Delator entrega áudios ao MPF sobre pagamento 'religioso' de propinas a ex-prefeito de Canoas

Política
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Áudios entregues por um delator ao Ministério Público Federal lançam suspeitas sobre o ex-prefeito de Canoas, na Grande Porto Alegre, Luiz Carlos Busato - atual deputado federal e presidente do União Brasil no Rio Grande do Sul - em um esquema de propinas. Nas gravações, Busato pede o pagamento "religioso", mensal, de uma parte de propinas e reclama de uma proposta para a quitação de outros valores em 30 parcelas. "Trinta meses não tem como. Acho que não tem condições de pagar os R$ 3,9 milhões, até concordo contigo, agora vamos ser mais coerentes."

Em nota, o deputado afirma que a gravação tem "origem desconhecida e conteúdo falso" a respeito de um processo em que não é citado ou sequer é réu. "Contratamos advogados e estamos estudando todas medidas cabíveis para tratar na Justiça deste tema que surge, curiosamente, na última semana da eleição", afirma.

O filho de Busato, Rodrigo, é candidato a vice-prefeito de Canoas. Airton Souza (PL) é o candidato a prefeito.

Os áudios foram entregues à Procuradoria pelo médico Cassio Souto Santos, ex-diretor do Grupo de Apoio à Medicina Preventiva e à Saúde Pública, entidade que mantinha contrato com a prefeitura de Canoas na gestão Busato. Ele foi preso em 2018, alvo principal de uma operação do Ministério Público gaúcho contra desvios em um contrato de R$ 1 bilhão da área da saúde de Canoas.

Cassio fechou acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal, homologado pelo Superior Tribunal de Justiça, Corte que detém competência para processar investigados com foro privilegiado. É no bojo dessa colaboração que os áudios que citam Busato foram apresentados à Justiça. As gravações foram feitas pelo próprio Cassio durante encontros que teve com o então prefeito.

Nos áudios, Busato pede a Cassio que "cumpra o que é mais sagrado" entre eles: o "nosso compromisso". Os dois tratam do suposto pagamento de propinas que o médico estaria devendo. Cassio sinaliza que só poderia pagar os valores após receber valores correspondentes a 'outras dívidas'.

Nos áudios também é citado o então chefe de gabinete de Busato, Germano Dalla Valentina.

"Quando nós chegamos na situação da dívida, lá, diretamente com o Germano, o que que nós falamos aí. Germano, estava para sair, praticamente, eu sei que depender do banco. Eu preciso, para que eu possa terminar de zerar com vocês, nós tínhamos feito a conta, estava faltando R$3.900.000 ou alguma coisa assim. Eu preciso receber as dívidas para isso estar resolvido", diz Cassio em uma gravação.

Busato tenta mostrar empatia com o médico. "Então, o que eu enxergo, Cassio? Eu sei que tu está falando me pagar a dívida, não foi isso que eu acertei com o Germano, não foi isso que eu mandei acertar com você. Eu autorizei aumentar pra que você tivesse um fôlego, parasse o problema também porque o que atinge vocês, atinge nós. Nós somos parceiros, nós estamos aqui, nós somos dois irmãos. Os caras te cravam um prego no teu ombro, dói em mim, aqui também no meu."

No mesmo diálogo, Busato cobra o pagamento "religioso" do que os investigadores suspeitam ser um mensalinho. "Em torno de mais ou menos 800 é o do mês. Isso é religioso para resolver daqui para frente. O do mês é certo, nem vou botar número aqui. Isso vai ser religioso. É combinado", diz.

Em seguida, eles passam a tratar do pagamento de outros montantes devidos. "Eu entendo, viu Cassio, que vocês não têm condições de pegar R$ 3,9 milhões. Oh tá aqui e vamos partir. Porque até não sei se, já que passamos vários meses 16 e pouco, 16 e pouco, 16 e pouco de repente entrou R$ 3 milhões e pouco talvez até tenha condições."

"O que que o Xaxá (secretário Alexandre Bittencourt) vem me trazer e o Germano: 'não, o cara se comprometeu'. Então, de agora, em diante, ele vai pagar o do mês, não vai deixar atrasar o do mês, se não esse troço vira uma bola de neve, não tem mais como buscar. E propor pagar em 30 parcelas 120. Eu disse não. 30 meses não tem como. Cassio acho que não tem condições de pagar os R$ 3,9 mi até concordo contigo, agora vamos ser mais coerentes", afirma o ex-prefeito em outro trecho da conversa.

"Vamos espichar. O Germano propôs quatro vezes, talvez quatro vezes seja realmente uma coisa meia pesada, mas vamos chegar num número que dê pra fazer. Eu sei que vai ter que ter um pouquinho de sacrifício, vai, mas porra, nós também tivemos boa vontade e aumentamos de 16 pra 21. É isso que quero tentar acertar contigo numa boa. Não dá em quatro meses, mas também não dá para ser em 30. Acertar 6 meses, 8, 10 meses...", insistiu.

A negociação sobre as parcelas seguiu. Busato se revela incomodado. "Em vez de 30, o que tu consegue fazer? Tu vai me dizer, não, consigo fazer 20. Independente do pagamento da dívida dos 30 e poucos, o que que tu consegue fazer. O que além do mês tu consegue colocar?".

A resposta de Cassio não foi promissora. "Prefeito é muita coisa, eu não consigo. Eu preciso receber a dívida até mesmo porque eu tenho parceiro na operação, fica arriscado, não dá."

Nos áudios aos quais o Estadão teve acesso, Busato diz que "não pode ficar aqui a cada peido da Polícia Federal", em suposta referência a quebras no cronograma dos pagamentos, e trata da operacionalização dos repasses, inclusive citando o transporte das supostas propinas em um avião.

"Só que agora nós temos que ter uma segurança. É, eu, sinceramente, eu estou assustado, estou assustado, não é só isso aqui não. Está muito complicado. Você imagina, você bota 800 reais dentro de um avião, e me pegam com o avião", afirmou.

Busato diz que o "caminho" é através de "terceiros" ou de "compras", "algo dessa maneira".

COM A PALAVRA, LUIZ CARLO BUSATO

Trata-se de uma gravação de origem desconhecida e de conteúdo falso a respeito de um processo em que não sou citado e não sou réu. Já contratamos advogados e estamos estudando todas medidas cabíveis para tratar na Justiça deste tema que surge, curiosamente, na última semana da eleição.

COM A PALAVRA, CÁSSIO SOUTO SANTOS

Até a publicação deste texto, reportagem buscou contato com a defesa do delator, mas sem sucesso. O espaço está aberto para manifestações.

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Países do Brics reunidos em Kazan, na Rússia, fecharam na manhã desta terça-feira, 22, um acordo a respeito da lista de países que devem ser convidados para o plano de expansão do grupo de emergentes do Sul Global, movimento patrocinado por Rússia e China.

Nicarágua e Venezuela, ditaduras latino-americanas de quem o governo Lula tem buscado se afastar após anos de proximidade ideológica, ficaram de fora da lista de potenciais novos membros, a pedido do governo brasileiro. Cuba e Bolívia foram convidados. Fecham a lista Indonésia, Malásia, Uzbequistão, Casaquistão, Tailândia, Vietnã, Nigéria, Uganda, Turquia e Belarus.

A seleta de países foi fechada em nível de negociadores - diplomatas e ministros - e será levada para aval dos líderes, os chefes de Estado e de governo que se reúnem a partir desta quarta-feira, dia 23. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai participar por videoconferência, depois de ter cancelado a viagem à Rússia por causa de um acidente doméstico e de um ferimento na cabeça.

Os russos sondaram os demais membros do Brics sobre um total de 33 países que se candidataram formalmente e estava sobre a mesa em Kazan. Segundo negociadores do Itamaraty, a delegação brasileira bloqueou as ditaduras de Daniel Ortega e de Nicolás Maduro seguindo instruções de alto nível diretas de Brasília, ou seja, do próprio Lula. Outros países sofreram objeções, como o Paquistão, rival histórico da Índia.

De surpresa, Nicolás Maduro desembarcou em Kazan na noite desta terça-feira, horas depois de o acordo ter sido fechado entre as delegações e sherpas - o que inclui, além da criação da categoria de países parceiros, os termos do documento final da cúpula, a Declaração de Kazan, cujo rascunho tinha 106 parágrafos. Antes, a Venezuela estava sendo representada pela vice-presidente Delcy Rodríguez. Um integrante da equipe brasileira relatou clima de "surpresa geral" com a chegada do chavista.

A presença de Maduro em Kazan - ele era convidado de Putin - pode indicar um esforço político para reverter o revés. Ele contava com a simpatia de russos e chineses para ser admitido como membro.

Diplomatas brasileiros são céticos sobre a possibilidade de uma reviravolta - depois de um consenso ter sido alcançado - e lembram que os próprios russos sabem da atual irritação de Lula com o chavista e do esgarçamento das relações. No entanto, reconhecem que pode ocorrer mudança no cenário, uma vez que a cúpula não se encerrou ainda e que a instância decisória máxima é a reunião de líderes.

Após o acordo fechado, a ideia do Brics era não anunciar os novos membros imediatamente, embora os russos queiram concluir o processo de associação de forma célere. A presidência da Rússia ficou de consultar se os 12 países se comprometem com os critérios de expansão, princípios e regras do Brics para chegar a pelo menos dez membros novos.

A intenção era evitar constrangimentos como a demora da Arábia Saudita em formalizar a adesão e a recusa formal da Argentina de Javier Milei, após os convites anunciados durante a expansão do ano passado.

Esses países não se tornarão membros "plenos" do Brics, como os atuais - Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito, Etiópia e Irã. A ampliação acertada nesta terça na Rússia cria uma nova categoria de associação, os chamados países "parceiros".

Segundo o Itamaraty, entre as condições avaliadas estavam relevância política, equilíbrio na distribuição regional dos países, alinhamento à agenda de reforma da governança global, inclusive do Conselho de Segurança da ONU, rejeição a sanções não autorizadas pelas Nações Unidas no âmbito do conselho, e relações "amigáveis" com todos os membros.

Como o Brasil era avesso à nova ampliação, diplomatas brasileiros na Rússia incluíram nas negociações ,como contrapartida, uma menção à reforma do Conselho de Segurança da ONU, uma antiga reivindicação do País e também das diplomacias indiana e sul-africana. Como de praxe, o Brics aborda o assunto nas declarações finais que resumem debates e acordos do bloco.

No entanto, desta vez - por causa da composição heterogênea dos negociadores à mesa após a ampliação de 2023 - houve resistências de egípcios e mudanças na redação. O nível de consenso foi mais baixo a respeito da reforma do conselho, embora ainda sinalize apoio ao pleito brasileiro, relatou um diplomata.

O Brasil era contra a entrada da Nicarágua no grupo. Lula e o antigo aliado, Daniel Ortega, se afastaram depois que o Brasil tentou interceder por religiosos católicos perseguidos pela ditadura sandinista. O embaixador brasileiro em Manágua foi expulso do país em agosto.

Na segunda-feira, o embaixador Celso Amorim, assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, indicou que era contra a entrada da Venezuela no bloco. "Há um excesso de nomes colocados à mesa. O Brics tem que conservar a sua essência de países expressivos e com influência nas relações internacionais. Não estou diminuindo os outros países [candidatos], mas para isso tem a ONU e o G-77", afirmou o embaixador.

As históricas relações entre Lula e o chavismo também estão estremecidas desde a eleição de julho, permeada por denúncias de fraude. Até agora, o governo brasileiro não reconheceu a vitória autodeclarada do ditador venezuelano. Recentemente, aliados de Maduro chegaram a dizer que o presidente seria um agente da CIA a serviço dos EUA.

As Forças Armadas de Israel (IDF) afirmaram nesta tarde que um importante líder do Hezbollah, que era cotado para ser o novo chefe do grupo, morreu em um ataque israelense ocorrido há cerca de três semanas em Beirute, no Líbano.

Hashem Tzipi Al-Din era chefe do conselho executivo e primo de Hassan Nasrallah, e foi confirmado como morto hoje pela inteligência israelense. Segundo o IDF, além dele, outros importantes nomes do Hezbollah foram neutralizados neste mesmo ataque.

O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, afirmou que o país tem informações sobre uma possível preparação de duas brigadas da Coreia do Norte com cerca de 6.000 soldados cada, totalizando 12.000 enviados, para ajudar a Rússia na guerra contra a Ucrânia. Em vídeo publicado nesta terça-feira no X, antigo Twitter, ele disse que a situação é um desafio, mas que sabe como responder.

"O importante é que nossos parceiros não fechem os olhos para isso", citou ao agradecer os países que condenam o envolvimento dos norte-coreanos no conflito. "Está claro que em Pyongyang, assim como em Moscou, eles não valorizam a vida humana".

Zelensky ainda demonstrou que busca o fim da guerra e que não possui interesse em prolongá-la, o que, para ele, é mais um motivo para condenar as ações da Coreia do Norte. "Os agressores devem ser parados. Esperamos uma resposta firme e concreta do mundo".