Chanceler indica que ganhou sobrevida no governo Bolsonaro

Política
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O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, indicou a auxiliares, nesta sexta-feira, dia 26, que ganhou "sobrevida" no cargo, apesar da intensa cobrança para que renuncie ou para que o presidente Jair Bolsonaro o demita. Araújo e o assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência, Filipe Martins, viraram alvos do Congresso, mas têm suporte do clã Bolsonaro.

O chanceler participou durante a manhã da reunião de 30 anos do Mercosul, ao lado de Bolsonaro. Ele tem conversado com o presidente sobre as cobranças de políticos do Centrão, sobretudo da cúpula do Congresso, de militares e empresários, para que seja substituído. Nesta sexta-feira, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), recebeu a visita de Bolsonaro e reiterou críticas à condução das Relações Exteriores.

"Consideramos que a política externa do Brasil ainda está falha", afirmou Pacheco. "Precisa ser corrigida, melhorar a relação com os países, inclusive com a China. Para além do desempenho pessoal do ministro, vamos falar sobre ideias, comportamentos, e isso precisa melhorar. Com ministro A ou B, o que importa é que funcione."

Diplomatas ouvidos pela reportagem afirmam que Araújo continua trabalhando, na tentativa de baixar a poeira e delimitar as responsabilidades do Itamaraty diante das cobranças pela escassez de vacinas. O ministro que obter resultados concretos e propagandear a chegada de insumos vindos da China para fabricação de 32 milhões de doses de vacina pela Fiocruz.

Araújo recebeu nesta sexta-feira o novo embaixador russo em Brasília, Alexey Labetskiy, que lhe trouxe convite do chanceler Segey Lavrov para visitar o país.

Parte da equipe de Araújo entende que o titular de Relações Exteriores virou um para-raio e sofre lobby contrário de chineses, que intensificaram o diálogo direto com o Congresso e reclamaram dele para o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL).

O ministro nega ter problemas com a China, mas no ano passado se envolveu em crises diplomáticas com o embaixador Yang Wanming e disse ao Estadão que ele mesmo acionou Pequim para reclamar do representante do país em Brasília. Segundo fontes do Itamaraty, a embaixada brasileira foi instruída a pedir a retirada de Wanming, mas a chancelaria chinesa ignorou. Araújo nunca negou, mas se recusa a detalhar o pedido.

Bolsonaro chegou a orientar Martins - investigado pela Polícia Legislativa por causa de um gesto interpretado como expressão da "supremacia branca" - a tentar acalmar os ânimos diretamente com os senadores que cobraram sua cabeça. Martins já foi avisado de que deve ser afastado do Palácio do Planalto e busca apoio entre militantes e setores da comunidade judaica, na tentativa de demonstrar que não cometeu ato de racismo.

No governo circulam opções de destino tanto para Araújo quanto para Martins. O caso do ministro, apesar da intensa cobrança, estaria um passo atrás, de acordo com assessores presidenciais. Uma hipótese avaliada pelo grupo é que Martins seja sacrificado e perca o cargo de assessor internacional para tentar preservar o chanceler.

Ministros próximos a Bolsonaro chegaram a sugerir a ele que deslocasse Araújo para a chefia de sua Assessoria de Assuntos Internacionais. A hipótese é considerada remota, pois soaria como um rebaixamento, que nunca ocorreu com ex-chanceleres. A opção também é considerada sem sentido entre diplomatas, que apostam na transferência de Araújo para alguma missão permanente de órgão internacional, que não dependa de aval do Senado. Há no Planalto quem defenda um político à frente da chancelaria, mas outra ala prefere novamente um diplomata de carreira.

A indisposição com o ministro é quase unânime. O chanceler foi abandonado por líderes do governo durante sessão de debates no Senado, na última quarta-feira, 24. Se Araújo não for trocado agora, senadores ameaçam, nos bastidores, bloquear a agenda do Itamaraty na Casa, responsável por aprovar todas as indicações de embaixadores a postos no exterior, por exemplo.

Na Câmara, o Centrão percebeu que Bolsonaro só demite os ministros quando se vê obrigado, porque o quadro é irreversível. Muitos políticos consideram a situação de Araújo insustentável, mas o presidente não se convenceu disso.

Parlamentares avaliam, ainda, que Bolsonaro tenta ganhar tempo. Em conversa reservada, uma senadora disse ao Estadão que a classe política acabou constatando que, "quanto mais se força a saída de um ministro, mais ele se fortalece". A aposta, agora, é que Araújo será remanejado se houver algum sinal de que sua saída facilitará a obtenção de vacinas nas negociações com a China e os Estados Unidos. Tanto deputados como senadores acreditam que há má vontade desses países com o ministro.

Numa demonstração de prestígio entre militantes conservadores, o chanceler e o assessor internacional motivaram campanhas de apoio nas redes sociais. Esse termômetro é sempre considerado por Bolsonaro, que aposta na comunicação direta com seus apoiadores, nas decisões de governo.

Além disso, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) - filho do presidente mais influente na política externa - saiu em defesa de Araújo e de Martins, atuando como espécie de fiador dos dois. Eduardo disse que Araújo "tem todo o apoio" e ajudou a mudar a imagem do País, que teria passado de "anão diplomático financiador de ditaduras" para "grande parceiro de importantes países".

Bolsonaro também tem prestigiado ministros que se mostram obedientes. Ao Estadão, Araújo afirmou ter afinidade com o presidente e justificou que adota a política externa sob a orientação do chefe.

Na noite desta quinta-feira, 25, a diplomata Maria Eduarda de Seixas Corrêa, mulher do chanceler, publicou nas redes sociais uma mensagem em defesa de Araújo. "Estão tentando transformar meu marido em bode expiatório da República. Patético. Aguente firme, meu amor", escreveu. Maria Eduarda espalhou a campanha #ninguémmexecomernesto entre bolsonaristas de direita.

O chanceler respondeu com uma citação bíblica. "O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta... Assim, permanecem agora estes três: a fé, a esperança e o amor. O maior deles, porém, é o amor".

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A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, propôs nesta terça-feira, 4, um plano de 800 bilhões de euros, nomeado "REARM Europe", para fortalecer as defesas das nações da União Europeia (UE), visando diminuir o impacto de um possível "desengajamento" dos Estados Unidos e fornecer à Ucrânia força militar para negociar com a Rússia, após a pausa da ajuda americana aos ucranianos.

O pacote ainda será apresentado aos 27 líderes da união. Na quinta-feira, 6, os representantes europeus realizarão uma reunião de emergência em Bruxelas para tratar sobre o assunto. "Não preciso descrever a grave natureza das ameaças que enfrentamos", disse von der Leyen. Fonte: Associated Press.

O Ministério das Relações Exteriores, em nota divulgada nesta segunda-feira (3), lamentou a suspensão da entrada da ajuda humanitária na Faixa de Gaza por Israel. "O governo brasileiro deplora a decisão israelense de suspender a entrada de ajuda humanitária em Gaza, que exacerba a precária situação humanitária e fragiliza o cessar-fogo em vigor", diz o texto do Itamaraty.

Israel interrompeu a entrada de todos os bens e suprimentos na Faixa de Gaza no domingo (2) e advertiu sobre "consequências adicionais" caso o Hamas não aceite uma nova proposta para estender o cessar-fogo.

O Itamaraty diz que o Brasil pede a "imediata reversão da medida", recordando que "Israel tem obrigação - conforme reconhecido pela Corte Internacional de Justiça em suas medidas provisórias de 2024 - de garantir a prestação de serviços básicos essenciais e assistência humanitária à população de Gaza, sem impedimentos". A nota afirma ainda que a obstrução deliberada e o uso político da ajuda humanitária constituem grave violação do direito internacional humanitário.

O governo brasileiro defende que as partes promovam o estrito cumprimento dos termos do acordo de cessar-fogo e o engajamento nas negociações "a fim de garantir cessação permanente das hostilidades, retirada das forças israelenses de Gaza, libertação de todos os reféns e estabelecimento de mecanismos robustos para ingresso de assistência humanitária desimpedida, previsível e na necessária escala."

A discussão entre os presidentes dos EUA, Donald Trump, e da Ucrânia, Volodimir Zelenski, na última sexta-feira (28) na Casa Branca levou as relações entre os dois países a um conflito. Ele também causou sério dano a uma aliança no coração da ordem estabelecida depois da Segunda Guerra Mundial: a Otan, a Organização do Tratado do Atlântico Norte.

Trump adotou uma posição que muitos aliados europeus viam como se ele estivesse do lado do presidente da Rússia, Vladimir Putin, ao ignorar as preocupações de segurança de um país amigo que precisa de ajuda do Ocidente. Ele disse que o presidente ucraniano estava perdendo a guerra e "não tinha cartas".

A Otan é baseada na ideia de que os EUA podem usar seu poderio militar, incluindo o arsenal de armas nucleares, para defender qualquer aliado que for atacado. Esta premissa fundamental agora está sendo questionada.

"Eu estou preocupado que estamos nos últimos dias da Otan", disse o almirante aposentado James Stavridis, ex-comandante aliado supremo da Otan. Ele destacou que a aliança "pode não entrar prestes a entrar em colapso, mas eu posso certamente ouvir o ranger mais alto do que em outros tempos em minha longa carreira militar."

No último domingo, 2, Trump publicou uma mensagem na sua plataforma Truth Social: "Devemos dedicar menos tempo nos preocupando com Putin e mais tempo nos preocupando sobre as gangues de imigrantes que cometem estupros, traficantes, assassinos e pessoas que vieram de instituições (de saúde) mental entrando em nosso país - Para que não acabemos como a Europa." A Casa Branca não fez comentários sobre a política do governo dos EUA sobre a Otan.

A força do apoio de Trump à Otan, que foi criticada no passado, continua incerta. Na Casa Branca na última sexta-feira, ele disse "estamos comprometidos com a Otan" e elogiou um país membro, a Polônia, que faz muitos gastos com defesa.

No sábado, dia 1º, Elon Musk, um assessor de Trump que lidera o departamento de eficiência do governo, endossou uma mensagem na plataforma X que defendia a retirada dos EUA da Otan e das Nações Unidas.

Líderes europeus, que confiam na Otan para a segurança de seus países, têm evitado falar publicamente sobre as ameaças à aliança, mas alguns começam a comentar planos alternativos. "Queremos preservar a parceria transatlântica e a nossa força conjunta", comentou no sábado a ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock. "Mas ontem vimos uma vez mais que os europeus não devem ser ingênuos", disse, referindo-se aos eventos ocorridos na Casa Branca na sexta-feira: "Temos que assumir a responsabilidade pelos nossos próprios interesses, nossos próprios valores e nossa própria segurança, pelo bem do nosso povo na Europa."