França: julgamento de estupro a mando do marido destaca luta sistemática das vítimas de abuso

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O julgamento de dezenas de homens acusados de estuprar uma mulher inconsciente cujo marido a drogou repetidamente ao longo de quase uma década destacou as dificuldades que as vítimas de violência sexual podem enfrentar na França.

Dominique Pelicot, 71, e seus 50 co-réus podem pegar até 20 anos de prisão se forem condenados em um julgamento que chocou o mundo e cativou o público francês.

Pelicot reconheceu em lágrimas no tribunal que é culpado das acusações contra ele, e disse que todos os seus co-réus entenderam exatamente o que estavam fazendo quando ele os convidou para sua casa entre 2011 e 2020 para fazer sexo com sua esposa inconsciente, que se divorciou dele depois de saber o que ele havia feito com ela.

Evidências

Apesar das evidências, incluindo fotos e vídeos meticulosamente arquivados que Pelicot filmou, alguns dos advogados dos réus examinaram a vida privada de Gisèle Pelicot, até mesmo questionando se ela estava realmente inconsciente durante alguns dos encontros.

Os co-réus têm idades entre 20 e 70 anos e representam uma amostra representativa de homens franceses: há um bombeiro, um jornalista, um enfermeiro, um guarda prisional e um trabalhador da construção civil. Alguns são aposentados, alguns estão desempregados e muitos têm suas próprias famílias. Um sabia que tinha HIV quando estuprou Gisèle Pelicot em seis ocasiões e optou por não usar camisinha, de acordo com a polícia. Ela não contraiu HIV, embora tenha sido descoberta que tinha outras doenças sexualmente transmissíveis, segundo testemunhou um especialista médico.

O presidente francês Emmanuel Macron prometeu priorizar a igualdade de gênero e combater a violência contra as mulheres. Mas as políticas públicas da França ainda estão atrasadas, e mais recursos e esforços precisam ser direcionados para perseguir os agressores sexuais, segundo disseram especialistas à The Associated Press.

"Sou tratada como cúmplice"

Gisèle Pelicot demonstrou notável calma e estoicismo durante o julgamento, mesmo durante as descrições mais horríveis e explícitas do abuso que sofreu. Mas ela ficou exasperada na quarta-feira, 18, quando os advogados de defesa a questionaram sobre imagens gráficas tiradas dela que foram mostradas no tribunal pela primeira vez. Ela concordou com a exibição delas porque disse que esperava que servissem como "evidência inegável".

Ela disse ao tribunal que as duas primeiras semanas do julgamento foram angustiantes. "Desde que cheguei a este tribunal, me senti humilhada. Sou tratada como uma alcoólatra, uma cúmplice. Eu ouvi de tudo."

Pelicot se tornou um símbolo da luta contra a violência sexual na França, e ela é vista como uma heroína para muitas vítimas por renunciar ao seu anonimato, deixar o julgamento ser público e aparecer abertamente diante da mídia. Ela compareceu a todos os dias do julgamento, onde se sentou em uma sala cheia de homens acusados de estuprá-la./AP

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O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes mandou prender o ex-presidente da República Fernando Collor após negar recurso da defesa que tentava protelar o início do cumprimento de pena. Collor fora condenado a 8 anos e 10 meses de prisão por corrupção a partir de investigação na Operação Lava Jato.

Em nota, a defesa do ex-presidente afirmou que ele vai se entregar à Justiça para o cumprimento da decisão de Moraes. Os representantes de Collor também afirmou que recebeu a ordem de prisão com "surpresa e preocupação".

"Ressalta a defesa que não houve qualquer decisão sobre a demonstrada prescrição ocorrida após trânsito em julgado para a Procuradoria Geral da República. Quanto ao caráter protelatório do recurso, a defesa demonstrou que a maioria dos membros da Corte reconhece seu manifesto cabimento. Tais assuntos caberiam ao Plenário decidir, ao menos na sessão plenária extraordinária já designada para a data de amanhã", disse a defesa. (Leia a nota na íntegra abaixo).

Segundo a Polícia Federal, a ordem de prisão deve ser cumprida somente na manhã desta sexta-feira, 25, mas o ex-presidente pode optar por se entregar antes de os policiais irem bater em sua porta.

Em maio de 2023, o STF condenou o ex-presidente por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Collor não foi preso de imediato porque a defesa dele ainda podia entrar com recursos. Como o processo transitou em julgado, Moraes mandou a pena ser cumprida imediatamente.

Na decisão, Moraes afirmou que Collor deve cumprir imediatamente a pena em regime fechado, além de ter que pagar noventa dias-multa. Pelo crime de corrupção passiva, a pena é de quatro anos e quatro meses de prisão. Por lavagem de dinheiro, é de quatro anos e seis meses. O delito de associação criminosa, por sua vez, teve a punibilidade extinta.

Moraes submeteu sua decisão para ser referendada pelo plenário do Supremo que irá julgar o caso a partir das 11 horas até às 23h59 desta sexta, 25. Antes disso, ministro disse que Collor já poderia ser detido.

O ex-presidente foi declarado culpado pelo recebimento de R$ 20 milhões em propinas da UTC Engenharia em troca do direcionamento de contratos de BR Distribuidora. O ex-ministro Pedro Paulo Bergamaschi e o operador Luís Pereira Duarte de Amorim também foram condenados. A sentença também determina que os três devem pagar solidariamente uma multa de R$ 20 milhões por danos morais coletivos.

Além de determinar a prisão, Moraes disse que Collor deve ser submetido a exames médicos para que a execução da pena do presidente comece a ser contabilizada.

"A expedição de guia de recolhimento, devendo ser o réu submetido a exames médicos oficiais para o início da execução da pena, inclusive fazendo constar as observações clínicas indispensáveis ao adequado tratamento penitenciário", disse na decisão.

Primeiro presidente que venceu uma eleição direta após a ditadura militar (1964-1985), em 1989, Collor governou o País entre 1990 e 1992, quando, em decisão até então inédita, ele sofreu um impeachment por causa do escândalo de corrupção conhecido como "Caso PC Farias".

Collor se torna o terceiro dos sete presidentes que governaram o País desde a redemocratização a ser preso. Entre 2018 e 2019, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ficou preso por 580 dias. O petista foi condenado pelos mesmos crimes de Collor (corrupção passiva e lavagem de dinheiro) e também no desenrolar da Lava Jato. O STF anulou a condenação em abril de 2021.

O outro ex-presidente preso foi Michel Temer (MDB). Também devido à Lava Jato, ele foi preso em março de 2019 no desenrolar da Operação Radioatividade, investigação que apurou crimes de formação de cartel e prévio ajustamento de licitações. Ele ficou preso quatro dias e foi solto após decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região.

Leia a nota da defesa de Collor na íntegra:

A defesa da ex-presidente da República Fernando Collor de Mello recebe com surpresa e preocupação a decisão proferida na data de hoje, 24/04/2025, pelo e. Ministro Alexandre de Moraes, que rejeitou, de forma monocrática, o cabível recurso de embargos de infringentes apresentado em face do acórdão do Plenário do Supremo Tribunal Federal, nos autos da AP 1025, e determinou a prisão imediata do ex-presidente.

Ressalta a defesa que não houve qualquer decisão sobre a demonstrada prescrição ocorrida após trânsito em julgado para a Procuradoria Geral da República. Quanto ao caráter protelatório do recurso, a defesa demonstrou que a maioria dos membros da Corte reconhece seu manifesto cabimento. Tais assuntos caberiam ao Plenário decidir, ao menos na sessão plenária extraordinária já designada para a data de amanhã.

De qualquer forma, o ex-Presidente Fernando Collor irá se apresentar para cumprimento da decisão determinada pelo Ministro Alexandre de Moraes, sem prejuízo das medidas judiciais previstas.

O deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido-RJ) perdeu o mandato nesta quinta-feira, 24, por faltar um terço das sessões legislativas da Câmara. A decisão foi assinada pelo presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB) e pelos integrantes da Mesa Diretora, sendo protocolada no Diário Oficial da Câmara.

A decisão da direção da Câmara livra Brazão da inelegibilidade. Ou seja, ao perder o mandato apenas por faltas e não pelo crime do qual é acusado, o deputado mantém o direito de disputar eleições em 2026.

Chiquinho Brazão é acusado de mandar matar a vereadora do Rio Marielle Franco, em março de 2018. Ele foi preso em março de 2024 e ganhou direito à prisão domiciliar no último dia 11. Além dele, também são réus no Supremo Tribunal Federal (STF) pela mentoria intelectual do crime o ex-conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio Domingos Brazão, irmão do deputado, e o policial federal Rivaldo Barbosa.

Cléber Lopes, advogado de Brazão, afirmou que pretende retomar o mandato do agora ex-parlamentar se ele for absolvido no processo que tramita no STF sobre a execução da vereadora.

Ele disse também que a defesa foi notificada pela Câmara na semana passada, cobrando justificativa pelas faltas.

"Nossa expectativa é tentar absolvê-lo no Supremo e tentar reestabelecer o mandato dele mais adiante", afirma Cléber Lopes, advogado de Brazão.

A decisão veio antes do pedido de cassação de Brazão ser votada na Câmara. Ele é alvo de uma representação por quebra de decoro parlamentar por ser acusado de participar do crime. A punição foi aprovada pelo Conselho de Ética da Casa em agosto do ano passado, mas teve a tramitação travada e não foi decidida em plenário. Se a maioria dos deputados votasse a favor, Brazão ficaria inelegível por oito anos.

Motta usou como motivo um trecho da Constituição que prevê a perda do mandato do parlamentar que acumula faltas. Brazão não comparece à Casa desde que foi preso, em março do ano passado, em uma operação da Polícia Federal (PF) que prendeu os acusados de mandar matar a vereadora.

Desde o início da legislatura, em 2023, Chiquinho Brazão compareceu a 84 das 203 sessões deliberativas. Ou seja, ele esteve presente em apenas 41% dos encontros.

A líder do PSOL na Câmara, Talíria Petrone (PSOL-RJ), usou sua rede social para criticar a decisão da Mesa. "Já havia passado da hora do acusado de mandar matar Marielle perder seu mandato de deputado. A política não pode comportar miliciano e gente com tão grave acusação. Mas lamento profundamente que isso não tenha acontecido via deliberação de plenário pela cassação. Claramente com objetivo de preservar os direitos políticos daquele que possivelmente mandou executar Marielle e Anderson para que ele não fique inelegível. E também para preservar seus aliados deputados em plenário para que não coloquem suas digitais na cassação", escreveu a deputada.

Segundo o especialista em direito eleitoral Alberto Rollo, apenas há inelegibilidade quando os parlamentares perdem o mandato por quebrar o decoro parlamentar ou cometerem crimes previstos na Lei da Ficha Limpa. Ou seja, o excesso de faltas não é um dos motivos para a punição.

"Tem a inelegibilidade de oito anos para quem perdeu o mandato com base nos artigos 55, incisos um e dois. No caso do Brazão, é o inciso três, que é faltar mais de um terço das sessões", explicou o especialista.

O ex-diretor de Serviços da Petrobras, Renato Duque, foi condenado em um processo da extinta Operação Lava Jato a 29 anos e dois meses de prisão, em regime inicial fechado, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A Justiça decretou o confisco, em favor da União, da escultura Raízes e do montante de R$ 3,4 milhões em bens. Como a decisão foi tomada na primeira instância, ele pode recorrer.

O advogado Marcelo Lebre, que representa Renato Duque, informou que vai se manifestar apenas no processo. Em defesa enviada na ação, o ex-diretor alegou que as acusações não ficaram comprovadas e são baseadas exclusivamente em delações premiadas.

O ex-diretor da Petrobras foi acusado de receber R$ 5,6 milhões em propinas da Multitek Engenharia para favorecer a empresa em pelo menos três contratos e aditivos com a Petrobras, assinados entre 2011 e 2012. O executivo Luís Alfeu Alves, ex-diretor e sócio da construtora, também foi condenado (11 anos e 6 meses de prisão).

Os contratos direcionados somaram R$ 525 milhões e envolveram a construção e montagem de um laboratório de fluídos em Macaé (RJ) e a prestação de serviços no Complexo de Energias Boaventura (antigo Comperj), na Unidade Industrial U-8221 e na Subestação Auxiliar SE-8221. A Petrobras participou do processo como assistente de acusação.

Segundo os procuradores da força-tarefa da finada Lava Jato, os pagamentos foram intermediados por Milton e José Adolfo Pascowitch, operadores de propinas que fecharam acordo de delação com o Ministério Público Federal. A reforma de um apartamento em São Paulo e a compra da escultura Raízes, do artista plástico Frans Krajcberg, também teriam sido propinas.

O juiz Guilherme Roman Borges, da 13.ª Vara Criminal Federal de Curitiba, considerou "integralmente demonstrada a autoria dos fatos imputados". A 13.ª Vara de Curitiba foi o berço da Lava Jato, em 2014, sob titularidade do então juiz Sérgio Moro, hoje senador.

As ações contra Renato Duque são reminiscências do acervo da Lava Jato, que ruiu após decisões do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal. O ministro anulou grande parte dos processos.

"Tenho que plenamente consumado o crime de corrupção passiva relativo à aceitação de promessa e posterior recebimento de vantagem indevida por Renato de Souza Duque, em razão de suas funções como diretor de Serviços da Petrobras. Ainda que o recebimento das vantagens tenha se dado após a saída do acusado da empresa estatal, é certo que os valores recebidos são em referência ao acordo previamente estabelecido com os executivos da Multitek, enquanto Renato Duque ainda ocupava o cargo de Diretor de Serviços", diz a sentença.