A partir de 28 de junho, o Museu Judaico de São Paulo apresenta uma nova temporada expositiva. Duas mostras apresentam as artistas Anna Bella Geiger e Hannah Brandt, que exploram diferentes técnicas para investigar temas como identidade, memória, mudança e criação.
No segundo subsolo, a exposição Anna Bella Geiger — Limiar apresenta um conjunto de cerca de 60 obras, entre gravuras, vídeos, objetos e fotografias documentais. Trata-se da primeira individual da artista — uma das mais importantes da arte brasileira — em um museu judaico. Com curadoria de Priscyla Gomes e Mariana Leme, a mostra se organiza em cinco grandes eixos: espaços, criação-proposição, linguagem, desterritorialização-transposição e imaginação política.
Segundo as curadoras Priscyla Gomes e Mariana Leme, na exposição Limiar “a trajetória de Geiger, iniciada nos anos 1950 e ainda intensamente fértil, é explorada de maneira transversal, evidenciando recorrências temáticas, o emprego de múltiplas linguagens, a exploração de espaços compartilhados para a experimentação e o constante questionamento do estatuto da obra de arte e seu papel político”.
A mostra abarca séries emblemáticas de diferentes períodos – de 1962 a 2025 – tendo como destaque as que exploram a cartografia, o trânsito e as passagens. É a partir dessas séries que a ideia de limiar é investigada, sendo os atravessamentos e as transposições noções centrais na produção da artista. Ao cartografar e transpor, sistemas geográficos se tornaram uma outra natureza da arte, o fazer da geografia um lugar da arte. Geiger possibilita, por meio de um traçado imaginário de meridianos e paralelos, uma reflexão sobre o regional, o local e o global, o presente e o passado, o interior e o exterior, o eu e o outro. Muitos de seus trabalhos tratam diretamente da complexa noção de espaço, ora subvertendo convenções cartográficas, ora tensionando imaginários que organizam hierarquicamente o território e a sociedade.
Estão presentes Fronteiriços, Rrolos-Scrolls, Macios, Pier & Ocean e Rrose Sélavy, mesmo. Um dos destaques é a série Situações-limites (1974) na qual, reproduções fotográficas em preto e branco e inserções manuscritas, criadas no auge da ditadura civil-militar, ecoam a repressão e o autoritarismo de então, ao mesmo tempo em que insinuam um novo porvir.
Em um registro de 1974, Anna Bella Geiger refletiu sobre sua prática artística: “ a imaginação que me ajuda a colocar meus sentimentos, a sentir o ser-sozinho, a dimensionar a angústia da condição humana, a sentir o mistério do universo, do tempo, a procurar os centros, as semelhanças mais que as diferenças, as passagens mais que os contrários, a perceber tudo enfim que povoa meu momento. São estes estados de espírito que tento revelar da maneira que sinto mais eficaz”.
sentimento impresso em gravuras
Simultaneamente, no mezanino, a mostra Hannah Brandt: vejo tudo com o coração, se apresenta como uma homenagem ao centenário da artista, completados em 2023. Com curadoria de Ruth Tarasantchi, a individual propõe um mergulho na trajetória da obra de Brandt, cuja produção consistente explora as possibilidades da gravura. Estão presentes temas como paisagens brasileiras, letras do alfabeto hebraico e outros elementos recorrentes em sua obra. O conjunto de 30 obras, selecionadas diretamente de seu ateliê, inclui parte do acervo doado ao museu após sua morte, em 2020, consolidando-se como a maior coleção dedicada à artista.
Entrando nos compartimentos, no primeiro núcleo são encontradas as gravuras das letras do alfabeto hebraico, como o alef, o bet, o yali, que podem ter seus significados expandidos a partir dos estudos da Cabala. Se vistas de perto, essas obras demonstram uma riqueza de detalhes excepcional para a técnica da gravura. Já no segundo, dedicado às paisagens, sendo estas obras com as quais Hannah Brandt ficou conhecida. Com gravuras policromáticas, os trabalhos em destaque nesta seção denotam a precisão técnica da artista, ao produzir múltiplas matrizes para conferir diferentes efeitos com o uso das cores, como profundidade e volume.
A curadora Ruth Tarasantchi, ressalta que: “Entre seus temas frequentes, estão paisagens brasileiras e letras do alfabeto hebraico. Dizia sempre que transmitia seus “sentimentos para a madeira” e a intimidade com esse material é extrovertida no refinamento técnico e no entalhe acurado, exibindo diferentes veios e texturas típicas da xilogravura. Formas dinâmicas, profundidade e volume, desafios para essa técnica, são encontrados em todos os trabalhos aqui apresentados".
No terceiro núcleo, duas gravuras se relacionam: Menino de Varsóvia (s.d.) e O Engraxate (1969). A primeira parte de uma foto de 1943, tirada durante o Levante do Gueto de Varsóvia. Brandt isola o menino rendido, destacando seu olhar assustado.
Ao lado, a obra e a matriz de O Engraxate sugerem a vulnerabilidade infantil em contextos distintos.
O último núcleo da mostra aborda a tradição judaica. Nele, a artista representa temas como o êxodo, a árvore da vida e a história de Jó.
Em trecho retirado de entrevista ao Núcleo de História Oral do Museu Judaico de São Paulo, realizada em 1998, ela expressa: "o que eu faço, faço de coração, faço o que vem de dentro da minha alma mesmo, o que eu sinto. Sofrimentos ou não, alegrias e tal, é aquilo que eu ponho no quadro, mas para construir o quadro eu preciso das formas e sobreformas, apenas para composição. Eu faço o esboço num instante, assim, do que eu quero dizer, mas daí, para fazer a composição, eu uso as cores, as formas e as sobreformas”.
Museu Judaico de São Paulo exibe obras de Anna Bella Geiger e Hannah Brandt
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