Comissão libera ex-ministros para atuar na iniciativa privada sem quarentena

Política
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Comissão de Ética Pública da Presidência da República liberou ministros do governo de Jair Bolsonaro para exercerem de imediato atividades em empresas da iniciativa privada que mantêm relação com seus antigos cargos. O colegiado, totalmente controlado por indicados do ex-presidente, dispensou da quarentena três titulares do primeiro escalão de Bolsonaro que, por lei, poderiam receber salários pelos próximos seis meses sem trabalhar, para evitar situações de conflito de interesse.

Ao mesmo tempo, o órgão consultivo decidiu que dez ex-ministros continuarão ganhando salário de quase R$ 40 mil até junho, mesmo sem apresentar proposta concreta de novo emprego. Entre eles está Luiz Eduardo Ramos (Secretaria-Geral). O general da reserva receberá mais agora do que quando estava trabalhando.

Em dezembro, o Congresso reajustou a remuneração de ministro, de R$ 30.934,70 para R$ 39.293,32. Como o aumento foi escalonado, o salário será de R$ 41.650,92 a partir de abril. Luiz Eduardo Ramos vai acumular o benefício com a aposentadoria do Exército. Vencimentos e "penduricalhos" garantirão ao ex-ministro contracheques mensais acima de R$ 100 mil.

Até agora, a Comissão de Ética já liberou da quarentena o ex-deputado Fábio Faria (PP-RN), que comandou o estratégico Ministério das Comunicações no governo Bolsonaro, e Bruno Bianco, ex-advogado-geral da União. Os dois vão trabalhar no BTG Pactual.

Faria começa em março, na área de Relações Institucionais. O ex-titular das Comunicações irá para uma instituição financeira que é a principal acionista da V.tal, empresa de fibra ótica vendida pela Oi no processo de recuperação judicial. A firma detém hoje a maior rede neutra do País e vende capacidade de fibra ótica para outras empresas de telecomunicações, como a TIM e a própria Oi.

Sócio do Pactual, o empresário André Esteves recepcionou Elon Musk na vinda dele ao Brasil, no ano passado, ao lado de Faria, então ministro. Na ocasião, o dono da Tesla, da Space X e do Twitter anunciou sua pretensão de levar internet de alta velocidade às escolas na Amazônia.

Sem ver problemas no cargo a ser ocupado por Faria, a Comissão de Ética vetou apenas o trabalho em empresas de telecomunicação, incluindo a V.tal, e de radiodifusão.

O ex-AGU Bruno Bianco também foi liberado para trabalhar no BTG Pactual, embora o colegiado tenha determinado que ele "deverá se abster, a qualquer tempo, de fazer uso de informação privilegiada". Com isso, Bianco ficará proibido de atuar no Departamento Jurídico do banco por seis meses. Em nota, o BTG afirmou apenas que "busca os melhores" e "contrata conforme a lei".

Privilégio

Outro chefe de pasta estratégica do governo Bolsonaro que não precisou cumprir quarentena foi Marcelo Sampaio. O ex-ministro da Infraestrutura informou ao órgão consultivo que foi convidado para trabalhar na Vale, a gigante da mineração e logística.

A companhia possui ferrovias e portos para exportar pelotas de ferro, níquel, cobre, manganês e ouro. É uma rede de infraestrutura que começa em suas minas, mas depende em parte da malha rodoviária federal.

A Comissão de Ética admitiu que Sampaio, genro do general Ramos, tinha "informações privilegiadas" do governo. Mesmo assim o liberou da quarentena, sob a justificativa de que há "impedimento do consulente a qualquer tempo, e não apenas nos seis meses posteriores ao desligamento do cargo público, de divulgar ou fazer uso de informações privilegiadas".

O voto do conselheiro Francisco Bruno Neto pôs em xeque até a eficiência da própria legislação, que limita o benefício até junho. Sampaio argumentou que seria diretor de Regulação da Vale, um posto voltado à mineração e, segundo ele, sem vínculos com suas atribuições no ministério.

Também dispensado de cumprir quarentena, o ex-presidente da Petrobras Caio Paes de Andrade já está até empregado. Três dias depois de deixar a petroleira, ele foi para a Secretaria de Gestão do governo Tarcísio de Freitas, em São Paulo. A comissão avaliou que Andrade continuaria em cargo de interesse público.

No passado, o colegiado já foi mais rígido. Em 2020, por exemplo, obrigou o ex-ministro da Saúde Henrique Mandetta a cumprir quarentena antes de assumir o cargo de consultor do seu partido, o DEM, hoje União Brasil. À época, Mandetta - que deixou o governo rompido com Bolsonaro - disse ter ficado "perplexo" com a decisão.

Processos

O Estadão/Broadcast identificou os casos de quarentena ao analisar atas de reuniões e 137 processos julgados entre novembro e dezembro do ano passado pela Comissão de Ética Pública, obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).

No total, 54 integrantes do governo Bolsonaro vão receber sem trabalhar por seis meses, sendo dez ex-ministros. Na lista dos que continuam ganhando salário de quase R$ 40 mil também estão Paulo Guedes (Economia) e Joaquim Leite (Meio Ambiente). Os dois não apresentaram propostas formais de emprego.

O benefício é concedido a quem ocupou cargo de ministro, comissionado de níveis 5 e 6 (os mais altos da administração pública federal), além de presidente, vice e diretor de empresas públicas, fundações e autarquias. É o que ficou estabelecido numa medida provisória do então presidente Fernando Henrique Cardoso, em 2001, regulamentada por decreto no ano seguinte.

Em 2013, a então presidente Dilma Rousseff tornou a quarentena remunerada obrigatória em casos de conflito de interesse. "A quarentena é um instituto para preservar segredos de Estado", justificou à época o governo petista. A Comissão de Ética nomeada por Bolsonaro teve um entendimento mais elástico. Em geral, entrou na regra quem não apresentou detalhadamente convite de emprego na iniciativa privada.

Receber salário seis meses sem trabalhar nem sempre agrada. Entre os beneficiados, há quem queira manter o vencimento. Outros, porém, desejam se ver livres da exigência de cumprir a quarentena para aceitar propostas na iniciativa privada, onde os salários são mais altos.

Guedes declarou à comissão interesse em manter atividades de administração, gerir fundos de investimento e empreender na área financeira. O colegiado entendeu que o ex-ministro manejou informações "altamente estratégicas" e impôs a quarentena, embora ele não tenha indicado proposta concreta de trabalho. Guedes não chegou a consultar a comissão sobre o convite para presidir o Conselho Econômico de São Paulo, a ser criado pelo governador Tarcísio de Freitas, seu ex-colega de governo federal.

Férias

O ex-ministro do Meio Ambiente Joaquim Leite também terá de cumprir a exigência. Leite afirmou à reportagem que tem aproveitado a quarentena como "férias" e só está "tomando café" em casa. "Estou desenhando o que vai ser o futuro. Devo montar algo na linha de tecnologia verde", disse.

Luiz Eduardo Ramos, por sua vez, não quis responder se recebeu alguma proposta de emprego na iniciativa privada que justifique ter solicitado entrar no programa de quarentena. Outro que busca o benefício é o ex-ministro da Saúde Marcelo Queiroga, criticado pela CPI da Covid por manter a política antivacina e a inércia que marcaram a gestão do antecessor Eduardo Pazuello, general eleito deputado pelo Rio.

"Vou continuar atuando em defesa do Sistema Único de Saúde e das agendas que iniciei no ministério", declarou Queiroga ao Estadão/Broadcast. A decisão sobre sua consulta ainda não foi divulgada pelo governo. No período em que ele chefiou a pasta, a covid matou 392 mil brasileiros. O número chegou a 693 mil em todo o governo passado.

Entre os ex-ministros de Bolsonaro que não buscaram a quarentena está o general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional. A atuação do GSI está no centro das investigações sobre a invasão e depredação das sedes dos três Poderes em 8 de janeiro. Perguntado se pretende pedir o benefício, Heleno respondeu ao Estadão/Broadcast: "Claro que não".

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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O primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, afirmou que o aumento nos gastos com defesa é um compromisso que ele assumiu "há muito tempo" e que a decisão foi apenas antecipada, em coletiva de imprensa nesta terça-feira, 25.

O premiê disse concordar com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de que é preciso "aprender com a Ucrânia e fazer mais pela defesa".

Na ocasião, Starmer ressaltou que o apoio dos britânicos aos ucranianos acontecerá "pelo tempo que for necessário", já que se trata também sobre a soberania e segurança da Europa e do Reino Unido.

O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, afirmou nesta terça-feira, 25, que, além da reforma da governança global, a presidência brasileira do Brics se concentrará em duas áreas principais: a Cooperação Global do Sul e a parceria do bloco para o desenvolvimento social, econômico e ambiental. A Saúde estará no centro dos debates durante a presidência rotativa brasileira, como já tinha antecipado o embaixador Mauricio Lyrio, sherpa do País no grupo.

Vieira fez a declaração durante pronunciamento em inglês a sherpas dos 11 membros do Brics, que se reúnem hoje e amanhã em Brasília, conforme áudio obtido pelo Estadão/Broadcast. Os sherpas são os negociadores dos membros do bloco. "Organizaremos nosso trabalho em torno de seis prioridades: Cooperação Global em Saúde, Comércio, Investimento e Finanças, Combate às Mudanças Climáticas, Governança de Inteligência Artificial, Reforma do Sistema Multilateral de Paz e Segurança e Desenvolvimento Institucional do Brics".

O embaixador salientou que a pandemia de covid-19 expôs graves desigualdades no acesso a vacinas, tratamentos e suprimentos médicos essenciais e ressaltou a necessidade urgente de uma arquitetura de saúde global mais coordenada, resiliente e inclusiva, que atenda a todas as nações, e não apenas a um campo privilegiado. "O status econômico não deve ditar o acesso à assistência médica. Não podemos aceitar uma hierarquia internacional de doenças e tratamentos. O Brics deve liderar esforços para enfrentar doenças tropicais socialmente determinadas e negligenciadas e outros desafios de saúde que afetam desproporcionalmente o Sul Global", argumentou.

Por isso, de acordo com o chanceler, o bloco precisa defender uma agenda de saúde global que priorize as necessidades das nações em desenvolvimento e fortaleça o Sistema Nacional de Saúde. "À medida que navegamos pelas transformações do século 21, a inteligência artificial apresenta imensas oportunidades e riscos profundos. A IA tem o potencial de transformar drasticamente setores, da saúde à educação", pontuou.

No entanto, segundo ele, sem uma governança adequada, essa modernidade também apresenta desafios éticos, econômicos e de segurança. "A governança global da IA deve ser inclusiva e democrática e contribuir para o desenvolvimento econômico. Ela não pode ser ditada por um punhado de atores enquanto o resto do mundo é forçado a se adaptar a regras as quais não tiveram papel em sua formação."

O Brics, continuou Vieira, deve defender uma abordagem multilateral que garanta que o desenvolvimento da inteligência artificial seja ético, transparente e alinhado com o interesse coletivo da humanidade. "Nossa colaboração deve se concentrar em promover a pesquisa em inteligência artificial, abordar o viés do algoritmo, proteger a privacidade dos dados, mitigar os riscos de segurança cibernética e gerenciar os impactos socioeconômicos da automação", citou.

O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, alertou nesta terça-feira, 25, que a Ordem Internacional construída após a Segunda Guerra Mundial se baseou em duas grandes promessas: um sistema de segurança coletiva centrado nas Nações Unidas e a visão de prosperidade por meio de um sistema de comércio multilateral baseado em regras. "Hoje, as limitações dessas promessas são cada vez mais evidentes", afirmou durante pronunciamento em inglês a sherpas dos 11 membros do Brics, que se reúnem hoje e amanhã em Brasília, conforme áudio obtido pelo Estadão/Broadcast. Os sherpas são os negociadores de cada um dos membros do bloco.

Em segurança, conforme o chanceler, vê-se atualmente uma série de problemas, como crise humanitária, conflitos armados, deslocamento forçado, alimentos e segurança e instabilidade política. "No centro da nossa discussão hoje e amanhã está o imperativo de redefinir a governança global de uma forma que reflita as realidades do século XXI", avisou. Ele acrescentou que a instituição mundial deve evoluir para acomodar perspectivas diversas, garantindo que as nações em desenvolvimento não sejam "participantes passivas, mas arquitetas ativas do futuro".

Sem citar os Estados Unidos em nenhum momento e nem o presidente Donald Trump, Vieira salientou que o Brics representa uma nova visão para a governança global, que prioriza a inclusão, a justiça e a cooperação em vez de hegemonia, injustiça, desigualdade e unilateralismo. "As necessidades humanitárias estão crescendo, mas a resposta internacional continua fragmentada e, às vezes, insuficiente. Se quisermos enfrentar esses desafios, devemos defender uma reforma abrangente da arquitetura de segurança global, que reflita as realidades contemporâneas e defenda nossa responsabilidade moral compartilhada de agir", pontuou.

Para o embaixador, o Brics deve defender uma abordagem multilateral para a resolução de conflitos, enfatizando a diplomacia, a mediação, a prevenção de conflitos e o desenvolvimento sustentável. "Também devemos pressionar por um sistema humanitário que não esteja sujeito a pressões políticas, que seja neutro e verdadeiramente universal, garantindo que a ajuda chegue àqueles que precisam."