Embate jurídico trava processo de fraude bilionária no sistema viário de SP

Política
Tipografia
  • Pequenina Pequena Media Grande Gigante
  • Padrão Helvetica Segoe Georgia Times
Uma ação que revela todos os detalhes de um suposto esquema de fraudes bilionárias em licitações de obras no sistema viário de São Paulo está travada desde fevereiro em meio a um embate sobre o foro competente para julgar o caso: a Justiça de São Paulo ou a Justiça Federal.

A Promotoria estadual cobra R$ 4,5 bilhões de gigantes da construção que teriam formado um cartel para se apossar dos contratos do Programa de Desenvolvimento do Sistema Viário Estratégico Metropolitano de São Paulo, gestão do então prefeito Gilberto Kassab (PSD), em 2008 - ele não é acusado na ação.

A ação civil foi levada à Justiça de São Paulo no fim de dezembro do ano passado pela Promotoria de Defesa do Patrimônio Público, braço do Ministério Público que investiga corrupção e improbidade.

Em 88 páginas, o promotor de Justiça Silvio Antonio Marques põe sob suspeita contratos e aditivos de oito obras públicas, municipais e estaduais, que teriam sido fraudados pelo grupo empresarial, denominado "clube das empreiteiras".

O total do prejuízo, segundo a ação, chega R$ 2 bilhões. Incluindo danos morais, a cobrança do MP bate em R$ 4,5 bilhões a serem ressarcidos ao Tesouro estadual.

A ofensiva do MP estadual esbarra em uma investigação do Ministério Público Federal no âmbito da Operação Monte Carlo, que teria conexão com os fatos apontados pela Promotoria estadual.

O imbróglio está sob análise da Justiça, que vai decidir a quem cabe, de fato, tocar a apuração - até isso ocorrer, a ação fica paralisada porque qualquer passo dado agora poderá ser alvo de nulidade mais adiante.

A ação civil do MP estadual travou em fevereiro e aguarda uma decisão sobre a competência para julgamento.

Conflito de competência

O juiz Bruno Luiz Cassiolato, da 1.ª Vara da Fazenda Pública da Capital, determinou a remessa do caso à Justiça Federal. O juiz alegou conexão com uma outra investigação, ancorada na Operação Monte Carlo.

"As pessoas apontadas no polo passivo da presente demanda estão inseridas no polo passivo daquela demanda (Monte Carlo), as obras públicas relacionadas nesta demanda estão referidas naquela demanda, a descrição do esquema fraudulento está descrito da mesma forma em ambos os processos judiciais e até mesmo os pedidos formulados perante esta Justiça Estadual e naquela Justiça Federal, ao menos em parte, e embora por fundamentos diversos, também são coincidentes e não podem ser voltados contra os envolvidos em duplicidade", justificou o magistrado.

O Ministério Público de São Paulo recorreu e conseguiu uma vitória provisória. A desembargadora Mônica Serrano, da 7.ª Câmara de Direito Público, suspendeu a transferência dos autos para a Justiça Federal até o Tribunal de Justiça de São Paulo bater o martelo sobre a tramitação do caso.

A Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo enviou uma nova manifestação aos desembargadores, reiterando que, na avaliação da instituição, a ação deve tramitar na Justiça estadual.

O principal argumento é que as obras questionadas na ação do Ministério Público paulista fizeram parte do pacote do Programa de Desenvolvimento do Sistema Viário Estratégico Metropolitano de São Paulo, que não recebeu aportes federais.

"Resta evidente que, no presente processo, não há o envolvimento de interesse direto ou indireto da União", diz um trecho do documento.

O Ministério Público estadual destaca que, embora o contexto e os réus sejam os mesmos, os processos envolvem licitações diferentes. "Ora, a formação de cartel em análise em um processo não implica conexão com outros no quais existam conluio fraudulento. Os agentes são os mesmos, mas os objetos estão bem delimitados por licitações/contratações em que as empresas cartelizadas realizaram a ilícita divisão de mercado."

Há também uma preocupação com a reunião de processos complexos e em estágios diferentes, o que na avaliação da Procuradoria de Justiça de São Paulo pode atrapalhar o andamento processual e atrasar o desfecho.

A ação relativa à Operação Monte Carlo foi proposta em 2019 pelo Ministério Público Federal. O processo do Ministério Público de São Paulo foi ajuizado em dezembro de 2023.

O MP chama atenção ainda para a distribuição de valores de multas se houver condenação. Na avaliação do órgão, a transferência do processo à Justiça Federal pode abrir caminho para uma disputa indevida pelo dinheiro que eventualmente venha a ser devolvido aos cofres públicos. "Concordar com a reunião dos processos perante a Justiça Federal poderia acarretar o risco de destinação à União de quantias exclusivamente do Estado e do Município de São Paulo."

A decisão cabe agora ao Tribunal de Justiça de São Paulo. Não há data para o julgamento. Até lá, o processo deve ficar travado.

Como operava o cartel, segundo a Promotoria

O cartel formado pelas maiores construtoras do País veio à tona na Operação Lava Jato. Essas empresas teriam se unido para fraudar licitações, corromper agentes públicos e desviar recursos.

A Promotoria de São Paulo afirma que o cartel fraudou contratos do programa viário, que custou cerca de R$ 4 bilhões aos cofres públicos.

"As irregularidades consistiam em fraudes no procedimento licitatório e na subscrição indevida de termos aditivos", diz o MP.

O pacote de construções e reformas envolveu as seguintes obras:

- Nova Marginal Tietê;

- Avenida Jacu-Pêssego;

- Prolongamento da avenida Roberto Marinho;

- Prolongamento da avenida Chucri Zaidan;

- Córrego Ponte Baixa;

- Túnel que liga as avenidas Cruzeiro do Sul e Engenheiro Caetano Álvares;

- Túnel que liga as avenidas Sena Madureira e Doutor Ricardo Jafet;

- Viaduto na avenida Aricanduva sobre a avenida Ragueb Choffi.

- Incluindo danos morais e materiais coletivos na ação que propôs, Silvio Marques reivindica R$ 4,5 bilhões para o Tesouro estadual.

"Os prejuízos devem ser ressarcidos individualmente ou coletivamente pelos demandados, mesmo as empresas que não executaram obras, pois as contratações apenas ocorreram em virtude do 'acordo de mercado' relatado", defende o promotor.

Ele sustenta que Andrade Gutierrez, Odebrecht (atual Novonor), Queiroz Galvão (atual Álya Construtora), OAS (atual Metha) e Camargo Corrêa lideravam a divisão dos contratos.

Essas construtoras formavam o que a ação chama de "G5" - a cúpula do suposto cartel. Outras 14 empresas também teriam ligação com o cartel, mas esporadicamente. Procuradas pela reportagem do Estadão, as empreiteiras não comentaram a ação.

O principal acusado é o ex-diretor da Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S.A.), engenheiro Paulo Vieira de Souza. Ele teria ajudado a direcionar contratos em troca de propinas - o montante cobrado por ele, segundo a investigação, girava entre 5 % e 6% do valor das obras.

Paulo Vieira teria interferido na elaboração dos editais para favorecer as empresas. Os delatores contam que tudo foi acertado em reuniões em hotéis próximos da sede da Dersa, no Itaim, em São Paulo.

O MP resume assim o papel de Paulo Vieira: foi o principal responsável por "organizar o mercado" e se tornou uma espécie de "líder" do cartel. O Estadão busca contato com a defesa do engenheiro.

As cláusulas dos editais seriam definidas de acordo com os interesses das construtoras. Depois, aditivos foram fechados para aumentar o valor definido inicialmente no contrato. O Ministério Público estima que essas renovações levaram a um acréscimo de quase 25% na maioria dos contratos.

"As condutas dos agentes públicos e particulares envolvidos configuraram crimes e atos de improbidade dolosos que causaram enorme prejuízo ao Estado de São Paulo e ao Município de São Paulo", afirma o Ministério Público.

Os contratos foram fechados na gestão do ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD), em 2008. Ele foi citado por delatores como beneficiário de R$ 3,4 milhões em caixa dois da Odebrecht na campanha à reeleição, naquele ano.

Os colaboradores relataram à Justiça que o então prefeito recebeu executivos em seu apartamento, no Jardim Europa, para tratar de 'doações'.

Em 2014, o cacique do PSD teria atuado como "arrecadador" do partido, que recebeu R$ 17 milhões da construtora, ainda segundo as delações.

Kassab não integra o polo passivo da ação, ou seja, ele não é acusado. Durante a investigação da Promotoria, ninguém o mencionou como envolvido nas fraudes atribuídas a Paulo Vieira. Segundo o MP, Kassab foi processado em outra ofensiva por supostamente receber dinheiro da Odebrecht. Com base nas revelações dos delatores da empreiteira que apontaram reuniões no apartamento de Kassab e o suposto acerto de doações via caixa 2 no montante de R$ 3,4 milhões, em valores da época, para a campanha da reeleição, a Promotoria ingressou com uma ação em 2017.

Na ocasião, o MP fechou acordo com a Odebrecht. A ação chegou ao seu final e a empresa continua pagando as parcelas ajustadas no pacto. O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, anulou as provas com relação a Kassab e mandou excluir o ex-prefeito da ação. Em nota, a defesa de Kassab informou que "ele não é parte na ação e que os fatos a ele relacionados foram objeto de autos já arquivado, inclusive no STF".

COM A PALAVRA, PAULO VIEIRA DE SOUZA

Até a publicação deste texto, a reportagem buscou contato com a defesa do ex-diretor da Dersa, mas sem sucesso. O espaço está aberto para manifestação.

COM A PALAVRA, AS EMPREITEIRAS

Andrade Gutierrez, Odebrecht e Camargo Corrêa informaram que não vão comentar o processo. As demais empresas não retornaram a reportagem até a publicação deste texto.

Em outra categoria

Mais de 10 pessoas morreram nesta terça-feira, 29, após confrontos em um subúrbio da capital da Síria entre combatentes drusos e grupos pró-governo, disseram um monitor de guerra e um grupo ativista. Os dados de vítimas, no entanto, ainda são imprecisos.

Homens armados drusos sírios entraram em confronto nas últimas semanas com forças de segurança do governo e homens armados pró-governo no subúrbio de Jaramana, no sul de Damasco.

O Observatório Sírio para os Direitos Humanos, sediado no Reino Unido, afirmou que pelo menos 10 pessoas foram mortas, quatro delas agressores e seis moradores de Jaramana. O coletivo de mídia ativista Suwayda24 afirmou que 11 pessoas foram mortas e 12 ficaram feridas. Outros relatos indicam até 14 mortos.

Os confrontos começaram por volta da meia-noite de segunda-feira, 28, depois que uma mensagem de áudio circulou nas redes sociais em que um homem estaria criticando o profeta Maomé.

O áudio foi atribuído ao clérigo druso Marwan Kiwan. Mas ele afirmou em um vídeo postado nas redes sociais que não era responsável pelo áudio, o que irritou muitos muçulmanos sunitas.

"Nego categoricamente que o áudio tenha sido feito por mim", disse Kiwan. "Eu não disse isso, e quem o fez é um homem perverso que quer incitar conflitos entre partes do povo sírio."

Na terça-feira à noite do horário local, representantes do governo e autoridades de Jaramana chegaram a um acordo para encerrar os conflitos, indenizar as famílias das vítimas e trabalhar para levar os perpetradores à justiça, de acordo com uma cópia do acordo que circulou em Jaramana e foi vista pela Associated Press.

Não ficou imediatamente claro se a trégua será mantida por muito tempo, já que acordos semelhantes no passado fracassaram posteriormente.

O Ministério do Interior afirmou em comunicado que estava investigando o áudio, acrescentando que a investigação inicial demonstrou que o clérigo não era responsável. O ministério pediu à população que cumpra a lei e não aja de forma a comprometer a segurança.

A liderança religiosa drusa em Jaramana condenou o áudio, mas criticou duramente o "ataque armado injustificado" no subúrbio. Instou o Estado a esclarecer publicamente o ocorrido.

"Por que isso continua acontecendo de tempos em tempos? É como se não houvesse um Estado ou governo no comando. Eles precisam estabelecer postos de controle de segurança, especialmente em áreas onde há tensões", disse Abu Tarek Zaaour, morador de Jaramana.

No final de fevereiro, um membro das forças de segurança entrou no subúrbio e começou a atirar para o alto, o que levou a uma troca de tiros com homens armados locais, resultando na sua morte. Um dia depois, homens armados vieram do subúrbio de Mleiha, em Damasco, para Jaramana, onde entraram em confronto com homens armados drusos, resultando na morte de um combatente druso e no ferimento de outras nove pessoas.

Em 1º de março, o Ministério da Defesa de Israel disse que os militares foram instruídos a se preparar para defender Jaramana, afirmando que a minoria que prometeu proteger estava "sob ataque" pelas forças sírias.

Os drusos são um grupo minoritário que surgiu como um desdobramento do ismaelismo, um ramo do islamismo xiita, no século X. Mais da metade dos cerca de 1 milhão de drusos em todo o mundo vive na Síria. A maioria dos outros drusos vive no Líbano e em Israel, incluindo as Colinas de Golã, que Israel conquistou da Síria na Guerra do Oriente Médio de 1967 e anexou em 1981.

Desde janeiro de 2025, o poder na Síria está nas mãos de um governo de transição liderado pelo presidente interino Ahmed al-Sharaa, líder da coalizão islamista que em janeiro derrubou o regime do presidente Bashar al-Assad, agora no exílio. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)

O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, afirmou nesta terça-feira, 29, que seu governo está se preparando para conversas com os Estados Unidos sobre novas sanções à Rússia, afirmando que é importante continuar a exercer pressão sobre as redes de influência de Moscou, bem como sobre todas as suas operações de fabricação e comércio.

"Estamos identificando exatamente os pontos de pressão que empurrarão Moscou de forma mais eficaz para a diplomacia. Eles precisam tomar medidas claras para acabar com a guerra, e insistimos que um cessar-fogo incondicional e total deve ser o primeiro passo. A Rússia precisa dar esse passo", escreveu o canal oficial de Zelensky no Telegram.

Além disso, o líder ucraniano enfatizou que o país está se esforçando para sincronizar suas sanções da forma mais completa possível com todas as da Europa.

Divergências apresentadas pelo Egito e pela Etiópia à reforma do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas impediram a divulgação de um comunicado conjunto após a reunião de ministros das Relações Exteriores do Brics. Em vez disso, foi divulgada nesta terça-feira, 29, uma declaração da presidência do grupo de ministros, ocupada atualmente pelo Brasil. Houve consenso nos demais temas debatidos.

O texto diz que os ministros presentes à reunião, que ocorreu nesta segunda e terça-feira no Palácio do Itamaraty, na região central do Rio de Janeiro, "apoiaram uma reforma abrangente das Nações Unidas, incluindo seu Conselho de Segurança, com vistas a torná-lo mais democrático, representativo, eficaz e eficiente, e a aumentar a representação de países em desenvolvimento nos quadros de membros do Conselho".

As mudanças teriam como objetivo uma resposta adequada "aos desafios globais prevalecentes" e apoiar "as aspirações legítimas dos países emergentes e em desenvolvimento da África, Ásia e América Latina, incluindo Brasil e Índia, de desempenhar um papel mais relevante nos assuntos internacionais, em particular nas Nações Unidas, incluindo seu Conselho de Segurança".

"Reconheceram também as aspirações legítimas dos países africanos, refletidas no Consenso de Ezulwini e na Declaração de Sirte", acrescenta o texto, que trouxe uma observação mencionando ter havido objeções dos representantes do Egito e Etiópia ao comunicado.

Ambos os países se opõem à eleição da África do Sul como país representante do continente africano. Em coletiva de imprensa, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, negou que tenha havido desacordo ou discordância.

"Não houve nenhum desacordo entre os países com relação às questões do Conselho de Segurança. O que acontece é que cada país tem posições e compromissos assumidos", argumentou Vieira a jornalistas, quando questionado sobre o impacto das divergências regionais no documento final. "Não houve nenhuma discordância, apenas cada país e países membros de grupos regionais, alguns africanos no grupo, apenas declararam suas posições e nós estamos trabalhando para compatibilizar todas as necessidades de cada um desses grupos para a declaração dos chefes de Estado."