Investida de Toffoli contra acordos de leniência enfrenta 1º recurso da PGR

Política
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A suspensão determinada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli do pagamento de multas bilionárias por empresas que admitiram corrupção em acordos de leniência enfrenta a primeira contestação da Procuradoria-Geral da República sob a gestão de Paulo Gonet. Em recurso apresentado na noite de anteontem, a PGR questiona a decisão de Toffoli que sustou a multa de R$ 10,3 bilhões do acordo do grupo J&F. Segundo Gonet, "não há provas de que houve coação" no pacto firmado pelos irmãos e empresários Joesley e Wesley Batista, controladores do grupo.

 

Na decisão monocrática em que suspendeu o pagamento da multa, Toffoli declarou que "há, no mínimo, dúvida razoável sobre o requisito da voluntariedade da requerente (J&F) ao firmar o acordo de leniência". Segundo o magistrado, isso justificaria, "por ora, a paralisação dos pagamentos, tal como requerido pela autora".

 

O chefe do Ministério Público Federal, no entanto, afirmou que o que existe são "ilações e conjecturas abstratas" a respeito da suposta coação, o que não é suficiente para rever a leniência. "Não há como, de pronto, deduzir que o acordo entabulado esteja intrinsecamente viciado a partir de ilações e conjecturas abstratas sobre coação e vício da autonomia da vontade negocial", sustenta Gonet no recurso.

 

'VAZA JATO'

 

A Procuradoria pede que o plenário do Supremo analise a decisão de Toffoli e defende, ainda, a redistribuição do caso para um novo relator.

 

Toffoli assumiu a relatoria porque considerou que a petição da J&F tinha relação com a Lava Jato, uma vez que a empresa pediu acesso a dados da Operação Spoofing, responsável pela prisão de hackers que invadiram celulares de integrantes da extinta força-tarefa da Lava Jato e do ex-juiz e hoje senador Sérgio Moro (União Brasil-PR). A revelação de mensagens trocadas por procuradores e Moro lançou dúvidas sobre a idoneidade da operação que derrubou esquema de corrupção na Petrobras.

 

O recurso da Procuradoria, porém, afirma que "o acordo de leniência celebrado pela holding J&F Investimentos S.A. não foi pactuado com agentes públicos responsáveis pela condução da Operação Lava Jato e seus desdobramentos" e não teve a participação da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, conduzida por Moro na época das investigações.

 

O chefe do Ministério Público destaca a relação da J&F com outras operações, como Greenfield, Sépsis, Cui Bono e Carne Fraca, que, segundo ele, "não se confundem com a Operação Lava Jato e não são dela decorrentes". O acordo de leniência do grupo J&F foi fechado em 2017 com o Ministério Público Federal, no âmbito da Operação Greenfield, e envolveu, ainda, procuradores das forças-tarefa citadas por Gonet na manifestação. O grupo se comprometeu a pagar R$ 10,3 bilhões ao longo de 25 anos para encerrar as investigações das operações citadas.

 

Caso Toffoli entenda que deve permanecer na relatoria, a decisão também pode ir a julgamento no plenário do Supremo, onde os demais ministros da Corte devem deliberar sobre a possibilidade de tirá-lo da posição e, neste caso, sortear um novo relator.

 

PREJUÍZO

 

Outro argumento apontado no recurso da Procuradoria é que a suspensão da multa da J&F pode causar "grave risco ao sistema previdenciário complementar brasileiro". Gonet afirma que os fundos de pensão Funcef, da Caixa Econômica Federal, e Petros, da Petrobras, receberiam, cada um, cerca de R$ 2 bilhões do total dos R$ 10,3 bilhões da multa. A paralisação dos pagamentos representa, na avaliação do procurador-geral, "vultoso prejuízo".

 

Após a apresentação do recurso da PGR, Toffoli retirou na tarde de ontem o sigilo do processo. O recurso está nas mãos do próprio ministro. Cabe a ele avaliar se acata os argumentos da Procuradoria e reverte sua decisão, ou se encaminha o pedido para ser votado pelo colegiado da Corte. Normalmente, a demanda seguiria para uma das turmas do tribunal, mas Gonet solicitou que fosse avaliado pelo plenário.

 

Toffoli suspendeu a multa da J&F em 19 de dezembro, por meio de decisão monocrática definitiva, que, pelo regimento, não precisa ser referendada pelos demais ministros, a não ser que haja recurso da PGR. Além de paralisar os pagamentos, o ministro autorizou ao grupo o acesso a todo o material colhido na Operação Spoofing. A empresa pretende avaliar o conteúdo das conversas em busca de mensagens que possam indicar alguma atuação irregular dos procuradores da Lava Jato e permitir uma revisão da leniência.

 

Além da J&F, o ministro suspendeu, na semana passada, os pagamentos da multa de R$ 3,8 bilhões do acordo da Odebrecht (agora Novonor). No total, as multas suspensas pelo magistrado somavam R$ 14,1 bilhões na época dos acordos, mas devem aumentar com a correção monetária.

 

A mulher de Toffoli, a advogada Roberta Rangel, presta assessoria jurídica para a J&F no litígio envolvendo a compra da Eldorado Celulose. Ele já se declarou impedido para julgar ação do grupo em setembro. Também partiu de Toffoli decisão que anulou provas do acordo de leniência da Odebrecht.

 

Como mostrou o Estadão, com a suspensão das multas da J&F e da Odebrecht, outras empresas que confessaram corrupção e se comprometeram a restituir o erário, como UTC, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa, podem solicitar acesso às mensagens da Operação Spoofing e pedir a revisão dos próprios acordos de leniência. Na semana passada, o ex-presidente da OAS Léo Pinheiro pediu a Toffoli que suspenda a multa de R$ 45 milhões do seu acordo de delação feito com o Ministério Público Federal.

 

ONG

 

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) investiga a participação da ONG Transparência Internacional no Brasil no acordo leniência da J&F. A apuração corre em sigilo na Corregedoria Nacional de Justiça. Procurado, o CNJ confirmou a existência da investigação, mas não informou por que o procedimento foi aberto.

 

Toffoli mandou investigar se a ONG se apropriou indevidamente de recursos do acordo da J&F. Em nota divulgada ontem, a organização disse ser vítima de "retaliação" pelo trabalho de combate à corrupção. (Colaborou Rayssa Motta)

 

 

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, alertou nesta terça-feira, 25, que a Ordem Internacional construída após a Segunda Guerra Mundial se baseou em duas grandes promessas: um sistema de segurança coletiva centrado nas Nações Unidas e a visão de prosperidade por meio de um sistema de comércio multilateral baseado em regras. "Hoje, as limitações dessas promessas são cada vez mais evidentes", afirmou durante pronunciamento em inglês a sherpas dos 11 membros do Brics, que se reúnem hoje e amanhã em Brasília, conforme áudio obtido pelo Estadão/Broadcast. Os sherpas são os negociadores de cada um dos membros do bloco.

Em segurança, conforme o chanceler, vê-se atualmente uma série de problemas, como crise humanitária, conflitos armados, deslocamento forçado, alimentos e segurança e instabilidade política. "No centro da nossa discussão hoje e amanhã está o imperativo de redefinir a governança global de uma forma que reflita as realidades do século XXI", avisou. Ele acrescentou que a instituição mundial deve evoluir para acomodar perspectivas diversas, garantindo que as nações em desenvolvimento não sejam "participantes passivas, mas arquitetas ativas do futuro".

Sem citar os Estados Unidos em nenhum momento e nem o presidente Donald Trump, Vieira salientou que o Brics representa uma nova visão para a governança global, que prioriza a inclusão, a justiça e a cooperação em vez de hegemonia, injustiça, desigualdade e unilateralismo. "As necessidades humanitárias estão crescendo, mas a resposta internacional continua fragmentada e, às vezes, insuficiente. Se quisermos enfrentar esses desafios, devemos defender uma reforma abrangente da arquitetura de segurança global, que reflita as realidades contemporâneas e defenda nossa responsabilidade moral compartilhada de agir", pontuou.

Para o embaixador, o Brics deve defender uma abordagem multilateral para a resolução de conflitos, enfatizando a diplomacia, a mediação, a prevenção de conflitos e o desenvolvimento sustentável. "Também devemos pressionar por um sistema humanitário que não esteja sujeito a pressões políticas, que seja neutro e verdadeiramente universal, garantindo que a ajuda chegue àqueles que precisam."

O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, afirmou nesta terça-feira, 25, que o multilateralismo está sendo testado e exige ação urgente e coletiva. O pronunciamento foi feito em inglês a sherpas (enviados especiais dos chefes de Estado/governo) dos 11 membros do Brics, que se reúnem hoje e amanhã em Brasília, conforme áudio obtido pelo Estadão/Broadcast.

"Nós nos reunimos em um momento crucial, de profunda transformação, onde os princípios do multilateralismo e da cooperação estão sendo testados por crises que exigem ação urgente e coletiva e em que rápidas mudanças tecnológicas e econômicas estão desafiando as estruturas tradicionais de governança", afirmou no evento, realizado no Palácio do Itamaraty.

De acordo com o chanceler, instituições de longa data lutam para se adaptar, enquanto economias emergentes exigem, com razão, um papel mais equitativo na formação de decisões que afetam a todos. "Neste cenário em evolução, o Brics tem um papel crucial a desempenhar na promoção de uma ordem mundial mais justa, inclusiva e sustentável", disse. Ele enfatizou também que um mundo multipolar não é apenas uma realidade emergente, mas um objetivo compartilhado. "Um sistema global reequilibrado deve se basear em uma base mais firme de justiça e representação", argumentou em linha com o discurso de outras autoridades brasileiras recentes.

O embaixador comentou que o papel do bloco na formação do futuro nunca foi tão significativo e que a recente expansão dos grupo, de cinco para 11 membros, foi um grande desenvolvimento. Ele citou que o Brics representa quase metade da população mundial e 39% do Produto Interno Bruto (PIB) global. "Também somos responsáveis pela metade da produção global de energia. Esse Brics expandido carrega a promessa de uma fonte global que não é mais apenas uma participante dos assuntos globais, mas uma força influente e construtiva na formação da ordem internacional", alegou.

A Arábia Saudita é considerada hoje um dos 20 membros do Brics, composto atualmente por 11 integrantes oficiais e nove parceiros. A situação do país no grupo, no entanto, é delicada porque participa dos encontros do bloco, apesar de ainda não ter feito a formalização.

Neste momento, inclusive, durante a reunião desta semana de sherpas - que são os negociadores de cada país no Brics -, o representante saudita Ibrahim Alessa está presente.

O grupo está reunido no Palácio do Itamaraty, em Brasília, num encontro que se estende até a quarta-feira, 26. Também estão presentes Mauricio Lyrio (Brasil), Tian Bai (China), Ragui Eletreby (Egito), Mamo Esmelealem Mihretu (Etiópia), Periasamy Kumaran (Índia), Tri Tharyat (Indonésia), Majid Samadzadeh Saber (Irã), Sergey Ryabkov (Rússia), Xolisa Mfundiso Mabhongo (África do Sul) e Khamis Alshemeili (Emirados Árabes Unidos). O encontro ocorre em Brasília porque o Brasil é o presidente rotativo do grupo em 2025.

O Brics foi criado em 2001, inicialmente composto por Brasil, Rússia, Índia e China. Dez anos depois, a África do Sul se incorporou ao bloco, que, a partir de 2023 foi ampliado. O processo de entrada no grupo se dá por meio de um pedido do país. Os membros do bloco se reúnem e deliberam pela entrada ou não, convidando oficialmente a nação. Após esse processo, há uma formalização do novo integrante, que aceita ou não participar.

No caso da Arábia Saudita, todo o processo inicial foi feito, mas o país ainda não se manifestou oficialmente após o convite. Por enquanto, pelo menos, o Brics aceitou essa posição. Enquanto os sauditas não disserem que não são parte do bloco, são considerados como tal.

Há algumas questões, no entanto, que estão em aberto e são delicadas. As decisões do Brics são tomadas por consenso. Ou seja, se apenas um de seus membros for contrário a uma proposição, ela não irá adiante. A pergunta que se faz é se em algum momento de negociação a Arábia Saudita não aceitar aderir a algum ponto em discussão? Os demais vão aceitar essa posição mesmo não estando oficialmente no grupo?

Outro questionamento pertinente é sobre até quando o Brics aceitará essa posição saudita de ficar em cima do muro. Até porque o país tem acesso a discussões e reuniões que as nove nações parceiras não têm. A embaixada da Arábia Saudita foi procurada por telefone pela reportagem, mas ninguém atendeu a ligação.

Na segunda-feira, em entrevista ao site do Brics Brasil, o assessor-chefe da Assessoria Especial da Presidência da República, Celso Amorim, argumentou que o bloco tem o papel de representar os países emergentes, mas que é preciso colocar um limite para que não perca sua coesão. "Acho que o Brics tem que ter uma abertura e os países em desenvolvimento têm que se sentir representados. Mas operacionalmente não pode se expandir indefinidamente porque, para atuar concretamente em questões importantes, tem que manter uma certa coesão."