estrangeiro". Uma investigação de promotores chilenos, que resultou em pesadas sentenças para 34 pessoas em março e o envio de dez líderes do Tren de Aragua para a prisão por um total de 300 anos este mês, contrasta com as deportações em massa de membros acusados por Trump de participar da gangue.

Enquanto os apoiadores do presidente americano comemoram as expulsões, investigadores veem oportunidades perdidas de reunir evidências para erradicar a rede criminosa que ganhou impulso na região, à medida que a migração da Venezuela aumentou e a demanda global por cocaína se espalha.

"Os EUA estão cortando a ponta do iceberg", disse Daniel Brunner, presidente da empresa de segurança Brunner Sierra Group e ex-agente do FBI. "Eles não estão olhando como o grupo opera."

As máfias transnacionais alimentaram uma onda de crimes em países que antes eram pacíficos, como o Chile, e consolidaram o poder em outros, como Honduras e Peru. Os grupos se infiltraram nas burocracias estatais, paralisaram as forças da lei e comprometeram a estabilidade regional. O avanço coloca à prova as democracias da América Latina. "Não se trata da corrupção típica envolvendo dinheiro em envelopes", disse o ex-ministro do Interior peruano Ruben Vargas. "São criminosos exercendo poder dentro do sistema político."

O Chile, uma das nações mais seguras e ricas da América Latina, está entre as menos corruptas, segundo a ONG Transparência Internacional, o que dá às autoridades uma vantagem na luta contra esse tipo de crime organizado.

Mas, sem experiência, o país foi pego de surpresa quando sequestros, esquartejamentos e outros crimes hediondos transformaram a sociedade. Agora, especialistas apontam Arica como um exemplo nos esforços para combater a gangue.

Falso modelo

Enquanto alguns veem a repressão do presidente de El Salvador, Nayib Bukele, como modelo, críticos veem um estado policial autoritário que ignorou o devido processo legal. "Processos criminais, inteligência financeira, proteção de testemunhas e cooperação com outros países, é isso o que desmantela redes criminosas", disse Pablo Zeballos, consultor de segurança chileno e ex-oficial de inteligência.

Usando documentos do Tren de Aragua, recuperados pela primeira vez em 2022, o promotor Bruno Hernández e sua equipe levaram um número sem precedentes de membros da gangue a julgamento e desmantelaram a ramificação da gangue no norte do Chile, conhecida como Los Gallegos.

"Foi um marco", disse o promotor Mario Carrera, na favela de Cerro Chuño, em Arica, reduto da gangue. "Até então, eles agiam com impunidade."

O Tren de Aragua entrou no norte chileno em 2021, depois que a pandemia fechou as fronteiras, e incentivou os venezuelanos a recorrerem a contrabandistas para fugir da crise em direção a Peru, Colômbia e Chile.

Héctor Guerrero Flores - líder do Tren de Aragua apelidado de "Niño Guerrero" - enviou gerentes para assumir as redes de "coiotes" que conduziam cargas humanas através das fronteiras desérticas do Chile. "Era um território virgem", disse Ronna Rísquez, autora de um livro sobre o grupo.

O Tren de Aragua se estabeleceu em Cerro Chuño, antigo depósito de resíduos tóxicos nos arredores de Arica, onde migrantes venezuelanos se amontoam em casebres. Moradores disseram que os membros da gangue cobravam taxas de "proteção" dos donos de lojas e usavam violência contra aqueles que não pagavam. "Vivíamos com medo", disse Saida Huanca, de 38 anos, lembrando como Los Gallegos extorquiram um colega e enviaram um homem armado com uma faca para cobrar pedágios nas estradas. "Eu não saía de casa."

A gangue aterrorizava concorrentes e traidores. Documentos descrevem desertores amarrados tomando choques elétricos e dedos cortados em câmaras de tortura.

Chamadas interceptadas em 2022 mostram um rival em pânico com a chegada do Tren de Aragua. "Para onde eu devo fugir, cara?", pode-se ouvir o chefão chileno Marco Iguazo perguntar. Corpos foram encontrados baleados, desmembrados e enfiados em malas. Muitos foram enterrados vivos sob cimento. "Era uma psicose total", disse Carrera, que relatou aumento de 215% nos homicídios em Arica entre 2019 e 2022.

Silêncio

No mês passado, na sede da polícia de Arica, a AP observou Hernández tentando persuadir Wilmer López, de 23 anos, a falar. Ele permaneceu em silêncio, com os olhos fixos em seu tênis Nike. Como regra, os membros não colaboram com as investigações. Sem testemunhos, o principal recurso de Hernández foram os registros contábeis.

Eles revelaram uma burocracia rígida e centralizada que concedia autonomia às células locais. "Tivemos de provar não apenas que eles cometeram crimes, mas que havia uma estrutura e um padrão", disse a policial Esperanza Amor, da equipe de Hernández. "Caso contrário, eles teriam sido julgados como criminosos comuns."

Os documentos mostraram que o contrabando de imigrantes e o tráfico sexual eram a principal fonte de renda da gangue. Embora o preço por cliente variasse de acordo com a cidade - US$ 60 em Arica, mais de US$ 100 na capital Santiago -, cada célula replicava a mesma estrutura. A gangue confiscava metade dos ganhos das mulheres e, em seguida, deduzia o aluguel e a alimentação, uma forma de servidão por dívida.

Planilhas mostravam que os coordenadores regionais ganhavam até US$ 1.200 por mês. Os assassinos, US$ 1.000 por trabalho, além de proteção para parentes na Venezuela. A maioria dos agentes recebia bônus de Natal de US$ 200.

Sinais

Os investigadores cruzaram mensagens com vigilância por drones para decifrar o uso de emojis. Alguns eram autoexplicativos - uma cobra significava um traidor. Outros, nem tanto: um osso significava dívida; um abacaxi, um esconderijo; uma nuvem de chuva alertava sobre uma batida policial. Com os réus sob custódia, a violência diminuiu: a taxa de homicídios em Arica caiu de 17 por 100 mil habitantes, em 2022, para 9,9 por 100 mil, no ano passado.

Depois que os promotores conseguiram 34 condenações, as autoridades deram mais atenção ao caso. Investigações semelhantes se espalharam. Carrera foi aos EUA compartilhar informações com o FBI. "A unidade fez algo que nunca havia sido feito no Chile e obteve resultados", disse Ignacio Castillo, diretor de crime organizado do Ministério Público.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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A senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS) foi vaiada durante um show da banda Roupa Nova em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul. A senadora usou o microfone durante um momento em que a banda abriu espaço para perguntas da plateia na sexta-feira, 1º.

"Está tudo certo, a gente vive numa democracia", reagiu Soraya, que é ex-aliada do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e relatou a CPI das Bets do Senado. A senadora do Mato Grosso do Sul candidatou-se à Presidência em 2022 pelo União Brasil. Obteve a 5ª colocação no pleito, com 600.955 votos.

O grupo musical se manifestou sobre o episódio por meio de uma nota oficial. No comunicado, a banda esclareceu que não sabia que a senadora faria uso do microfone.

"Reforçamos que o episódio não representa, de forma alguma, um posicionamento político da banda ou de um integrante isolado", disse a banda. "Esperamos sinceramente esse momento isolado não prejudique a conexão sincera que construímos com milhões de fãs ao longo dos anos, nem nos leve a rever o formato do show."

Em nota, Soraya lamentou o episódio. "A senadora lamenta que a polarização política tenha alcançado até espaços de cultura e lazer, onde deveria prevalecer o respeito mútuo. Reitera que estava ali como cidadã, fã da banda, e não em exercício de seu mandato", afirmou o gabinete da parlamentar, em nota.

O ato em favor de Jair Bolsonaro (PL) na Avenida Paulista neste domingo, 3, reverteu a tendência de queda de público registrada em manifestações anteriores, mas teve um trio elétrico esvaziado em relação aos outros protestos de apoiadores do ex-presidente realizados na capital paulista.

A principal ausência foi a do próprio Bolsonaro, alvo de medidas cautelares desde 18 de julho, entre as quais um recolhimento domiciliar aos finais de semana. Nenhum dos presidenciáveis da direita foi ao ato, denominado "Reaja, Brasil", o que rendeu críticas no principal discurso da tarde, do pastor Silas Malafaia, organizador do protesto.

Sem citar nomes, Malafaia criticou a ausência dos que pleiteiam herdar o espólio eleitoral do ex-presidente nas eleições presidenciais do ano que vem. "Cadê aqueles que dizem ser a opção no lugar de Bolsonaro? Onde eles estão? Era para estarem aqui!", disse o pastor. "Isso prova que Bolsonaro é insubstituível! Vão enganar trouxa! E eu não sou trouxa. Estão com medo do STF, né? Por isso não vieram. Arrumaram desculpa, né? Por isso, minha gente, 2026 é Bolsonaro", disse Malafaia. Bolsonaro acumula duas penas de inelegibilidade do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e não pode concorrer a cargos públicos até 2030.

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), informou na quinta-feira, 31 de julho, que faltaria ao ato devido a um procedimento médico. Tarcísio é o político de direita melhor colocado nas pesquisas de intenção de voto, embora despiste uma candidatura ao Palácio do Planalto. Os governadores Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais, Ronaldo Caiado (União Brasil), de Goiás, e Ratinho Júnior (PSD), do Paraná, também não compareceram ao ato na Avenida Paulista.

O governador Cláudio Castro (PL), do Rio de Janeiro, participou do ato bolsonarista na orla de Copacabana, mas não seguiu para o protesto em São Paulo, assim como o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o filho "01" do ex-presidente". Castro pretende disputar o Senado e não se coloca como pré-candidato ao Planalto.

A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro participou do ato bolsonarista de Belém (PA), onde cumpria uma agenda do PL Mulher, e não foi a São Paulo.

Deputados federais bolsonaristas discursaram no ato da Avenida Paulista, como Paulo Bilynskyj (PL), Marco Feliciano (PL) e Rosana Valle (PL), os três eleitos por São Paulo. Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) também discursou. O mineiro Nikolas Ferreira (PL), o parlamentar com mais seguidores nas redes sociais, participou do ato pró-Bolsonaro em Belo Horizonte pela manhã e, de tarde, esteve em São Paulo. Durante seu discurso, Nikolas colocou Jair Bolsonaro na linha.

Deputados da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) também estiveram presentes, como Paulo Mansur (PL), Conte Lopes (PL), Lucas Bove (PL), Tomé Abduch (Republicanos) e Capitão Telhada (PP). Embora tenha ido subido no trio elétrico, Telhada não discursou.

Aliados de Jair Bolsonaro na política paulistana também foram ao ato, como os vereadores Lucas Pavanato (PL) e Zoe Martínez (PL), além do próprio prefeito da capital paulista, Ricardo Nunes (MDB), acompanhado de seu vice, Ricardo Mello Araújo (PL).

O presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, também foi ao ato, mas não discursou.

O ato na Avenida Paulista reuniu 37,6 mil apoiadores. A estimativa é do Monitor do Debate Público do Meio Digital, do Cebrap e da Universidade de São Paulo (USP), que fez o levantamento a partir de fotos aéreas em diversos momentos do ato. A estimativa tem uma margem de erro de 12% em relação ao total, o que faz com que o número possa variar entre 33,1 mil e 42,1 mil participantes.

Segundo estimativas do Monitor do Debate Público, o ato deste domingo quase triplicou o público presente na última manifestação bolsonarista na capital paulista, no dia 29 de julho. A adesão, no entanto, ainda está distante da registrada no ato de fevereiro de 2024, quando 185 mil estiveram na Paulista.

O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) apagou o vídeo que mostrava o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) participando, por telefone, do ato na orla de Copacabana, no Rio de Janeiro, neste domingo, 3. O vídeo está fora do ar na manhã desta segunda-feira, 4.

O áudio do telefonema feito a Bolsonaro por Flávio foi conectado no sistema de alto-falantes. "Boa tarde, Copacabana. Boa tarde, meu Brasil. Um abraço a todos, é pela nossa liberdade. Estamos juntos", disse o ex-presidente aos manifestantes que foram até a orla.

O momento da saudação foi registrado em vídeo e publicado no perfil oficial de Flávio Bolsonaro no Instagram. O ex-presidente aparece com o celular na mão e com a tornozeleira eletrônica que é obrigado a usar em destaque. Na publicação, o filho "01" do ex-presidente escreveu: "Palavras de Bolsonaro em Copacabana. A legenda é com vocês".

Em São Paulo, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) mostrou no celular uma videochamada com Bolsonaro. "Não pode falar, mas pode ver", afirmou ao público.

Como mostrou o Estadão, a publicação de Flávio pode configurar o descumprimento da medida cautelar que proíbe o ex-presidente de utilizar redes sociais, inclusive de terceiros. Essa também é a avaliação de interlocutores do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

A restrição de uso de redes sociais é uma das cinco medidas cautelares impostas a Bolsonaro em 18 de julho. A medida já causou controvérsia entre o relator e a defesa do ex-presidente.

Três dias depois de ser alvo da restrição, Bolsonaro discursou na Câmara. As declarações foram gravadas e replicadas por apoiadores nas redes sociais.

Moraes pediu esclarecimentos à defesa, que alegou desconhecer a proibição de conceder entrevistas. O relator decidiu que o ex-presidente cometeu uma "irregularidade isolada".