Dino rejeita alegações da Câmara sobre emendas e mantém impasse institucional

Política
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Autor da decisão que suspendeu o pagamento de R$ 4,2 bilhões em emendas parlamentares, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino afirmou ontem que a Câmara dos Deputados não apresentou as informações necessárias para o desbloqueio dos recursos e reiterou os questionamentos e críticas feitos anteriormente às transferências. O assunto é motivo de impasse institucional e um embate entre Legislativo e Judiciário.

Mais cedo, a Advocacia da Câmara havia enviado um documento ao STF no qual afirmava ter cumprido as determinações da Corte e solicitava a liberação dos recursos. A argumentação da Casa foi a de que os parlamentares agiram de "boa-fé", respeitando a legislação vigente e as interpretações jurídicas do Executivo, e que a aprovação das emendas ocorreu de forma transparente. No dia anterior, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já tinha se manifestado no mesmo sentido. Ele se reuniu com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e líderes partidários.

Dino, no entanto, considerou essa primeira resposta dos deputados insuficiente. "Lamentavelmente, da petição hoje (ontem) protocolada pela Câmara dos Deputados não emergem as informações essenciais", disse ele. Diante da falta de dados "imprescindíveis", o ministro havia concedido mais um prazo para que a Câmara se manifestasse - a Casa tinha até as 20h de ontem para entregar novas respostas.

À noite, Câmara informou ao Supremo que agiu "sob orientação jurídica" de pastas do governo Lula ao indicar os R$ 4,2 bilhões em emendas apadrinhadas por 17 de líderes de bancada. Defendeu, ainda, a legalidade no procedimento. "Daí o estranhamento de que apenas a Câmara esteja participando neste momento de diálogo institucional com a Suprema Corte, para fins de aprimoramento do processo orçamentário das emendas parlamentares, quando a competência para a matéria é do Congresso Nacional, quando o Senado adotou rito rigorosamente idêntico ao da Câmara dos Deputados e quando ambas as Casas se limitaram a seguir orientações técnicas prévias do Poder Executivo, para fins de mero encaminhamento de indicações que sequer são impositivas", diz a manifestação assinada pela Advocacia da Câmara.

Segundo o documento, a orientação jurídica partiu dos ministérios da Fazenda, do Planejamento e da Gestão, além da Secretaria de Relações Institucionais, da Casa Civil e da Advocacia-Geral da União. "Caso não houvesse a orientação em questão, não haveria qualquer ofício de indicação."

SUSPENSÃO

Na última segunda-feira, Dino bloqueou R$ 4,2 bilhões em emendas de comissão - o pagamento estava previsto para até o fim do ano - com base no entendimento de que elas não atenderam aos critérios de transparência e rastreabilidade e descumpriram decisões do STF. Ele condicionou o desbloqueio à identificação dos parlamentares responsáveis pelas indicações.

Ontem, ao cobrar novas explicações, Dino rejeitou o argumento da Câmara sobre a distinção entre "aprovação" e "indicação" de emendas. Segundo ele, não há base normativa que justifique a alegação de que a destinação de recursos por uma comissão permanente da Casa não precise de uma aprovação formal.

"Lembro que não existem, no ordenamento jurídico pátrio, 'emendas de líderes'. A Constituição Federal trata exclusivamente sobre 'emendas individuais' e 'de bancada', enquanto que as 'emendas de comissão' são reguladas pela Resolução n.º 001/2006, do Congresso Nacional, e, mais recentemente, pela Lei Complementar n.º 210/2024", afirmou ele.

As emendas bloqueadas por Dino são do tipo RP-8, conhecidas como emendas de comissão. Essas emendas são indicadas por um ou mais parlamentares a cada comissão permanente, que as aprova. Contudo, o conjunto de emendas aprovado pela Câmara e enviado no último dia 12 ao governo federal - responsável pela execução dos recursos - não identifica os parlamentares que fizeram as indicações. Em vez disso, 17 líderes de bancada aparecem no ofício como os responsáveis pelas emendas.

No primeiro documento encaminhado ontem ao Supremo, Lira já havia dito que o procedimento adotado, com a assinatura de 17 líderes de bancadas, foi considerado legal e respaldado por órgãos e ministérios do governo Lula. A Câmara destacou que o ofício encaminhado ao Executivo ratificou as indicações de emendas já aprovadas pelas comissões, e não serviu para a "criação ou aprovação de novas emendas à revelia das comissões".

'EMENDA DE LÍDER'

Para Dino, porém, essa prática do "apadrinhamento" é inconstitucional, pois cria uma nova modalidade, as "emendas de líderes", o que foi rechaçado pelo ministro. Além disso, de acordo com o magistrado, o artifício dificulta a identificação dos verdadeiros autores das emendas, violando os princípios de transparência e de rastreabilidade.

"Aproxima-se o final do exercício financeiro, sem que a Câmara forneça as informações imprescindíveis, insistindo em interpretações incompatíveis com os princípios constitucionais da transparência e da rastreabilidade, imperativos para a regular aplicação de recursos públicos."

O STF havia liberado a execução das emendas no início de dezembro com a condição de que os pagamentos seguissem regras de transparência e controle público. A Câmara, porém, manteve o regime de apadrinhamento por meio dos líderes das bancadas, em um mecanismo que continuou ocultando os parlamentares por trás das indicações. Por ordem de Dino, a Polícia Federal abriu um inquérito para investigar a "captura" de emendas.

GRANJA DO TORTO

Ainda ontem, Lula se reuniu com o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), favorito para suceder a Lira no comando da Câmara em 2025. O encontro, que não constou da agenda oficial do presidente, tratou de vários assuntos, dentre eles o impasse das emendas envolvendo STF e Congresso, segundo apurou o Estadão/Broadcast.

A reunião foi realizada na Granja do Torto, uma das residências oficiais da Presidência. Além de Motta, participaram o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE). O clima do encontro foi amistoso. Desde que Lira anunciou Motta como seu sucessor, Lula não havia convidado o paraibano para uma reunião particular. (Colaborou Sofia Aguiar)

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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O Ministério das Relações Exteriores de Israel afirmou que a decisão do governo brasileiro de aderir a uma ação que acusa o país de cometer genocídio na Faixa de Gaza demonstra uma "profunda falha moral" do Brasil.

"A decisão do Brasil de se juntar à ofensiva jurídica contra Israel na CIJ (Corte Internacional de Justiça), ao mesmo tempo em que se retira da IHRA (Aliança Internacional para a Memória do Holocausto), é uma demonstração de uma profunda falha moral", afirmou o Ministério das Relações Exteriores de Israel em registro no X nesta quinta-feira, 25.

"Numa época em que Israel luta por sua própria existência, voltar-se contra o Estado judeu e abandonar o consenso global contra o antissemitismo é imprudente e vergonhoso", disse o comunicado.

O governo brasileiro anunciou, na quarta-feira, 23, que está em fase final para submissão de intervenção formal no processo em curso na Corte Internacional de Justiça, movido pela África do Sul com base na Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio.

"A decisão fundamenta-se no dever dos Estados de cumprir com suas obrigações de Direito Internacional e Direito Internacional Humanitário", informou o Ministério de Relações Exteriores.

"O Brasil considera que já não há espaço para ambiguidade moral nem omissão política. A impunidade mina a legalidade internacional e compromete a credibilidade do sistema multilateral", observou o ministério, citando os recorrentes episódios de violência contra a população civil no Estado da Palestina, que não se restringem à Faixa de Gaza, mas se estendem à Cisjordânia.

Soldados da Tailândia e do Camboja entraram em confronto em diversos pontos da fronteira disputada entre os dois países nesta quinta-feira, 24. Segundo informações de autoridades tailandesas, 11 civis e um soldado morreram durante o conflito.

Ambas as nações se acusaram de atacar primeiro. O Exército tailandês disse que o Camboja disparou foguetes contra áreas civis em quatro províncias tailandesas, levando a Tailândia a atacar com caças F-16 e drones contra alvos no Camboja e ordenar o deslocamento de civis das áreas de fronteira.

As autoridades do Camboja afirmaram que soldados tailandeses abriram fogo primeiro contra tropas do país do sudeste asiático no templo de Prasat Ta Muen Thom, local reivindicado por ambas as nações. As forças cambojanas revidaram cerca de 15 minutos depois.

Tensões

As tensões começaram no final de maio após a morte de um soldado cambojano em um confronto na fronteira entre tropas de ambos os lados. A disputa escalou na quarta-feira, 23, quando um soldado tailandês perdeu a perna em uma explosão de mina terrestre na fronteira.

O incidente fez com que a Tailândia expulsasse o embaixador do Camboja no país e retirasse o seu embaixador do país vizinho.

As autoridades tailandesas alegaram que as minas foram recentemente colocadas em locais que ambas as partes haviam concordado que deveriam ser seguros. Eles disseram que as minas eram de fabricação russa e não do tipo empregado pelo Exército da Tailândia.

O Camboja rejeitou a versão tailandesa como "acusações infundadas", apontando que muitas minas não detonadas e outras munições são um legado de guerras e distúrbios do século 20.

Conflito

Os vizinhos do Sudeste Asiático têm disputas de fronteira de longa data que periodicamente escalam ao longo de sua fronteira de 800 quilômetros e geralmente resultam em confrontos breves que envolvem trocas de tiros.

Em 2011, uma semana de confronto entre os dois países levou à morte de 15 pessoas, incluindo civis, e fez com que milhares de pessoas tivessem que ser deslocadas.

Segundo o porta-voz do ministério da Defesa da Tailândia, Surasant Kongsiri, os Exércitos dos dois países estavam em confronto em seis áreas ao longo da fronteira.

Crise política

O confronto com o Camboja mergulhou a Tailândia em uma crise política. No começo de julho, o Tribunal Constitucional da Tailândia suspendeu a primeira-ministra Paetongtarn Shinawatra em meio uma investigação ética de que ela teria sido excessivamente deferente a um oficial cambojano durante discussões sobre o conflito na fronteira.

A conversa telefônica foi vazada ao público e levou a insatisfação dos tailandeses com a maneira que a política estava lidando com a situação.

Depois dos incidentes desta quinta-feira, Paetongtarn Shinawatra, que permanece como líder do partido governante do país, condenou o que chamou de agressão cambojana. Ela disse nas redes sociais que forças do Camboja "iniciaram o uso de armas e atiraram em território tailandês - afetando tanto oficiais quanto civis inocentes."

Já o primeiro-ministro do Camboja, Hun Manet, afirmou em um comunicado que seu país "não teve escolha a não ser responder com força armada contra essa invasão".

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China

O confronto entre a Tailândia e o Camboja apresenta uma possível abertura diplomática para a China, que tem aumentado sua influência econômica e política em ambos os países em um momento em que governos no Sudeste Asiático estão se tornando cada vez mais cautelosos em relação aos Estados Unidos.

Pequim é o maior parceiro comercial de ambos os países e investiu pesadamente em infraestrutura em cada um. Na Tailândia, a China está ajudando o governo a construir uma ferrovia para conectar Bangcoc e o sudoeste da China. No Camboja, Pequim está construindo um enorme aeroporto e financiou a construção de prédios governamentais e a primeira via expressa do país.

Um porta-voz do ministério das Relações Exteriores da China, Guo Jiakun, disse nesta quinta-feira que Pequim estava "profundamente preocupada" com os conflitos e vinha trabalhando para facilitar as conversas entre os dois lados. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)

Líderes extremistas e colonos judeus se reuniram no Parlamento de Israel, na terça-feira, para discutir a expulsão dos palestinos, a anexação de Gaza e a transformação do território em um "paraíso de luxo" e alta tecnologia exclusivamente para os israelenses. O encontro foi relatado nesta quinta-feira, 24, pelo jornal britânico The Guardian, que teve acesso ao projeto.

A ideia em discussão prevê uma "expulsão voluntária" de palestinos da Faixa de Gaza para a construção de 850 mil unidades habitacionais e um moderno sistema de metrô que atravessa o território. A inspiração é ideia do presidente dos EUA, Donald Trump, que em fevereiro sugeriu transformar Gaza na "Riviera do Oriente Médio". "O direito do povo de Israel de se estabelecer, desenvolver e preservar esta terra não é apenas histórico - é uma obrigação nacional e de segurança", diz o texto do projeto.

O plano é rejeitado pelos palestinos, que reivindicam o Estado da Palestina. O maior obstáculo de Israel é o que fazer com 2 milhões de moradores no território. Daniella Weiss, líder dos colonos, afirmou ao Guardian o que considera solução. "Os habitantes de Gaza não ficarão lá. Eles irão para outros países", disse ela ao jornal. Os palestinos, ela sugeriu, seriam realocados para o Egito e "países africanos", sem especificar quais.

Weiss garante ter uma lista de 1.000 famílias israelenses que já se inscreveram para viver em Gaza. "Meu plano é transformar o território em um paraíso, torná-la uma Cingapura", afirmou. Entre os participantes da reunião de terça-feira estava o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, peça-chave da coalizão do premiê, Binyamin Netanyahu.

O primeiro-ministro nega a intenção de anexar Gaza, mas seu ministro da Defesa, Israel Katz, sugeriu a construção de uma "cidade humanitária" no sul do território, onde seriam confinados mais de 600 mil palestinos, que seriam autorizadas a sair apenas para outros países.

Especialistas consideraram o plano um exemplo de limpeza étnica e crime contra a humanidade. O próprio Exército israelense rejeitou a ideia, afirmando que seria um pesadelo para a segurança de Israel. Ativistas dos direitos humanos dizem que a expulsão dos moradores de Gaza poderia ser considerada como deslocamento forçado mesmo que os palestinos saíssem por conta própria.

"Quando uma força de ocupação retém alimentos, e esse ambiente coercitivo não deixa outra escolha à população a não ser se deslocar, isso pode constituir um crime de guerra", disse ao Guardian Janina Dill, pesquisadora da Universidade de Oxford.