'Guloso esse povo de Ferraz', diz elo do PCC sobre propinas em prefeitura

Política
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Conversas obtidas pelo Ministério Público de São Paulo após a quebra de sigilo do cantor de pagode Vagner Borges Dias, o 'Latrell Britto' - apontado como o 'cabeça' do esquema de fraudes do PCC em licitações de mais de R$ 200 milhões em prefeituras e câmaras de vereadores da Grande São Paulo e do interior do Estado -, revelam detalhes de como o grupo operava e também o nível de acesso a gestões municipais.

No caso de Ferraz de Vasconcelos, município a leste da região metropolitana, os diálogos indicam a interlocução com uma 'secretária' da prefeitura, gestão Priscila Gambale (Podemos), e também acertos com a 'pregoeira' de uma licitação sob suspeita. Outro trecho cita um 'deputado' - o relatório da Promotoria não aponta o nome do suposto parlamentar; as investigações estão em curso.

Os diálogos do pagodeiro do PCC são peça chave da Operação Munditia, cuja fase ostensiva foi aberta no último dia 16. Na ocasião, o vereador de Ferraz Flávio Batista de Souza (Podemos), o 'Inha', foi preso sob suspeita de receber propina da quadrilha ligada ao PCC que se teria instalado em setores da administração e do legislativo municipal.

Além de 'Inha', foram capturados mais dois vereadores, de outros municípios: Luiz Carlos Alves Dias (MDB), o 'Luizão Arquiteto', de Santa Isabel, e Ricardo de Oliveira (PSD), o Ricardo 'Queixão'. Na última quinta, 25, a Promotoria levou à Justiça denúncia criminal que atribui a quatro vereadores e três servidores públicos envolvimento com a organização infiltrada pelo PCC na máquina pública.

Como mostrou o Estadão, no capítulo Ferraz de Vasconcelos as mensagens resgatadas pelos promotores mostram o pagodeiro do PCC pedindo a uma funcionária sua. "Separa 17 mil pro 'Inha'".

A menção à 'secretária' de Ferraz - provável referência a uma pasta da administração Priscila Gambale - aparece em áudios trocados entre 'Latrell Brito' e Antônio, que seria seu funcionário, em maio do ano passado. Antônio diz que a 'secretária' de Ferraz ligou para ele e disse que 'achava melhor não expor' empresas sob suspeita em um edital emergencial.

"Ela não queria expor, por 'piriri, pororó', até porque ia aumentar o valor, o valor vai estar de acordo com a convenção nova, ia aumentar o efetivo, iria chamar a atenção, se podia ser outra empresa", diz a mensagem.

Antônio relata que a 'secretária' disse a ele que já iria publicar o edital definitivo. "Estou enviando, inclusive, esse edital, que ela falou que quer publicar e fazer essa licitação nesse mês que vai começar em junho e ficar esse emergencial no máximo um ou dois meses", reportou a Vagner.

"E tem mais um detalhe importante. A empresa que fizer o emergencial agora não vai poder baixar muito o preço unitário, o preço por colaborador da licitação, até para não ter problema, né? Isso seria um impeditivo para a Mova, para a Cjm fosse para qual empresa seria. Melhor, de fato, deixar uma tampão que não atrapalhe a gente vencer o processo definitivo", emenda, evidenciando o acerto prévio das licitações.

Diálogos entre Vagner e Márcio, suposto sócio do pagodeiro, mostra a extensão da atuação da quadrilha. Este diz ao pagodeiro, em fevereiro de 2023, que está 'vendo para eles venderem 3 mil cestas e 3 mil kits em Ferraz'. "Nem precisa de licitação, caso de urgência", completa. Vagner diz que 'ama' o sócio e responde: "Bora pra cima. Top".

Em outro diálogo, em agosto de 2022, Antônio, que nessa ocasião usava outro número, revela a Vagner, dados de uma reunião com uma pregoeira de Ferraz. "Fiquei quase 3 horas, bicho, com a pregoeira acertando os negócios dos detalhes da planilha, quem classifica, quem desclassifica, mas está dando certo, graças a deus, saindo agora de Ferraz", narrou.

Naquele mesmo mês, os dois investigados trataram de uma 'varrição' em Ferraz. Vagner questiona se uma das empresas envolvidas no esquema teria um 'atestado'. Antônio respondeu: "Essas questões do atestado nós vamos fazer aparecer o atestado, ué. Até porque a comissão está com a gente e não vai fazer diligenciamento mesmo, vamos fazer atestado."

A mesma conversa mostra a extensão da presença das empresas sob suspeita no comando de contratos públicos de Ferraz. Vagner diz a Antônio que sua empresa, a Vagner Borges Dias ME, teria o 'atestado' necessário para a varrição.

"Varrição de Ferraz, porque eu fechei com ele (Márcio, sócio de Vagner) todos os serviços. Igual eu te falei, todos os serviços de Ferraz é nosso, né. Inclusive a merendeira quando sair a gente tem que preparar um plano", disse o pagodeiro do PCC.

O modo que o grupo opera também é revelado pelos diálogos. Os investigadores interceptaram conversas entre 'Bola' - também denunciado na Operação Munditia, titular de uma das empresas que teriam envolvimento em fraudes - e 'Latrell Brito'.

Eles conversavam em meio a ocorrência de pregões, ajustando os lances que cada companhia daria de maneira que o resultado do certame estivesse de acordo com os interesses do grupo. Uma conversa também é datada de agosto de 2022.

Em setembro daquele ano, Vagner detalhou o esquema de fraudes que teria sido montado em Ferraz a um homem apontado pela Promotoria como cúmplice dele, Deneval Júnior: "É, Ferraz é assim: a gente vai derrubar o primeiro e aí eles vão querer chamar os outros, mas os outros estão com o mesmo preço. Então assim, a gente vai falar que está inexequível para fazer emergencial, aí, fazendo emergencial, a gente já põe a sua."

A Deneval, o pagodeiro também diz que Antônio 'vai montar' o edital de Ferraz para uma das empresas investigadas. "Lá também ele já está com o edital de João Pessoa, ele já vai começar a desenhar também e Ubatuba se for para descer para ver o negócio da OS, vai eu, você e ele, já falei com ele também", emendou 'Latrell Brito'.

Ainda em setembro, Antônio mandou um áudio ao pagodeiro narrando que o 'povo de Ferraz é guloso'. "Guloso esse povo de Ferraz, bem gulosinho esse povo, heim, Vagner, tá nos mesmos moldes de Ferraz, insalubridade para todo mundo, encargo social lá em cima, aquela planilha, visita técnica obrigatória, coloquei uma cláusula de repactuação, quando aparecer a convenção coletiva, o efetivo está um pouco acima pra gente ter uma gordura, tá chique. Se passar desse jeito, tá lindo."

Mais tarde, naquele dia, Vagner detalha a Antônio uma suposta divisão de valores e faz menção a um 'deputado'. O relatório do Ministério Público baseado na recuperação das mensagens do grupo não indica nominalmente o deputado. As investigações estão em curso.

"E, então, 300 pessoas, né, boa, boa, boa. Então, Ferraz é 10% para eles e o restante dividiu, aí tirou seu 1% lá e dividiu eu e o Márcio, porque assim, eles descontão 11% de INSS, aí falou que não vai descontar, como a empresa está no simples, não vai descontar aí eu consigo eu pagar e não ter aquela sobra, porque não tem os 20% do patronal, nem o RAT, entendeu? Mas é alto, mano, é alto só para lá está indo 90 pau, 90. É muita coisa, agora, se ele vai dar lá, eu não sei, né, porque ele tá falando que tá antecipando com o deputado e esse dinheiro fica para mim. É uma jogada do caralho, mano, estou te falando, porque agora a gente tem que ficar ligeiro agora que a gente está na parceria pra gente não perder, entendeu?"

Cerca de uma hora depois, Antônio ainda reporta ao suposto chefe sobre um outro pregão, que seria realizado no final daquele ano. "Falei com o BETO um pouco mais cedo e a intenção deles é lançar esse edital para que o pregão ocorra entre o natal e o ano novo, por volta do dia 27/28, cara, pra gente resolver mesmo da melhor maneira possível, se for o caso, já boto uns jagunços na porta lá pra não deixar ninguém entrar e vamos para cima."

Corrupção 'não está adstrita' a 'Inha'

Em uma denúncia da Operação Munditia, o Ministério Público de São Paulo narra que a corrupção de agentes em Ferraz de Vasconcelos 'não está adstrita' a 'Inha', o vereador de Ferraz preso quando a fase ostensiva da investigação foi aberta. Como mostrou o Estadão, as apurações identificaram diálogos que remetem diretamente a entregas de propina ao parlamentar.

A Promotoria também implica Roberto Martinelle, ex-secretário de Governo de Ferraz de Vasconcelos na gestão de Jorge Abissamra (2005-2012), diante de mensagens apreendidas no celular de Vagner.

Em um diálogo, de janeiro de 2021, Martinelle e o pagodeiro tratam de suposto aditivo em um contrato de 'Latrell Brito'. Em meio a essa suposta tratativa, o ex-secretário de Governo pergunta se pode pedir para o irmão, Marcos, 'falar' com Vagner.

Segundo a Promotoria, era Marcos quem acionava o pagodeiro, em nome do irmão, buscando dinheiro na sede de uma empresa investigada. A Promotoria identificou mensagens em que a funcionária da companhia é avisada que Marcos buscaria dinheiro no local. Segundo os investigadores, o dinheiro era separado mensalmente.

COM A PALAVRA, A PREFEITA PRISCILA GAMBALE (PODEMOS)

A reportagem do Estadão pediu manifestação da prefeita de Ferraz de Vasconcelos, Priscila Gambale. O espaço está aberto (Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.; fausto.macedo@estadao,com)

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Mais de 10 pessoas morreram nesta terça-feira, 29, após confrontos em um subúrbio da capital da Síria entre combatentes drusos e grupos pró-governo, disseram um monitor de guerra e um grupo ativista. Os dados de vítimas, no entanto, ainda são imprecisos.

Homens armados drusos sírios entraram em confronto nas últimas semanas com forças de segurança do governo e homens armados pró-governo no subúrbio de Jaramana, no sul de Damasco.

O Observatório Sírio para os Direitos Humanos, sediado no Reino Unido, afirmou que pelo menos 10 pessoas foram mortas, quatro delas agressores e seis moradores de Jaramana. O coletivo de mídia ativista Suwayda24 afirmou que 11 pessoas foram mortas e 12 ficaram feridas. Outros relatos indicam até 14 mortos.

Os confrontos começaram por volta da meia-noite de segunda-feira, 28, depois que uma mensagem de áudio circulou nas redes sociais em que um homem estaria criticando o profeta Maomé.

O áudio foi atribuído ao clérigo druso Marwan Kiwan. Mas ele afirmou em um vídeo postado nas redes sociais que não era responsável pelo áudio, o que irritou muitos muçulmanos sunitas.

"Nego categoricamente que o áudio tenha sido feito por mim", disse Kiwan. "Eu não disse isso, e quem o fez é um homem perverso que quer incitar conflitos entre partes do povo sírio."

Na terça-feira à noite do horário local, representantes do governo e autoridades de Jaramana chegaram a um acordo para encerrar os conflitos, indenizar as famílias das vítimas e trabalhar para levar os perpetradores à justiça, de acordo com uma cópia do acordo que circulou em Jaramana e foi vista pela Associated Press.

Não ficou imediatamente claro se a trégua será mantida por muito tempo, já que acordos semelhantes no passado fracassaram posteriormente.

O Ministério do Interior afirmou em comunicado que estava investigando o áudio, acrescentando que a investigação inicial demonstrou que o clérigo não era responsável. O ministério pediu à população que cumpra a lei e não aja de forma a comprometer a segurança.

A liderança religiosa drusa em Jaramana condenou o áudio, mas criticou duramente o "ataque armado injustificado" no subúrbio. Instou o Estado a esclarecer publicamente o ocorrido.

"Por que isso continua acontecendo de tempos em tempos? É como se não houvesse um Estado ou governo no comando. Eles precisam estabelecer postos de controle de segurança, especialmente em áreas onde há tensões", disse Abu Tarek Zaaour, morador de Jaramana.

No final de fevereiro, um membro das forças de segurança entrou no subúrbio e começou a atirar para o alto, o que levou a uma troca de tiros com homens armados locais, resultando na sua morte. Um dia depois, homens armados vieram do subúrbio de Mleiha, em Damasco, para Jaramana, onde entraram em confronto com homens armados drusos, resultando na morte de um combatente druso e no ferimento de outras nove pessoas.

Em 1º de março, o Ministério da Defesa de Israel disse que os militares foram instruídos a se preparar para defender Jaramana, afirmando que a minoria que prometeu proteger estava "sob ataque" pelas forças sírias.

Os drusos são um grupo minoritário que surgiu como um desdobramento do ismaelismo, um ramo do islamismo xiita, no século X. Mais da metade dos cerca de 1 milhão de drusos em todo o mundo vive na Síria. A maioria dos outros drusos vive no Líbano e em Israel, incluindo as Colinas de Golã, que Israel conquistou da Síria na Guerra do Oriente Médio de 1967 e anexou em 1981.

Desde janeiro de 2025, o poder na Síria está nas mãos de um governo de transição liderado pelo presidente interino Ahmed al-Sharaa, líder da coalizão islamista que em janeiro derrubou o regime do presidente Bashar al-Assad, agora no exílio. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)

O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, afirmou nesta terça-feira, 29, que seu governo está se preparando para conversas com os Estados Unidos sobre novas sanções à Rússia, afirmando que é importante continuar a exercer pressão sobre as redes de influência de Moscou, bem como sobre todas as suas operações de fabricação e comércio.

"Estamos identificando exatamente os pontos de pressão que empurrarão Moscou de forma mais eficaz para a diplomacia. Eles precisam tomar medidas claras para acabar com a guerra, e insistimos que um cessar-fogo incondicional e total deve ser o primeiro passo. A Rússia precisa dar esse passo", escreveu o canal oficial de Zelensky no Telegram.

Além disso, o líder ucraniano enfatizou que o país está se esforçando para sincronizar suas sanções da forma mais completa possível com todas as da Europa.

Divergências apresentadas pelo Egito e pela Etiópia à reforma do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas impediram a divulgação de um comunicado conjunto após a reunião de ministros das Relações Exteriores do Brics. Em vez disso, foi divulgada nesta terça-feira, 29, uma declaração da presidência do grupo de ministros, ocupada atualmente pelo Brasil. Houve consenso nos demais temas debatidos.

O texto diz que os ministros presentes à reunião, que ocorreu nesta segunda e terça-feira no Palácio do Itamaraty, na região central do Rio de Janeiro, "apoiaram uma reforma abrangente das Nações Unidas, incluindo seu Conselho de Segurança, com vistas a torná-lo mais democrático, representativo, eficaz e eficiente, e a aumentar a representação de países em desenvolvimento nos quadros de membros do Conselho".

As mudanças teriam como objetivo uma resposta adequada "aos desafios globais prevalecentes" e apoiar "as aspirações legítimas dos países emergentes e em desenvolvimento da África, Ásia e América Latina, incluindo Brasil e Índia, de desempenhar um papel mais relevante nos assuntos internacionais, em particular nas Nações Unidas, incluindo seu Conselho de Segurança".

"Reconheceram também as aspirações legítimas dos países africanos, refletidas no Consenso de Ezulwini e na Declaração de Sirte", acrescenta o texto, que trouxe uma observação mencionando ter havido objeções dos representantes do Egito e Etiópia ao comunicado.

Ambos os países se opõem à eleição da África do Sul como país representante do continente africano. Em coletiva de imprensa, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, negou que tenha havido desacordo ou discordância.

"Não houve nenhum desacordo entre os países com relação às questões do Conselho de Segurança. O que acontece é que cada país tem posições e compromissos assumidos", argumentou Vieira a jornalistas, quando questionado sobre o impacto das divergências regionais no documento final. "Não houve nenhuma discordância, apenas cada país e países membros de grupos regionais, alguns africanos no grupo, apenas declararam suas posições e nós estamos trabalhando para compatibilizar todas as necessidades de cada um desses grupos para a declaração dos chefes de Estado."