Para um emagrecimento sustentável o fator determinante é manter um déficit calórico consistente, treino regular e manutenção da massa muscular
Treinar ou não em jejum é um tema que sempre gera curiosidade. Para entender se a estratégia é válida ou não, conversamos com os especialistas Ney Felipe, Stefan Gleissner e Priscilla Martins, que vão esclarecer se existem riscos ou benefícios nessa prática.
Para a endocrinologista Priscilla Martins o jejum intermitente pode ser válido em algumas situações. Apesar de ser uma “dieta da moda” é necessário entender que não existe uma grande vantagem no jejum em si e os benefícios da estratégia estão relacionados com a restrição calórica que ela promove. “O JI promove resultado de perda de peso semelhante ao de outros planos alimentares com restrição calórica diária. A perda de peso ocorre pelo déficit calórico e não pelo período de jejum em si. Algumas pessoas com dificuldades para contar calorias ou seguir dietas tradicionais podem se beneficiar com o JI reduzindo a ingestão alimentar diária através do jejum de uma forma mais natural e com menos restrição no período da janela de alimentação”, orienta a médica.
É importante lembrar que existem vários protocolos de JI. Os estudos sugerem maiores benefícios tanto para perda de peso quanto para melhora de perfil metabólico nos protocolos onde a janela de alimentação respeita o ciclo circadiano, ou seja, a pessoa se alimenta no período da manhã e início da tarde e começa o período de jejum antes de anoitecer. Nesse caso, existem evidências de maiores benefícios para perda de peso e melhora da sensibilidade à insulina.
A ideia de treinar em jejum tem o objetivo de aumentar a oxidação de gordura durante o exercício, uma vez que os níveis de insulina estão mais baixos e com menor disponibilidade de glicose, forçando o corpo a utilizar gordura como fonte de energia. “O principal benefício pensando na perda de peso é a facilidade de fazer o déficit energético, ou seja, a pessoa simplesmente não come, mas também tem o seu risco, é necessário adequar a performance, e até se adaptar a pessoa corre o risco de desmaiar”, orienta o nutricionista Ney Felipe Fernandes, Mestre em Biologia Celular e Molecular pela UFPR, professor do curso de Nutrição Funcional na Faculdade UNIGUAÇU.
A combinação de treino e jejum é possível e pode ser positiva para algumas pessoas, mas deve ser feita com cautela. “Outra questão que merece atenção é a possibilidade de catabolismo muscular, quando o corpo, sem nutrientes suficientes, começa a usar a musculatura como fonte de energia. Por isso, é essencial que o treino em jejum seja realizado sob orientação de profissionais com ajustes adequados na ingestão de proteínas e nutrientes no período de alimentação. A palavra chave é individualização. O ideal é ajustar o tipo de treino com o período de jejum ao perfil de cada pessoa”, declara Priscilla Martins, Mestre em Endocrinologia pela UFRJ.
Porém, a literatura científica mostra que isso não necessariamente leva a uma perda de peso significativa a longo prazo, além de ser um perigoso para diversos grupos de indivíduos. “Os riscos incluem a possibilidade de queda de desempenho, fadiga precoce, tonturas, perda de massa muscular e hipoglicemia. A restrição energética prolongada é prejudicial à preservação de massa magra, fundamental no processo de emagrecimento e na manutenção da saúde”, Stefan Gleissner, personal trainer e coordenador de musculação na Bodytech Eldorado.
“É fundamental ressaltar que o jejum não é indicado para crianças e lactantes, e deve ser feito com cautela em pessoas com doenças crônicas, idosos ou pessoas com transtornos alimentares. O acompanhamento de um médico ou nutricionista é fundamental para garantir a segurança da abordagem”, alerta a endocrinologista.
Um estudo publicado em 2016 no Journal of the International Society of Sports Nutrition apontou que o treinamento em jejum aumenta a oxidação de gordura, mas o efeito na perda de peso geral pode ser semelhante ao treinamento em estado alimentado quando o déficit calórico é controlado. Diversos outros artigos também alertam para o fato de que o emagrecimento saudável e sustentável a longo prazo está relacionado a fatores como: o balanço energético por meio de uma dieta alimentar adequada ao indivíduo e a adoção de um estilo de vida saudável com a prática de exercícios físicos.
Outra dúvida recorrente é se treinar em jejum afeta o desempenho físico. A resposta é sim. Todos os especialistas concordam que realizar a rotina de exercícios sem comer impacta diretamente na performance, levando à fadiga precoce e diminuição da capacidade de resistência e força.
A longo prazo essa redução de desempenho impacta negativamente nos resultados, já que a intensidade e a carga de treinamento são fatores importantes para a evolução física e para a queima de gordura. Em 2018, o estudo da Sports Medicine mostrou que o treinamento em jejum pode reduzir o desempenho em atividades de resistência e força, principalmente em exercícios com duração superior a 60 minutos.
“Na literatura científica não há evidências robustas que indiquem que treinar em jejum seja mais eficaz para a perda de gordura visceral ou subcutânea especificamente. Alguns estudos sugerem que a oxidação de gordura pode ser ligeiramente maior durante o treino em jejum, mas a perda de gordura corporal total, incluindo gordura visceral e subcutânea, está mais ligada ao balanço energético geral do que ao estado alimentado ou de jejum durante o exercício. Já outra pesquisa publicada no British Journal of Nutrition, em 2014, enfatizou que o déficit calórico é o fator determinante para a perda de gordura”, comenta Gleissner.
O nutricionista Ney Felipe costuma dizer que no emagrecimento só existe uma regra: o paciente. “Se é o jejum intermitente se encaixa na rotina da pessoa, se essa é a estratégica que vai garantir a aderência, esse é o caminho que deve ser seguido. O importante é entender que se ele vai emagrecer ou não depende do contexto. Não adianta o paciente ficar 16 horas em jejum e nas oitos horas de janela de alimentação, comer o equivalente a três dias, ou seja, ingerir uma quantidade energética além do necessário. Muito mais que o período em jejum, o momento alimentado deve ser estratégico”.
Para um emagrecimento sustentável o fator determinante é um déficit calórico consistente, treino regular e manutenção de massa muscular. O jejum pode ajudar no gerenciamento do consumo diário de calorias para algumas pessoas, mas sintomas como fadiga, perda de desempenho ou até aumento do apetite, podem prejudicar a consistência no progresso dos resultados.
Métodos como um controle calórico e nutrição individualizados e periodização adequada de treinos podem ser mais eficientes para a maioria das pessoas, principalmente por serem estratégias que garantem a preservação e ganho de massa muscular e adesão ao longo do tempo.
“O processo de jejum varia de pessoa para pessoa e é interessante passar por um período de adaptação: espaçando gradativamente o tempo alimentado do tempo de treino. Por exemplo, ele começa treinando 3 horas após se alimentar, depois treinando 4 horas após ele ter se alimentado, 5, 6, 7 horas, e assim ele aprende a ajustar um jeito que seja dele, geralmente faço essa adaptação para facilitar a rotina de cada paciente”, orienta Fernandes.
É fundamental ficar alerta ao sentir: tonturas, sensação de desmaio, dores de cabeça, fadiga extrema, hipoglicemia, perda de foco, náusea e irritabilidade podem mostrar que o corpo está com dificuldades de adaptação e que existe a necessidade de ajustar o protocolo de jejum. “É importante monitorar esses sinais, pois podem indicar risco de hipoglicemia ou sobrecarga do sistema nervoso, especialmente em indivíduos não acostumados a treinar em jejum”, pontua o profissional de Educação Física.
Pessoas com hipoglicemia ou diabetes descontrolado, indivíduos com histórico de distúrbios alimentares, gestantes, lactantes, atletas de alta performance ou pessoas com condições metabólicas que afetam o equilíbrio de energia são grupos que devem evitar a prática do treinamento em jejum.
“Atletas de alta performance que estão acostumados com a dieta e às vezes vão ao nutricionista e o profissional simplesmente quer colocar algo diferente e sem necessidade, é necessário ter muito cuidado. Geralmente, atletas de alto rendimento e de elite tendem a ser grupos que não devem aderir ao jejum intermitente para não comprometer a performance. Outros grupos que precisam ficar longe deste tipo de opção são as pessoas extremamente sedentárias e aquelas que esporadicamente realizam algum tipo de atividade física, pois são indivíduos que precisam de um combustível antes do treino”, finaliza o nutricionista.
Treino em jejum vale a pena? Especialistas respondem quais são os benefícios e os riscos da prática
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