'Não foi uma absolvição', diz Gilmar sobre caso de Lula

Política
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O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, avalia que a Operação Lava Jato provocou um "colapso" no Judiciário que atingiu da primeira instância até o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em entrevista ao Estadão, Gilmar disse que essas instâncias sucumbiram a "pressões políticas" da força-tarefa que comandou a operação em Curitiba. "O STJ não cumpriu adequadamente seu papel", afirmou.

Expoente da ala garantista, Gilmar reconhece que a correção de rumos imposta pelo STF coincide com o momento em que a Lava Jato caiu em desgraça, mas afirma que isso se deve à "estrutura hierárquica do Judiciário", em que o Supremo é o último a se manifestar.

O ministro ressalta que o Supremo anulou as condenações contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por questões meramente processuais, ao concluir que os casos não deveriam ter ficado em Curitiba. O STF não entrou no mérito se o petista cometeu corrupção passiva e lavagem de dinheiro. "Não foi uma absolvição", observou.

Gilmar já fez duras críticas a posições adotadas pelo novato Kassio Nunes Marques que coincidem com os interesses do presidente Jair Bolsonaro, responsável por sua indicação. Mesmo assim, disse não ver riscos de uma Corte "bolsonarista" e afirmou que os vínculos políticos dos magistrados vão se "esmaecendo com o tempo".

Anular as condenações de Lula legitima o discurso do PT de que ele não praticou corrupção?

Não. O que o tribunal está mandando é para o juiz competente processar e julgar as denúncias. É isso. Não foi uma absolvição. Claro que cancela as condenações, mas manda que o juiz competente prossiga no seu julgamento.

Lula ainda tem um novo encontro com a Justiça?

Com certeza. Você viu que surgiu a dúvida sobre a vara competente, São Paulo ou Distrito Federal. Definida a competência, essa vara vai prosseguir (o trabalho).

O sr. vê espaço para o plenário derrubar a suspeição do Moro?

Essa questão está resolvida. Porque, de fato, nós julgamos o habeas corpus (da suspeição de Moro na Segunda Turma). Nós temos que ser rigorosos com as regras processuais. Não podemos fazer casuísmo com o processo, por se tratar de A ou de B.

O julgamento de Lula pode provocar um efeito cascata e beneficiar outros réus?

Não vejo assim. O caso do Lula, no que diz respeito à suspeição, é muito delimitado. É uma situação muito personalista.

Lula ficou 580 dias preso, acabou afastado das eleições de 2018 e só agora o plenário do STF decidiu que Curitiba não tinha competência para julgá-lo. O Supremo dormiu no ponto?

Acho que não. Na verdade, o processo judicial é muito complexo. E ele segue toda essa escala: o juiz de primeiro grau; o tribunal intermediário, no caso deles, o TRF-4; o STJ; e o Supremo. Desde 2015, o STF vem afirmando que a competência de Curitiba não é universal.

Como explicar à sociedade que o Judiciário cometeu um erro que levou à prisão de uma pessoa?

Isso é fruto, primeiro, dessa estrutura hierárquica do Judiciário. O Supremo só fala por último. Essa questão do Lula (da competência de Curitiba) só aportou no Supremo em novembro. Agora, o Supremo, no caso do "quadrilhão do MDB", já tinha decisão. O caso da Gleisi (Hoffmann, presidente do PT) e do Paulo Bernardo é um antecedente, de 2015, e ali se assentaram balizas muito interessantes. Dizendo, por exemplo, que não bastava que um delator informasse vários fatos para justificar a competência de Curitiba.

Por que instâncias inferiores não foram na mesma linha?

Havia uma ânsia de decidir rapidamente, de acordo com aquilo que a Lava Jato tinha estabelecido. Se nós formos olhar, havia uma certa opressão dos tribunais que eram suscetíveis de serem oprimidos. O STJ, nesse período, foi submetido a uma pressão político-judicial. Uma perseguição judicial. Por conta daqueles episódios ligados à nomeação do Marcelo Navarro (alvo de acusação na delação de Delcídio Amaral). O tribunal, ele próprio, perdeu a ossatura. Ele não cumpriu, adequadamente, seu papel.

O STF impôs uma correção de rumos à Lava Jato?

A Lava Jato sofreu inúmeras derrotas ao longo desse tempo. Mas por seus próprios méritos. Ou deméritos. Ela causou isso, na medida em que avançavam sobre competências que não tinham. A pergunta básica é: como que se deu tanto poder a uma força-tarefa? Em que lugar do mundo haveria isso? É alguma coisa que precisa ser explicada. Virou um esquadrão.

O sr. utilizou as mensagens de hackers como reforço para declarar Moro parcial.

Isso sugere uma subversão institucional. Houve, de alguma forma, um colapso aí, em termos de gestão administrativa. Esses problemas se multiplicam. De alguma forma, estão ocorrendo episódios semelhantes na 7.ª Vara do Rio de Janeiro. Em que aparece um super advogado (Nythalmar Filho, alvo de mandados de busca da PF), que teria relacionamento com o juiz (Marcelo Bretas), que teria trânsito com os procuradores, que faziam todas as delações... E tudo mais. Nesse mundo obscuro que é o Rio de Janeiro. O combate à corrupção não pode ser instrumento de corrupção.

No julgamento da suspeição de Moro, o sr. ficou frustrado com o voto de Nunes Marques, que foi contra declarar o ex-juiz parcial?

Eu saio do julgamento, o tema se encerra, e a vida segue com a mesma normalidade. Sou bastante enfático, como vocês sabem. Posso até ter adversários, mas não tenho inimigos, não.

O sr. destacou que "não há salvação para o juiz covarde". O voto dele foi covarde?

Não estava falando sobre isso. É um artigo de Ruy Barbosa, que diz: "O bom ladrão salvou-se. Mas não há salvação para o juiz covarde". É uma expressão clássica. Estimula-se muito a técnica do não conhecimento (rejeição do processo por questões técnicas), para evitar enfrentar determinadas questões, especialmente em matéria criminal. Eu sou crítico disso, porque depois nós acabamos por chancelar brutais injustiças.

Após a indicação para o STF, qual deve ser a relação do ministro com o chefe do Executivo?

Tenho a impressão de que esses vínculos políticos vão se esmaecendo com o tempo. É natural e surge até um distanciamento...

Bolsonaro riu ao ser informado por um apoiador de que uma ação contra Alexandre de Moraes ficou nas mãos de Nunes Marques. Essa "bancada bolsonarista" que pode se formar dentro do STF não preocupa?

Acho que não. A vida é tão dinâmica, e as pessoas vão se conscientizando do seu papel. O que acontece é que talvez o momento político está tão crispado e acaba acontecendo que muitos políticos ficam falando para os seus convertidos: 'Ah, estou atuando nisso', mas o ministro Kassio simplesmente encaminhou para o arquivo essa matéria. Portanto, aqui não sinaliza nenhuma subordinação hierárquica ao presidente da República. Ao revés, mostra que simplesmente ele está seguindo a jurisprudência do STF.

O sr. vê risco de um "Supremo bolsonarista"?

Não vejo, acho que as pessoas (os indicados) começam a fazer uma autocrítica do seu papel.

O senador Jorge Kajuru (Podemos-GO) divulgou áudio de uma conversa reservada com Bolsonaro. O sr. vê crime nesse tipo de conduta?

Tudo isso é muito estranho. De fato, a gente tem de resguardar a figura do presidente da República. A impressão que ficou é de que um órgão que detém um tipo de soberania está muito vulnerável. A interdição do debate público e a criminalização da política estimularam aventureiros, que hoje compõem bancadas no Congresso, mas que não têm cultura política parlamentar. Espero que esses aventureiros não renovem mandato.

A Lei de Segurança Nacional é uma herança maldita da ditadura?

Nós temos muitas leis de ditadura. O próprio Código Penal e o Código de Processo Penal são de uma ditadura hoje considerada mais "soft", do Estado Novo, período Vargas. Mas eu torço para que, de fato, haja a substituição da Lei de Segurança Nacional. Que o Congresso faça um novo projeto, e a previsão expressa de uma lei de defesa do estado democrático direito.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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O primeiro-ministro do Canadá, Mark Carney, afirmou ter tido uma "conversa muito construtiva" com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, após um encontro na Casa Branca nesta terça-feira, 6. Segundo Carney, o diálogo marcou o "começo do fim de um processo de redefinição da relação Canadá-EUA". O dirigente seguiu categórico ao rejeitar qualquer possibilidade de anexação do país ao vizinho.

"Canadá não está e nunca estará à venda", reiterou em entrevista coletiva, repetindo declaração anterior, em resposta a comentários de Trump sobre o país, eventualmente, se tornar o "51º estado americano". O premiê disse ter sido "muito claro" com o americano quanto à sua posição: "Fui muito claro com Trump que negociações serão feitas como dois países soberanos", afirmou. "É preciso separar o desejo da realidade. Pedi que ele parasse de falar sobre o Canadá se tornar o 51º estado dos EUA. É neste ponto que começa uma discussão séria", completou.

Ao comentar as tensões comerciais entre os dois países, Carney avaliou que "estabelecemos uma boa base hoje" para o avanço das conversas, mas reconheceu que "não tivemos decisões sobre tarifas". Ele ressaltou a complexidade do tema: "A discussão tarifária com os EUA é muito complexa. Estamos abordando uma grande quantidade de questões, por isso o progresso não será necessariamente evidente durante as negociações, mesmo que estejamos progredindo".

Ainda assim, o primeiro-ministro demonstrou otimismo. "Queremos seguir adiante com negociações comerciais com os americanos" e "veremos quanto tempo vai levar até os EUA tirarem as tarifas sobre o Canadá". Carney adiantou que ele e Trump concordaram em manter novas rodadas de diálogo nas próximas semanas, inclusive durante o encontro do G7.

Ao fim da reunião, o premiê destacou que "a postura de Trump e o quão concretas foram as discussões me fazem me sentir melhor". Apesar disso, reconheceu que "ainda temos muito trabalho pela frente e estamos totalmente empenhados". Por fim, assegurou ao republicano que "nossas medidas contra a entrada de fentanil nos EUA estão funcionando".

A comitiva de autoridades que acompanhará o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na viagem à Rússia contará com a participação do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), e do vice-presidente da Câmara Elmar Nascimento (União-BA). Além disso, também contará com os ministros das Relações Exteriores, Mauro Vieira, de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e de Ciência e Tecnologia, Luciana Santos, e o assessor-chefe da Assessoria Especial, embaixador Mauro Vieira, de acordo com lista divulgada pelo Palácio do Planalto.

Esta será a terceira viagem feita por Lula da qual Alcolumbre participará. Os dois já estiveram juntos na comitiva que viajou ao Japão, em março, e à Itália para o velório do papa Francisco, em abril.

O início da viagem está previsto para esta terça-feira, 6, à noite, quando Lula partirá de Brasília às 22h rumo a Casablanca. A chegada do chefe do Executivo brasileiro à Rússia é esperada para quarta-feira, 7.

No país, o petista participará da celebração dos 80 anos do "Dia da Vitória", quando os russos celebram a vitória da União Soviética sobre a Alemanha nazista na segunda guerra mundial. Ainda, terá encontros bilaterais com o presidente Vladimir Putin e com o primeiro-ministro da Eslováquia, Robert Fico.

Na reunião com Putin, Lula deve fazer uma menção à questão da necessidade de reequilibrar a balança comercial entre Brasil e Rússia. "Nós importamos dois produtos que são fundamentais, fertilizantes são fundamentais até para o nosso setor exportador, e diesel também, mas nós queremos ampliar as nossas exportações para a Rússia", disse o secretário de Ásia e Pacífico, embaixador Eduardo Paes Saboia.

O ministro da Defesa do Paquistão, Khawaja Asif, alertou nesta terça-feira, 6, para um possível conflito "inevitável" com a Índia, motivado pela disputa por recursos hídricos e por um ataque que matou sete soldados paquistaneses e foi atribuído por autoridades paquistanesas aos indianos. As informações são da imprensa local.

Segundo um canal de TV do país, Asif afirmou que um confronto com a Índia está próximo. "Foi dito no briefing de hoje que a agressão da Índia é esperada", declarou. Ele também teria ameaçado retaliar caso o governo indiano bloqueie o fluxo de água destinado ao Paquistão.

"Se os governantes indianos tentarem bloquear a água do Paquistão, eles vão se afogar nela", disse Asif, segundo a mídia local. O ministro ainda teria afirmado que o país está pronto para destruir qualquer estrutura construída pela Índia no rio Indo.

As declarações vieram poucas horas após um atentado no sudoeste do Paquistão. Uma bomba caseira atingiu um veículo militar no distrito de Kachhi, matando sete soldados. O Exército paquistanês responsabilizou o grupo armado Baloch Liberation Army (BLA), que, segundo o Paquistão, teria ligações com a Índia, que nega. A Al Jazeera observou que não há evidências públicas dessa conexão, e nem o BLA nem o governo indiano comentaram as acusações.

O presidente Asif Ali Zardari e o primeiro-ministro Shehbaz Sharif condenaram o ataque e elogiaram o sacrifício das forças de segurança. A tensão aumentou ainda mais depois que o premiê indiano, Narendra Modi, anunciou que a Índia passará a reter águas antes compartilhadas com o Paquistão. "Antes, a água da Índia também ia para fora. Agora, a água da Índia fluirá para sua parte... e será utilizada pela própria Índia", disse Modi, segundo a Reuters.

O Paquistão já havia advertido que qualquer interferência em seus rios seria vista como um "ato de guerra", conforme reportou a France 24. O tratado de 1960, que garantia ao Paquistão o uso de 80% da água para fins agrícolas, foi suspenso por Nova Délhi após um ataque terrorista na Caxemira indiana, atribuído a militantes ligados ao Paquistão.

*Com informações da Associated Press