Macron evitará debater Mercosul-UE em visita ao Brasil e quer discutir Ucrânia e Gaza com Lula

Internacional
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O governo da França indicou nesta quarta-feira, dia 20, que o presidente Emmanuel Macron vai pautar nas conversas com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, previstas para a viagem ao Brasil na próxima semana, as guerras em curso na Ucrânia e na Faixa de Gaza - temas sobre os quais há divergências de abordagem. O presidente francês, no entanto, não pretende discutir - nem está disposto a ceder - na sua oposição ao acordo entre os blocos Mercosul e União Europeia, de acordo com o Palácio de Eliseu.

 

Autoridades do Executivo francês afirmam que, a despeito das divergências, a França tem objetivo de buscar uma "agenda comum" o Brasil, para ajudar na construção de soluções para as guerras. O governo francês afirma que, num contexto de recrudescimento na Ucrânia, se faz ainda mais necessário envolver parceiros que tenham posições divergentes.

 

O petista, no entanto, deu diversas declarações públicas interpretadas como simpáticas ao Kremlin, como quando disse que os dois lados eram responsáveis pela guerra e que Putin, se viesse ao Brasil, não seria preso, apesar de ter contra si um mandado de captura do Tribunal Penal Internacional. Ele também evitou condenar a morte do dissidente russo Alexei Navalni, numa prisão no Ártico.

 

Visões sobre a guerra

 

A França tem dito que seus "interesses de segurança estão ameaçados pela evolução do conflito e também pela posição agressiva da Rússia", num quadro de guerra sem alterações significativas há dois anos, após a invasão militar promovida pelos russos em fevereiro de 2022. Os franceses argumentam que a guerra é uma questão existencial para a Europa. Eles disseram que podem ver como ajudar na interlocução de o presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, e Lula.

 

Paris está diretamente envolvida no apoio à Ucrânia, e Macron já cogitou o envio de tropas, o que provocou embates com o presidente da Rússia, Vladimir Putin. Já Lula inicialmente evitou tomar lado em busca de uma posição mediadora, mas chegou a dizer que Putin e Zelenski tinham responsabilidades similares pela continuidade do conflito - uma de várias de suas declarações interpretadas no Ocidente como pró-Rússia. O Brasil não aderiu a sanções econômicas e aprofundou o comércio com Moscou.

 

Autoridades do Eliseu dizem que também vão buscar "pontos de convergência, mesmo que tenhamos diferenças claras" com objetivo de pôr fim à crise humanitária na Faixa de Gaza, após a eclosão da guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas - o estopim foi o massacre de 7 de outubro do ano passado.

 

Os franceses, no entanto, evitam comentar a comparação que Lula fez entre o extermínio de judeus pelos nazistas comandados por Adolf Hitler e a ofensiva militar israelense, que segundo o governo brasileiro mira em todo o povo palestino e deve ser classificada como genocídio. As palavras de Lula foram rebatidas na Europa - inclusive pelo governo francês - e abriram uma crise diplomática com Israel.

 

Sem ceder no acordo Mercosul-UE

 

Segundo fontes da presidência francesa, Macron vai reiterar sua oposição ao acordo e entende que o assunto não deve ser objeto de discussões numa visita bilateral, porque as negociações estão em curso na Comissão Europeia. O presidente da França bloqueou politicamente a assinatura do acordo entre os blocos no fim do ano passado, e Lula pressiona agora mais uma vez pelo avanço, a despeito da rejeição francesa.

 

A França manifestou dificuldades políticas por causa de protestos do setor agrícola - que é contra a abertura a produtos exportados dos países sul-americanos - e pediu que todos os produtos que circulam no mercado europeu estejam sujeitos às mesmas normas e exigências internas do bloco. O presidente Lula disse no início do mês que as questões levantadas pelo Brasil estão solucionadas e que o País está pronto para assinar.

 

Diálogo com Maduro

 

A presidência da França diz que os dois líderes vão conversar também sobre como garantir a realização de eleições em 28 de julho, na Venezuela, data anunciada pelo regime chavista. Paris afirma que os dois países querem contribuir com a organização das eleições "livres e transparentes" e que tanto Macron quanto Lula têm cobrado o ditador Nicolás Maduro, em conversas recentes com o chavista.

 

"Para conseguir isto, a oposição deve, de fato, ser capaz de participar. Esta é uma mensagem forte que o próprio presidente da República (Macron) deu a Nicolás Maduro quando teve a oportunidade de falar com ele há alguns meses. Este também é um ponto que o presidente Lula transmitiu em conversas com Maduro", disse o Eliseu, que fala no desejo de ver as sanções suspensas e a normalização de relações com a Venezuela.

 

Roteiro

 

Macron fará uma visita ao Brasil na próxima semana. Ele passará três dias no País, de 26 a 28 de março, na companhia de Lula, e visitará quatro cidades: Belém (PA), Itaguaí (RJ), São Paulo (SP) e Brasília (DF). A visita de Estado foi anunciada logo após a vitória de Lula, mas acabou adiada por ao menos um ano. A agenda do francês será a mais robusta de um líder estrangeiro no País, no terceiro mandato de Lula, com agenda conjunta no Pará, no Rio e no Distrito Federal.

 

A visita de Macron será a primeira bilateral na América Latina. Ele já visitou a Guiana Francesa, em 2017, por onde vai passar novamente antes de pisar no Brasil, e foi à Argentina para a Cúpula do G-20.

 

A delegação ainda está em definição, mas incluirá uma série de ministros, empresários de pequenas, médias e startups, além de executivos de multinacionais. Parte delas é diretamente ligada a soluções ambientais, bioeconomia, proteção florestal e conservação de espécies. Entre os executivos confirmados, estão nomes CEOs do Carrefour, Airbus, Naval Group e Vicat. Entre as empresas inovadoras, estão Agro-Tech, Agriodor, Solaire e Net Zero.

 

Amazônia e pacote para reconstruir o Museu Nacional

 

O Palácio do Eliseu também disse que Macron vai lançar com Lula "iniciativas estruturantes" nas áreas de biodiversidade, transição ecológica e bioeconomia. Há plano de "fortes anúncios" em cooperação de setores como pesquisa, inovação e tecnologia, que envolve conhecimento de empresas francesas na proteção da Amazônia.

 

Integrantes do governo francês não mencionaram, mas existe um possível aporte ao Fundo Amazônia, que vem sendo estudado há pelo menos um ano. O governo Macron entende que houve um "progresso substancial" no combate ao desmatamento quando comparados os governos Lula e Jair Bolsonaro, mas que ainda há problemas no Cerrado, por exemplo.

 

Paris demonstrou preocupação com o pós-Lula. Conselheiros de Macron entendem que o desafio do petista é assegurar a proteção florestal para além de seu mandato, com uma política perene, e eliminar o desmatamento sem provocar a reação de um "populismo que leve à eleição de um novo Bolsonaro". Eles dizem que essa é uma "questão chave" para o País.

 

O governo francês diz que assume a responsabilidade não somente de evitar mais emissão de gases estufa e de não "importar desmatamento" para o mercado europeu, mas de ajudar numa transição econômica justa nos países exportadores e que possuem florestas tropicais. O objetivo é de "desenvolver toda uma agenda cooperação extremamente aprofundada com estes países para apoiá-los na transição", segundo o Eliseu.

 

"Isto virá através de anúncios muito fortes que estamos em processo de finalizar em termos investimento na bioeconomia, ou seja, nos setores que permitem desenvolver empregos e oportunidades econômicas no mercado interno, mas também no estrangeiro, e que sejam compatíveis com um objetivo de proteção das florestas e de desmatamento zero", disse o governo da França. "Isto resultará em discussões estratégicas sobre os mercados de carbono porque consideramos que os países florestados que são verdadeiramente ativos na proteção das suas florestas devem poder ser remunerados e que o setor privado internacional também tem um papel no financiamento do reflorestamento e recuperação de terras."

 

Eles vão lançar um pacote de apoio à reconstrução do Museu Nacional, no Rio, que foi destruído por um incêndio há cinco anos, o que também ocorreu com a Catedral de Notre Dame.

 

Agenda prevista de Emmanuel Macron no Brasil

 

26/3 - Belém (PA)

 

Tarde/Noite - Macron desembarca vindo da Guiana Francesa e será recebido por Lula. Presidentes se deslocam de barco a uma ilha onde visitam área de cultivo de produtos amazônicos. Macron tem reunião com lideranças indígenas e encontra o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB).

 

27/3 - Itaguaí (RJ) e São Paulo (SP)

 

Manhã - Lula e Macron fazem lançamento do submarino Tonelero (S-42) no Complexo Naval de Itaguaí (RJ) da Marinha do Brasil, construído com tecnologia francesa.

 

Tarde - Fórum empresarial em São Paulo (SP).

 

28/3 - Brasília (DF)

 

Manhã - Visita de Estado com bilateral com Lula, reunião ampliada, declaração à imprensa no Planalto e almoço no Itamaraty.

 

Tarde - Visita ao Congresso Nacional.

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A rede social criada por Donald Trump, Truth Social, e a plataforma de vídeos Rumble entraram com um pedido de liminar em um tribunal dos Estados Unidos contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. A informação é da agência de notícias Reuters.

O pedido busca impedir ordens emitidas pelo ministro, sob o argumento de que elas "violam a soberania americana, a Constituição e as leis dos Estados Unidos". Elas também disseram que Moraes ameaçou processar criminalmente o CEO do Rumble, Chris Pavlovski.

Na sexta-feira, 21, Moraes havia determinado a suspensão do Rumble no Brasil por tempo indeterminado, até que a plataforma cumprisse as ordens judiciais dadas e o pagamento de multas. Isso porque antes ele ordenara que a empresa indicasse representantes legais no País.

O STF já definiu que plataformas estrangeiras precisam constituir representantes no Brasil para receber intimações e responder pelas empresas.

Entenda a polêmica

Em um despacho, o ministro afirmou que a plataforma incorreu em "reiterados, conscientes e voluntários descumprimentos das ordens judiciais, além da tentativa de não se submeter ao ordenamento jurídico e Poder Judiciário brasileiros".

"Chris Pavlovski confunde liberdade de expressão com uma inexistente liberdade de agressão, confunde deliberadamente censura com proibição constitucional ao discurso de ódio e de incitação a atos antidemocráticos", escreveu Moraes.

Além de exigir a indicação de um representante legal, o ministro também havia determinado o bloqueio do canal do blogueiro Allan dos Santos e a interrupção de repasses de monetização ao influenciador. Também ordenou que novos perfis do influenciador fossem barrados. Outras redes sociais, como YouTube, Facebook, Twitter e Instagram, foram notificadas para bloquear as contas de Allan dos Santos e cumpriram as decisões de Moraes.

O STF não conseguiu intimar o Rumble porque a empresa não tem um responsável no Brasil. Os advogados localizados informaram que não são representantes legais da plataforma e que não têm poderes para receber citações ou intimações. No dia 17 de fevereiro, eles renunciaram ao mandato que tinham para atuar em causas da rede social.

O Rumble move uma ação contra Moraes na Justiça dos Estados Unidos, em conjunto com Trump Media, ligada ao presidente americano. As companhias alegam que o ministro do STF violou a soberania norte-americana ao ordenar a suspensão do perfil de Allan dos Santos. O blogueiro teve prisão preventiva decretada em 2021 e está foragido desde então.

O Rumble voltou a funcionar no Brasil em fevereiro deste ano. A plataforma, que estabelece uma política menos restrita de moderação de conteúdo, foi desativada no País em dezembro de 2023 por discordar das exigências da Justiça brasileira. Ela é conhecida por abrigar personalidades e usuários de extrema direita.

O influenciador Pablo Marçal (PRTB) foi condenado à inelegibilidade porque vendeu apoio político na campanha de 2024. Em vídeo publicado nas redes sociais, ele se ofereceu para gravar vídeos divulgando candidatos a vereador por R$ 5 mil.

Em uma transmissão ao vivo na sexta-feira, 21, o influenciador disse que vai recorrer da decisão. Ele alegou que não chegou a "materializar" os vídeos porque foi barrado pela equipe jurídica da campanha.

Pablo Marçal foi candidato à Prefeitura de São Paulo nas eleições municipais de 2024 e terminou em terceiro lugar, com 1.719.274 de votos (28,14% dos votos válidos).

Ao se oferecer para divulgar os vereadores, ele afirmou que estava "concorrendo a uma eleição desleal" porque não usou dinheiro público enquanto "os 'bonitões' gastam R$ 100 milhões para fazer propaganda enganosa".

"Você conhece alguém que queira ser vereador e é candidato, que não seja de esquerda, tá, esquerda não precisa avisar. Se essa pessoa é do bem e quer um vídeo meu para ajudar a impulsionar a campanha dela, você vai mandar esse vídeo e falar 'mano, olha aqui que oportunidade, né?' Essa pessoa vai fazer o quê? Ela vai mandar um Pix para a minha campanha de doação, Pix de cinco mil. Fez essa doação, eu mando o vídeo. Vai clicar aqui no formulário, clicou aqui no formulário, cadastra, a equipe vai entrar em contato. Tamo junto, fechou, você ajuda daqui em São Paulo e eu ajudo daí."

O juiz Antonio Maria Patiño Zorz, da 1.ª Zona Eleitoral, declarou Pablo Marçal inelegível por abuso de poder econômico e político, uso indevido de meios de comunicação social e captação ilícita de recursos.

A sentença afirma que a oferta feita pelo influenciador "foi levada a sério por candidatos a vereador que efetuaram doações confirmadas pelo requeridos" e teve "potencialidade para macular a integridade do processo eleitoral em razão do efeito que produziram na consciência política dos cidadãos".

O juiz Antonio Zorz afirmou ainda que ele espalhou fake news sobre o fundo partidário e se "colocou, de forma gravemente distorcida, como vítima de um sistema eleitoral desleal que não lhe permitiu usar financiamento público do fundo eleitoral". Com isso, na avaliação do magistrado, o influenciador comprometeu a "normalidade e legitimidade" da eleição.

Como a decisão foi tomada na primeira instância, há possibilidade de recurso ao Tribunal Regional Eleitoral.

Deflagrada pela Polícia Federal em 2015, a Operação Zelotes inicialmente apurava suspeitas de um esquema de corrupção no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf) - órgão colegiado do Ministério da Fazenda - que é a última instância administrativa para o julgamento de autuações da Receita Federal a empresas e pessoas físicas. O objetivo do esquema seria vender, por meio de conselheiros e auditores, informações privilegiadas e facilidades que pudessem resultar na reversão de multas discutidas no Carf.

Quando a operação foi deflagrada, o Carf era ocupado por 216 conselheiros, metade indicada pela Receita e outra parte por confederações empresariais, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI), e uma parte menor pelas centrais sindicais.

Até então, os conselheiros indicados pelo setor privado podiam desempenhar suas funções no Carf e, ao mesmo tempo, advogar em casos tributários. No mês seguinte à revelação do escândalo, o governo fixou novas regras para funcionamento do órgão, com remuneração para seus integrantes e restrições ao exercício das atividades profissionais.

De acordo com os investigadores, o esquema de corrupção no Carf era "legalizado" por contratos de serviços prestados por escritórios de advocacia e consultorias que faziam lobby para influenciar nas decisões do órgão. Após abordagem das empresas alvos de multas da Receita, esses consultores elaboravam contratos para forjar a legalidade do serviço prestado. A partir daí, segundo a investigação, as empresas pagavam propina por meio de depósitos em diversas contas bancárias para evitar o rastreamento.

Os investigadores dizem que vários conselheiros do Carf se recusaram a participar do esquema e repudiaram a abordagem, mas outros aceitaram negociar decisões. À época, tramitavam no órgão mais de 115 mil processos tributários que englobam cerca de R$ 500 bilhões em discussão.

Desdobramentos da Zelote levaram a outros casos e até suspeita de compra de Medida Provisória

Com desdobramentos, a operação Zelotes foi ampliada e virou um guarda-chuva para grandes investigações sobre suspeitas de corrupção que atingiram grandes personagens da República. O ex-ministro Antonio Palocci foi uma testemunha nas investigações. O ex-ministro Guido Mantega virou réu, mas o caso dele acabou prescrito.

O caso da venda de uma Medida Provisória para favorecer montadores de veículos no segundo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2009, também acabou entrando no escopo da Zelotes. A denúncia foi publicada pelo Estadão em outubro de 2015.

Lula chegou a virar réu nesse caso por suposto tráfico de influência, mas foi absolvido em 2021 depois de a Justiça entender que a acusação não demonstrou de maneira convincente o envolvimento dele.

Até um filho de Lula virou réu, junto com o pai, em um processo que apontava tráfico de influência na compra de caças suecos pelo governo brasileiro. O caso das aeronaves foi suspensa pelo então ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, em 2022.

A decisão permitiu que Lula disputasse as eleições daquele ano sem responder a ações penais na Justiça. Lewandowski, hoje ministro da Justiça do governo Lula, entendeu que procuradores do DF agiam de forma articulada com membros da Lava Jato. Ele se baseou em trocas de mensagens da força-tarefa de Curitiba que acabaram vazadas por hackeamento.

Apesar dos dez anos desde a deflagração da Zelotes, ainda há ações sem julgamento e sem trânsito em julgado.