Representatividade baixa na política deixa País desigual

Política
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A falta de representatividade dos grupos que compõem a população brasileira na política e a diminuição da participação popular em conselhos de políticas públicas a partir de 2019 são entraves para que o Brasil reduza a desigualdade social, aponta relatório da Oxfam Brasil que será divulgado nesta segunda-feira - a entidade integra uma rede que estuda desigualdade e direitos humanos em cerca de 90 países no mundo.

O estudo - Democracia Inacabada: um retrato das desigualdades brasileiras - aponta como entraves no combate à desigualdade no País a reduzida proporção de mulheres, negros e integrantes de extratos inferiores de renda entre políticos eleitos às casas legislativas e executivos no Brasil em relação à parcela desses grupos na população brasileira.

"A desigualdade política tem impacto na desigualdade econômica, que se acentua à medida que as elites decisórias seguem não refletindo as demandas da diversidade de seus representados", diz o estudo.

Entre os fatores que contribuem para essa disparidade, segundo o relatório, estão a concentração do financiamento de campanha em candidatos tradicionais, que, na maioria, representam parte do topo da pirâmide social, e a composição hierárquica partidária controlada por esse mesmo grupo.

"O sistema político hoje desincentiva a participação dessas pessoas e tem mecanismos que dificultam a sua participação", afirma o coordenador de Pesquisa e Incidência em Justiça Social e Econômica da Oxfam, Jefferson Nascimento.

Em 2018, apesar de o País ter registrado o maior crescimento de mulheres eleitas à Câmara dos Deputados desde a redemocratização, a proporção ficou em 15% de mulheres para 85% de homens escolhidos para cadeiras do Parlamento.

Já a representatividade de negros e indígenas na Casa foi de 24,76%, ante 75,05% de brancos. Em relação à população do País, 51,8% são mulheres e 53,6%, negros, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou o repasse de quantidade proporcional à de candidatos de recursos dos fundos eleitoral e partidário, além da distribuição do tempo de TV e rádio equivalente.

Distorção

"Se temos um Congresso tão distorcido em relação à população, essa população vai sofrer em termos de políticas públicas e investimento e isso vai aprofundar as desigualdades já existentes. É um ciclo perfeito. Quem está decidindo são os mesmos grupos", avalia a cientista política e professora da UFRJ Hannah Maruci.

A falta de apoio partidário foi uma das maiores dificuldades que Aline Torres, de 35 anos, diz ter enfrentado quando disputou o cargo de deputada federal em 2018 e de vereadora em São Paulo em 2020.

Negra e da periferia da capital paulista, a coordenadora de políticas públicas, que participou de movimentos do PSDB desde os 18 anos, afirmou que o recurso recebido para sua campanha foi muito mais baixo do que o de outras mulheres que se elegeram, tanto na eleição geral, quando concorreu pela sigla tucana, quanto na municipal, disputada pelo MDB.

Em ambos os anos, o recurso usado por Aline nas campanhas, segundo declaração ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), foi de cerca de R$ 110 mil.

Entre as deputadas federais eleitas pelo PSDB em 2018, essa quantia variou entre R$ 741 mil e R$ 2,5 milhões. E em 2020, o MDB não elegeu nenhuma mulher para a Câmara Municipal de São Paulo.

O PSDB afirma que "cumpriu integralmente" a legislação de cotas às mulheres. "O partido teve 300 candidatas em 2018. Todas receberam recursos, de acordo com critérios preestabelecidos, entre eles, participação nas atividades partidárias e exercer ou ter exercido mandato", diz a nota do partido.

Para a para a diarista Andreia Lima, de 45 anos, que tentou uma vaga na Câmara Municipal de Curitiba no ano passado em uma candidatura coletiva pelo PT, a principal dificuldade foi ter recebido o recurso do partido a três dias da eleição - isso representou cerca de 90% dos R$ 40 mil usados na campanha. O PT disse que o número de eleitas aumentou em mais de 20% na comparação entre 2020 e 2016.

Além da distribuição de recursos partidários, a disponibilidade de recursos próprios e patrocínio também cumpre papel relevante na acentuação da desigualdade de condições de competição, na avaliação do cientista social e pesquisador da FGV Marco Teixeira. "Não por acaso quase metade dos parlamentares vem do agronegócio ou de grupos econômicos bem posicionados. Não se faz política sem dinheiro", afirma.

A reforma eleitoral discutida na Câmara dos Deputados, que, entre outras medidas, propõe a instituição do modelo de eleição parlamentar do "distritão", tem o potencial de piorar a situação da representatividade, aponta o relatório da Oxfam.

Conselhos

A ONG ressalta que, além do gargalo da representação política, a diminuição da atuação direta da sociedade civil na formulação de políticas públicas por meio dos conselhos participativos também prejudica a promoção da redução da desigualdade.

Em abril de 2019, o governo Bolsonaro extinguiu, por um decreto, que foi suspenso parcialmente pelo Supremo Tribunal Federal, conselhos, comitês, comissões e colegiados da Administração Pública Federal. No mesmo ano, o número de cadeiras de representantes da sociedade civil em colegiados como o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) foi reduzido.

"Esses conselhos têm uma importância grande na implementação de políticas. Com o fechamento desses espaços de participação social, acaba-se impossibilitando que políticas públicas desempenhem o seu potencial pleno de redução de desigualdades", afirma o coordenador de Pesquisa e Incidência em Justiça Social e Econômica da Oxfam. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, afirmou nesta terça-feira, 25, que, além da reforma da governança global, a presidência brasileira do Brics se concentrará em duas áreas principais: a Cooperação Global do Sul e a parceria do bloco para o desenvolvimento social, econômico e ambiental. A Saúde estará no centro dos debates durante a presidência rotativa brasileira, como já tinha antecipado o embaixador Mauricio Lyrio, sherpa do País no grupo.

Vieira fez a declaração durante pronunciamento em inglês a sherpas dos 11 membros do Brics, que se reúnem hoje e amanhã em Brasília, conforme áudio obtido pelo Estadão/Broadcast. Os sherpas são os negociadores dos membros do bloco. "Organizaremos nosso trabalho em torno de seis prioridades: Cooperação Global em Saúde, Comércio, Investimento e Finanças, Combate às Mudanças Climáticas, Governança de Inteligência Artificial, Reforma do Sistema Multilateral de Paz e Segurança e Desenvolvimento Institucional do Brics".

O embaixador salientou que a pandemia de covid-19 expôs graves desigualdades no acesso a vacinas, tratamentos e suprimentos médicos essenciais e ressaltou a necessidade urgente de uma arquitetura de saúde global mais coordenada, resiliente e inclusiva, que atenda a todas as nações, e não apenas a um campo privilegiado. "O status econômico não deve ditar o acesso à assistência médica. Não podemos aceitar uma hierarquia internacional de doenças e tratamentos. O Brics deve liderar esforços para enfrentar doenças tropicais socialmente determinadas e negligenciadas e outros desafios de saúde que afetam desproporcionalmente o Sul Global", argumentou.

Por isso, de acordo com o chanceler, o bloco precisa defender uma agenda de saúde global que priorize as necessidades das nações em desenvolvimento e fortaleça o Sistema Nacional de Saúde. "À medida que navegamos pelas transformações do século 21, a inteligência artificial apresenta imensas oportunidades e riscos profundos. A IA tem o potencial de transformar drasticamente setores, da saúde à educação", pontuou.

No entanto, segundo ele, sem uma governança adequada, essa modernidade também apresenta desafios éticos, econômicos e de segurança. "A governança global da IA deve ser inclusiva e democrática e contribuir para o desenvolvimento econômico. Ela não pode ser ditada por um punhado de atores enquanto o resto do mundo é forçado a se adaptar a regras as quais não tiveram papel em sua formação."

O Brics, continuou Vieira, deve defender uma abordagem multilateral que garanta que o desenvolvimento da inteligência artificial seja ético, transparente e alinhado com o interesse coletivo da humanidade. "Nossa colaboração deve se concentrar em promover a pesquisa em inteligência artificial, abordar o viés do algoritmo, proteger a privacidade dos dados, mitigar os riscos de segurança cibernética e gerenciar os impactos socioeconômicos da automação", citou.

O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, alertou nesta terça-feira, 25, que a Ordem Internacional construída após a Segunda Guerra Mundial se baseou em duas grandes promessas: um sistema de segurança coletiva centrado nas Nações Unidas e a visão de prosperidade por meio de um sistema de comércio multilateral baseado em regras. "Hoje, as limitações dessas promessas são cada vez mais evidentes", afirmou durante pronunciamento em inglês a sherpas dos 11 membros do Brics, que se reúnem hoje e amanhã em Brasília, conforme áudio obtido pelo Estadão/Broadcast. Os sherpas são os negociadores de cada um dos membros do bloco.

Em segurança, conforme o chanceler, vê-se atualmente uma série de problemas, como crise humanitária, conflitos armados, deslocamento forçado, alimentos e segurança e instabilidade política. "No centro da nossa discussão hoje e amanhã está o imperativo de redefinir a governança global de uma forma que reflita as realidades do século XXI", avisou. Ele acrescentou que a instituição mundial deve evoluir para acomodar perspectivas diversas, garantindo que as nações em desenvolvimento não sejam "participantes passivas, mas arquitetas ativas do futuro".

Sem citar os Estados Unidos em nenhum momento e nem o presidente Donald Trump, Vieira salientou que o Brics representa uma nova visão para a governança global, que prioriza a inclusão, a justiça e a cooperação em vez de hegemonia, injustiça, desigualdade e unilateralismo. "As necessidades humanitárias estão crescendo, mas a resposta internacional continua fragmentada e, às vezes, insuficiente. Se quisermos enfrentar esses desafios, devemos defender uma reforma abrangente da arquitetura de segurança global, que reflita as realidades contemporâneas e defenda nossa responsabilidade moral compartilhada de agir", pontuou.

Para o embaixador, o Brics deve defender uma abordagem multilateral para a resolução de conflitos, enfatizando a diplomacia, a mediação, a prevenção de conflitos e o desenvolvimento sustentável. "Também devemos pressionar por um sistema humanitário que não esteja sujeito a pressões políticas, que seja neutro e verdadeiramente universal, garantindo que a ajuda chegue àqueles que precisam."

O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, afirmou nesta terça-feira, 25, que o multilateralismo está sendo testado e exige ação urgente e coletiva. O pronunciamento foi feito em inglês a sherpas (enviados especiais dos chefes de Estado/governo) dos 11 membros do Brics, que se reúnem hoje e amanhã em Brasília, conforme áudio obtido pelo Estadão/Broadcast.

"Nós nos reunimos em um momento crucial, de profunda transformação, onde os princípios do multilateralismo e da cooperação estão sendo testados por crises que exigem ação urgente e coletiva e em que rápidas mudanças tecnológicas e econômicas estão desafiando as estruturas tradicionais de governança", afirmou no evento, realizado no Palácio do Itamaraty.

De acordo com o chanceler, instituições de longa data lutam para se adaptar, enquanto economias emergentes exigem, com razão, um papel mais equitativo na formação de decisões que afetam a todos. "Neste cenário em evolução, o Brics tem um papel crucial a desempenhar na promoção de uma ordem mundial mais justa, inclusiva e sustentável", disse. Ele enfatizou também que um mundo multipolar não é apenas uma realidade emergente, mas um objetivo compartilhado. "Um sistema global reequilibrado deve se basear em uma base mais firme de justiça e representação", argumentou em linha com o discurso de outras autoridades brasileiras recentes.

O embaixador comentou que o papel do bloco na formação do futuro nunca foi tão significativo e que a recente expansão dos grupo, de cinco para 11 membros, foi um grande desenvolvimento. Ele citou que o Brics representa quase metade da população mundial e 39% do Produto Interno Bruto (PIB) global. "Também somos responsáveis pela metade da produção global de energia. Esse Brics expandido carrega a promessa de uma fonte global que não é mais apenas uma participante dos assuntos globais, mas uma força influente e construtiva na formação da ordem internacional", alegou.