Irã, Venezuela, China, Rússia, Cuba e Síria já se queixaram de vistos americanos para ONU

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Ao retardar a concessão de vistos diplomáticos a ministros do Brasil, o governo Donald Trump deu ao País um tratamento similar ao enfrentado nos Estados Unidos por representantes de regimes autocráticos como China, Cuba, Irã, Rússia, Síria e Venezuela, que, nos últimos anos, registraram reclamações semelhantes perante a ONU.

A indefinição sobre os vistos da delegação brasileira motivou preocupação no gabinete do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres. O Itamaraty fez gestões de bastidores junto aos diplomatas americanos e ouviu que os vistos estão ainda em processamento, portanto não havia uma negativa ou banimento, ainda que parcial, até agora.

O Relatório do Comitê de Relações com o País Anfitrião, referente a 2024 (governo Joe Biden) traz um relato amplo da situação. Segundo o documento, Síria, Rússia e Venezuela defenderam que o secretário-geral convocasse um processo de arbitragem em virtude da questão dos vistos. Esses países apontam casos concretos de demora de meses na emissão de visto, restrição de circulação para fora da Ilha de Manhattan ou limitadas a raio de 40 quilômetros, até para filhos e familiares dos diplomatas.

A Síria apontava discriminação de Washington e enfrentou restrições por mais de 10 anos. No entanto, com a queda do regime Bashar Assad, o governo Trump quer estreitar laços e concedeu isenção dessas limitações para que o presidente sírio, Ahmed al-Shara, viaje à ONU.

A Rússia reclamou de recusa de visto a altos representantes enviados a conferências nos EUA e de demora média de cinco meses e até dois anos para concessão, no caso da equipe destacada para a missão permanente na ONU. Para Moscou, a "inação" do secretário-geral permite que o governo americano manobre com vistos e "determine" a composição das delegações russas.

Havana acrescentou que os EUA impõem obrigação de entrada e saída por meio do aeroporto internacional JFK, o que aumenta custos de viagem. Pequim afirmou ver razão política para a restrição de deslocamento de seus diplomatas nos EUA e relatou casos fora de NY, como a 10ª Conferência contra Corrupção em Atlanta.

Caracas também citou como razão de fundo as divergências políticas e disse que ocorrem atrasos sistemáticos e que vistos solicitados com meses de antecedência são emitidos apenas 48-72 horas antes dos eventos. Já Teerã afirmou que há discriminação em relação a outros países e que vistos de entrada única demoram meses e inviabilizam participação de delegados em conferências e reuniões, além das restrições de movimento e inspeções/revista pessoal secundária nos aeroportos americanos, o que considerou "humilhante".

Os EUA negaram situações vexatórias ou discriminação e disseram que os diplomatas não estão isentos de verificações adicionais de segurança. Também argumentam que a demora em vistos se deve a pedidos tardios. A diplomacia americana afirmou que está comprometida com as obrigações do acordo de sede e citou que 99% dos vistos solicitados para a Semana de Alto Nível da 78ª Assembleia Geral foram concedidos.

Sobre a recusa de vistos, alegaram que agem para proteção da segurança nacional dos EUA e da integridade das instalações da ONU, obrigação registrada no acordo de sede, em alguns casos sensíveis. Mas os obstáculos são crescentes. Neste ano, os EUA prometem banir neste ano delegação palestina. Nos últimos anos, Washington também retardou a liberação de visto e criaram limitações à circulação de representantes de países hostis, sob o argumento da segurança nacional.

Incômodo no governo

O presidente Lula considera citar a recusa de credenciamento da comitiva da Palestina, liderada por Mahmoud Abbas, em seu discurso inaugural. Seria uma menção no contexto da crise do multilateralismo e do descrédito da ONU.

Também como parte do descontentamento com a questão dos vistos, o Itamaraty chegou a cogitar de apoiar uma iniciativa de transferência temporária da sede do Debate Geral para outra cidade, como Genebra, na Suíça, segundo uma fonte do governo, mas desistiu, diante da falta de tempo hábil.

Há precedente. Em 1988, parte do Debate Geral da Assembleia Geral ocorreu em Genebra, como uma forma de driblar a recusa de visto do governo Ronald Reagan ao então líder da Organização para Libertação da Palestina (OLP), Yasser Arafat.

Outra possível ação será pressionar politicamente para que a ONU abra um procedimento arbitral por violação do acordo de sede por parte dos americanos. Apenas a ONU poderia fazê-lo, e não o Brasil diretamente, já que se trata de um acordo de sede entre duas partes: EUA e ONU.

Se nenhuma forma de acordo for alcançada, seria formado um tribunal arbitral com três indicados - um do secretário-geral da ONU, um do secretário de Estado americano e um terceiro acordado entre ambos ou sugerido pelo presidente da Corte Internacional de Justiça (CIJ). Os dois lados podem até solicitar que a Assembleia Geral encomende um parecer consultivo da CIJ, que deverá ser levado em consideração pelo tribunal de arbitragem ao tomar a decisão final.

O acionamento da arbitragem somente seria proposto pelo Brasil caso se concretize uma negativa, o que configura a violação ao acordo de sede. A expectativa do governo Lula é que, apesar do atraso, o governo Trump não deve chegar a tanto. O Itamaraty afirmou que não vê motivo para negativas, uma forma de pressionar em público, mas também ressalta que o visto é somente expectativa de entrada no EUA e que pode haver problemas na chegada a Nova York.

Vistos 'em cima da hora'

Nesta terça-feira, dia 16, os americanos deram um indicativo de quem os vistos devem sair, embora "em cima da hora", como esperam integrantes de ministérios e da Presidência da República. Entregaram o visto diplomático ao ministro Ricardo Lewandowski (Justiça), uma categoria específica para atividades governamentais. Antes, ele havia tido o visto comum de turismo cancelado.

O caso mais sensível é o da Saúde. O ministro Alexandre Padilha aguarda a concessão de seu visto diplomático há quase um mês para ir a reuniões oficiais em Nova York e Washington. Segundo o ministério, ele formalizou o pedido em 19 de agosto. Até agora, permanece sem resposta positiva ou negativa. O ministro já tinha sido punido por causa do Mais Médicos - sua família perdeu visto de turismo.

A demora em si já é uma prática que embaraça os preparativos da delegação brasileira. O presidente Lula avalia decolar no sábado, dia 20, ou no domingo, dia 21, e levar os ministros consigo. A comitiva, ainda não oficializada, deve ter ao menos os ministros Esther Dweck (Gestão), Alexandre Padilha (Saúde), Camilo Santana (Educação), Mauro Vieira (Relações Exteriores), Fernando Haddad (Fazenda), Marina Silva (Meio Ambiente) e Ricardo Lewandowski (Justiça).

Integrantes do Palácio do Planalto dizem que a prática de concessão de vistos tardios, às vezes horas antes da decolagem ou de reuniões, afeta montagem de comitivas e pode tumultuar de alguma forma a participação do País em reunião de alto nível. Eles veem razões "ideológicas" nas atitudes do governo Trump.

Diplomatas evitam dizer se a delegação brasileira será reduzida, mas afirmam que ela tem dimensões "modestas" para o peso do País na ONU e que há cuidados adicionais no caso do presidente, como deslocamento de médicos, segurança, assessores e equipamentos de comunicação própria.

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A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira, 17, a urgência (aceleração da tramitação) da anistia aos envolvidos no 8 de Janeiro. Trata-se de um gesto do presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), aos apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O projeto com urgência aprovada com 311 votos sim e 163 não é do deputado Marcelo Crivella. A versão proposta beneficia Bolsonaro, os demais condenados pelo Supremo Tribunal Federal e também os envolvidos nos ataques de 8 de Janeiro.

Mas ainda não há consenso sobre qual texto será analisado e qual a previsão de data para uma nova votação do mérito da proposta. "Se for aprovada (a urgência), um relator será nomeado para que possamos chegar, o mais rápido possível, a um texto substitutivo que encontre o apoio da maioria ampla da casa. Como Presidente da Câmara, minha missão é conduzir esse debate com equilíbrio, respeitando o Regimento Interno e o Colégio de Líderes", disse Motta.

O presidente da Câmara sustenta que o País precisa de pacificação e o plenário da casa deve deliberar sobre o assunto. "O Brasil precisa de pacificação e de um futuro construído em bases de diálogo e respeito. O País precisa andar. Temos na Casa visões distintas e interesses divergentes sobre os acontecimentos de 8 de janeiro de 2023. Cabe ao Plenário, soberano, decidir", escreveu Motta.

A sessão, iniciada na noite desta quarta-feira, foi tumultuada, com cânticos mobilizados por governistas e oposicionistas sobre a anistia. De um lado, apoiadores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva cantaram "sem anistia", enquanto bolsonaristas entoaram o lema "anistia já". "O que está sendo feito aqui hoje é um absurdo, um esculacho, um sarcasmo", afirmou Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ).

"Hoje chega de verdade um dia histórico para essa Casa. O que nós estamos votando aqui hoje é a urgência. Em nenhum momento colocaremos a faca no pescoço do presidente e nenhum dos líderes para discutir o mérito neste dia. O PL, a despeito do que a esquerda fala, somos o partido da pacificação, do entendimento. Nós aqui estamos buscando entendimento para o País. O discurso da esquerda é somente o seguinte: xingamento de fascistas", disse o líder do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ).

Antes dele, o líder do PT, Lindbergh Farias (RJ), criticou a votação da proposta. "Lamentável o que está acontecendo no dia de hoje. A instituições, num dia como esse, não podem se acovardar. Ao pautar a urgência de um projeto de anistia do deputado Marcelo Crivella, é uma anistia ampla, geral e irrestrita", afirmou Lindbergh. "Os deputados do Centrão estão abrindo a porteira, para que com maioria simples eles aprovem o texto. Alguém aqui acredita que eles querem pacificar alguma coisa?", completou.

Ao falar em nome do MDB, o deputado Isnaldo Bulhões Junior (AL), defendeu que seria melhor ajustar o texto para uma proposta que apenas reduzisse o tamanho das penas aplicadas pelo STF, mas sem anistia. "É lamentável que a pauta que ora apreciamos, a urgência a um projeto de lei que textualmente trata da anistia a uma tentativa de golpe virou um debate político eleitoral", disse o alagoano.

Ao anunciar que iria colocar o requerimento de urgência para votar, Motta explicou após a aprovação da urgência vai escolher um relator para ajustar o texto. Ainda não há previsão de quando essa nova votação deve ocorrer. "Se for aprovada (a urgência), um relator será nomeado para que possamos chegar, o mais rápido possível, a um texto substitutivo que encontre o apoio da maioria ampla da casa. Como Presidente da Câmara, minha missão é conduzir esse debate com equilíbrio, respeitando o Regimento Interno e o Colégio de Líderes", disse Motta.

Bolsonaristas afirmaram que acordaram com Motta a aprovação da proposta de emenda à Constituição (PEC) da Blindagem, que dificulta a abertura de processos e a autorização de prisão de parlamentares em troca da aprovação da urgência da anistia. Ainda não há previsão para quando seria votado o texto definitivo no plenário.

Como mostrou a Coluna do Estadão, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem dito a aliados que é favorável a um acordo com o Centrão para uma "anistia light", que reduziria a pena dos condenados pelos ataques golpistas do 8 de Janeiro, mas sem que o benefício atinja Bolsonaro. "O texto será trabalho com relator a ser escolhido. A gente vai ter um tempo para trabalhar um tempo efetivo e acredita que vai ter um texto a contento", disse o deputado Zucco (PL-RS), líder da oposição.

O que diz o projeto de Crivella sobre anistia

O projeto escolhido para ter a urgência votada nesta quarta-feira prevê anistia ampla a todos os crimes vinculados a manifestações ocorridas a partir de outubro de 2022. O texto de Crivella também perdoa multas aplicadas pela Justiça Eleitoral.

"Ficam anistiados todos os que participaram de manifestações com motivação política e/ou eleitoral, ou as apoiaram, por quaisquer meios, inclusive contribuições, doações, apoio logístico ou prestação de serviços e publicações em mídias sociais e plataformas, entre o dia 30 de outubro de 2022 e o dia de entrada em vigor desta Lei", diz o texto.

Crivella justificou a proposta, apresentada em abril de 2023, dizendo que se trata de uma "resposta apaziguadora, de arrefecimento de espíritos e congraçamento dos contrários por meio do perdão soberano". Bolsonaristas articulam pela aprovação de uma anistia há dois anos. Durante esse período, chegaram a fazer um motim que impediu o funcionamento do plenário da Câmara por dois dias.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), encaminhou oficialmente, na noite desta quarta-feira, 17, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC), conhecida como "PEC da Blindagem", à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). A proposta, aprovada pela Câmara dos Deputados, altera regras relacionadas ao foro privilegiado e à tramitação de ações penais contra parlamentares.

Pouco após o recebimento pelo Senado, o texto foi despachado para a CCJ, onde começará a tramitação. A proposta prevê, entre outros pontos, que parlamentares só poderão ser presos em flagrante por crime inafiançável, como racismo, tortura, terrorismo ou tráfico de drogas. Também estabelece a necessidade de autorização da respectiva Casa Legislativa para o prosseguimento de ações penais em votação com voto secreto.

Caso um parlamentar seja preso, os autos devem ser enviados do Supremo Tribunal Federal (STF) à Câmara ou ao Senado, que terá prazo curto para decidir, por maioria absoluta, se mantém a prisão. Se a autorização for negada, a prisão é automaticamente suspensa durante o mandato.

O presidente da CCJ, senador Otto Alencar (PSD-BA), já sinalizou resistência à proposta. "Essa PEC não passa de jeito nenhum", afirmou anteriormente. Segundo ele, Alcolumbre não indicou urgência na tramitação da matéria. Apesar da resistência na CCJ, parlamentares da base governista e da oposição demonstraram apoio à PEC. O senador Chico Rodrigues (PSB-RR) afirmou que a proposta deve seguir os trâmites regimentais.

"Essa matéria deve ir para a CCJ. Sem questionar a decisão da Câmara, mas isso obedecerá à Constituição", disse. Agora, a PEC entra oficialmente em tramitação no Senado. Mesmo que receba parecer contrário da CCJ, poderá ser levada ao plenário, onde precisa do apoio de dois terços dos senadores, em dois turnos, para ser aprovada e, posteriormente, promulgada pelo Congresso.

O presidente da Câmara, Hugo Motta, anunciou, em publicação no X (ex-Twitter), que vai colocar para votação nesta quarta-feira, 17, requerimento de urgência para projeto de anistia. Motta sustenta que o País precisa de pacificação e o plenário da casa deve deliberar sobre o assunto.

"O Brasil precisa de pacificação e de um futuro construído em bases de diálogo e respeito. O País precisa andar. Temos na Casa visões distintas e interesses divergentes sobre os acontecimentos de 8 de janeiro de 2023. Cabe ao Plenário, soberano, decidir", escreveu Motta.

Ele explicou ainda que será votado um requerimento para acelerar a votação de um projeto elaborado pelo deputado Marcelo Crivella. No entanto, esse não deve ser o texto que irá a votação quando chegar o momento de examinar o mérito do assunto. Será indicado um relator para rever a proposta. Ainda não há previsão de quando essa nova votação deve ocorrer.

"Se for aprovada (a urgência), um relator será nomeado para que possamos chegar, o mais rápido possível, a um texto substitutivo que encontre o apoio da maioria ampla da casa. Como Presidente da Câmara, minha missão é conduzir esse debate com equilíbrio, respeitando o Regimento Interno e o Colégio de Líderes", disse Motta.

Bolsonaristas afirmaram que acordaram com Motta a aprovação da proposta de emenda à Constituição (PEC) da Blindagem, que dificulta a abertura de processos e a autorização de prisão de parlamentares em troca da aprovação da urgência da anistia. Ainda não há previsão para quando seria votado o texto definitivo no plenário.

Como mostrou a Coluna do Estadão, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem dito a aliados que é favorável a um acordo com o Centrão para uma "anistia light", que reduziria a pena dos condenados pelos ataques golpistas do 8 de Janeiro, mas sem que o benefício atinja Bolsonaro.

"O texto será trabalho com relator a ser escolhido. A gente vai ter um tempo para trabalhar um tempo efetivo e acredita que vai ter um texto a contento", disse o deputado Zucco (PL-RS), líder da oposição.

O que diz o projeto de Crivella sobre anistia

O projeto escolhido para ter a urgência votada nesta quarta-feira prevê anistia ampla a todos os crimes vinculados a manifestações ocorridas a partir de outubro de 2022. O texto de Crivella também perdoa multas aplicadas pela Justiça Eleitoral.

"Ficam anistiados todos os que participaram de manifestações com motivação política e/ou eleitoral, ou as apoiaram, por quaisquer meios, inclusive contribuições, doações, apoio logístico ou prestação de serviços e publicações em mídias sociais e plataformas, entre o dia 30 de outubro de 2022 e o dia de entrada em vigor desta Lei", diz o texto.

Crivella justificou a proposta, apresentada em abril de 2023, dizendo que se trata de uma "resposta apaziguadora, de arrefecimento de espíritos e congraçamento dos contrários por meio do perdão soberano". Bolsonaristas articulam pela aprovação de uma anistia há dois anos. Durante esse período, chegaram a fazer um motim que impediu o funcionamento do plenário da Câmara por dois dias.