Ao piano, Moreira Lima parava o tempo, unindo furor e delicadeza

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Arthur Moreira Lima, que morreu na quarta-feira, aos 84 anos, foi muitos pianistas em um só - e como tal criou espaço próprio, alguns diriam solitário, na constelação do piano brasileiro desde que, nos anos 1960, sua carreira começou a ganhar forma. Tratando havia tempos de um câncer no intestino, ele estava internado fazia duas semanas no Imperial Hospital de Caridade, em Florianópolis, onde vive sua família.

 

Moreira Lima desafiou os críticos tanto pela qualidade de suas interpretações quanto pelas opções que fez - de repertório, sim, por conta da relação com a música popular brasileira, mas também pelas escolhas de carreira que o afastaram do modelo tradicional de concertista para o qual parecia moldado.

 

Tudo começou aos 8 anos, quando, aluno de Lúcia Branco, professora também de Tom Jobim e Nelson Freire (era apenas quatro anos mais velho que o colega, que em 2024 completaria 80), fez seu primeiro concerto com a Orquestra Sinfônica Brasileira.

 

Nos anos 1960, ele se mudou para a Europa e, em 1965, conquistou o segundo lugar na histórica sétima edição do Concurso Chopin de Varsóvia. É de se imaginar o júri diante da difícil decisão de escolher entre ele e aquela que acabou ficando com o primeiro prêmio, a argentina Martha Argerich.

 

Cinco anos mais tarde, outra distinção, o terceiro lugar no Concurso Tchaikovski, em Moscou. Àquela altura, Moreira Lima já havia passado pelas mãos do professor Rudolf Kehrer. E atribuiria a ele, e à presença na União Soviética, a possibilidade de iniciar uma carreira de escopo internacional.

 

Em Varsóvia, durante as provas do concurso, um crítico polonês, citado na época pelo Estadão, exaltou a sua sensibilidade e a compreensão que tinha da obra de Chopin em "interpretações inolvidáveis".

A associação com a música do compositor marcou desde o início a sua carreira. Mas o que suas leituras mostravam servia também para definir seu pianismo como um todo, para além da técnica de exceção, que dava ao toque, a cada nota, enorme clareza.

 

O furor romântico com que Moreira Lima se aproximava do repertório do século 19 não excluía momentos de delicadeza desconcertante ou a construção original das frases musicais. Tudo convivia de maneira orgânica - até mesmo o silêncio, uma nota sustentada que é interrompida pelo instante mais breve antes que a melodia possa seguir. E havia a escolha de andamentos. Sem pressa, sem demora, Moreira Lima criava - em Chopin, Brahms, Scriabin ou Villa-Lobos - um tempo que existia apenas em sua imaginação de artista e que pervertia, no ouvinte, a própria noção do real.

 

HERANÇA

 

Sua volta em definitivo ao Brasil, no final dos anos 1970, não o afastou do repertório romântico, mas marcou o início de uma nova relação com a música brasileira. Tinha uma visão particular sobre ela. Como disse em uma rara entrevista, não considerava a herança europeia como parte da cultura brasileira. Era um universo distinto, com relação ao qual não poderíamos reivindicar pertencimento. Ao mesmo tempo, porém, essa herança influenciou de tal forma nossos compositores que deu a eles enorme sofisticação de escrita no momento em que criavam obras que remetiam a algo, agora assim, brasileiro de fato.

 

Era assim que enxergava, por exemplo, a música de Ernesto Nazareth, a que se dedicou desde os anos 1960, quando começou a tocá-la em recitais nos quais dividia espaço com Chopin. "Não tinha nada a ver, do ponto de vista estético, colocar Nazareth no meio de um programa pesado como aquele, mas, do ponto de vista de importância, fazia todo sentido: Nazareth entre os grandes. Acabou sendo algo que o público recebeu com emoção. Estávamos há dois anos na ditadura militar - desde 1964 - e a esquerda ficou assanhadíssima com esse gesto. Uma demonstração de que subdesenvolvido também tem alma, sabe?", afirmou em um depoimento concedido ao Instituto Moreira Salles em 2022.

 

Não era uma escolha banal e Moreira Lima sabia disso. Se hoje o diálogo entre o erudito e o popular é um dado aceito da vida musical brasileira, naquele momento ainda torcia narizes. E o fato de que era defendida por um pianista talhado para as maiores salas de concerto do mundo acrescentava à discussão alguma perplexidade. Desde então, no imaginário em torno de Moreira Lima, o que ele fazia e foi passou a conviver com aquilo que decidiu não fazer - e não ser.

 

CHORO

 

O pianista nunca explicou seus motivos. Mas é certo que via diferentes referências musicais como parte de um mesmo diálogo. "O choro é, de certa forma, a alma da música brasileira. E esse envolvimento com a obra de Nazareth me introduziu nesse mundo mágico, imperceptível para quem está imerso na música clássica. Mas ele existe, é muito rico e me ajudou, inclusive, na minha interpretação de música clássica", disse, em 2022.

 

Algo parecido ele via na obra de Astor Piazzolla, a quem dedicou um disco em 1997. "Piazzolla trouxe ao tango, à milonga e a outros gêneros populares um desenvolvimento do ponto de vista formal, musical. É um tratamento que tem como característica o aproveitamento dos temas, com contrapontos, fugas, imitação, todos os elementos formais da música erudita. Piazzolla recolheu seus temas da música de rua, mas os desenvolveu à maneira da sonata e a singularidade de sua música está neste tratamento", explicou o pianista em entrevista de dezembro de 1997 à Revista Concerto.

 

ESTRADA

 

No final dos anos 1990, suas gravações começaram a soar um pouco desiguais. As aparições no palco foram rareando, quase desaparecendo por completo. E quando, já nos anos 2000, ele retornou, foi em um contexto diferente. Moreira Lima comprou um caminhão, instalou nele um piano e começou a percorrer o Brasil, fazendo apresentações em praças públicas. O documentário de 2018 de Marcelo Mazuras, que acompanha o projeto, Arthur Moreira Lima - Um Piano para Todos, fala em mais de 300 mil quilômetros rodados.

 

O caminhão foi do sul ao norte do País, subiu o Rio Amazonas, serpenteou o caminho ao longo do Rio São Francisco. Ao público, qualquer público, importava o belo. Havia no projeto o desejo assumido de democratização do piano, da música clássica, do que ele definia como o gesto compartilhado do fazer musical. Mas também um pianista que agora se colocava de vez longe dos grandes centros e suas expectativas, percorrendo as estradas só com sua música e seu piano. De alguma forma, sempre foi assim.

 

 

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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O prefeito Vaguinho Espíndola (PSD), de Criciúma, em Santa Catarina, viveu a experiência de ser morador de rua por um dia. Disfarçado, ele ganhou quase R$ 6 de esmola em um semáforo, café e comida dados por moradores, mas não foi reconhecido nem pela família. Sua esposa e os dois filhos passaram por ele e seguiram adiante. "Senti na pele o que é ser invisível", disse ao Estadão.

A experiência aconteceu no último dia 10, na cidade de 225 mil habitantes, no sul catarinense. Espíndola diz que a ideia inicial era ficar 24 horas vivendo na rua, mas acabou ficando 20 horas porque foi abordado e reconhecido pela equipe de assistência social do próprio município. Um fotógrafo da prefeitura o acompanhou à distância.

Ele nunca usou barba, mas saiu à rua com barba e peruca postiças, além de roupas andrajosas e muita maquiagem. "Foi uma experiência única. Eu quis sentir na pele o que essa população sente, até para orientar nossas políticas públicas para ela, mas houve situações impactantes", conta.

Uma delas foi quando um garoto com cerca de 10 anos saiu de uma lanchonete e trouxe uma xícara de café para ele. "Não conheço o piá (menino), nem ele me reconheceu. Era um dia muito frio, a região aqui é fria, mas o gesto me emocionou." Quando parou embaixo de um semáforo estendendo a mão, em 15 minutos recebeu moedas que totalizaram quase R$ 6.

O impacto maior, conta, foi quando passava próximo à sua casa e sua esposa caminhava pela rua com os dois filhos do casal. "Eles passaram direto por mim. Foi quando senti a sensação terrível de ser invisível."

Por outro lado, várias pessoas ofereceram comida e tiveram gestos de solidariedade. Vaguinho também foi à região do Pinheirinho, onde há pontos de tráfico de drogas e concentra a população vulnerável para conversar com usuários.

Por volta da 0h30 da madrugada, quando já estava dormindo sob a marquise de uma igreja, no bairro Santa Bárbara, a equipe da assistência social o abordou. "O agente estava me oferecendo a possibilidade de ir para a casa de passagem, mas ele me reconheceu. Aí não tive como esconder, pois tinha outras pessoas por perto."

O prefeito viu também muitas pessoas drogadas entre os moradores de rua. "Aqui tem algumas bocas, fui até elas e pude ver como esse mundo de crime e do tráfico está infiltrado entre essa população em situação de rua. Posso afirmar que a droga não é o motivo principal para a pessoa ir para a rua, mas é 100% o motivo para elas não saírem da rua."

A prefeitura mantém um atendimento para o morador de rua que quer se alimentar, tomar banho e um local para dormir. O programa inclui a casa de passagem, em que o morador fica e recebe treinamento até conseguir emprego - ao receber o primeiro salário ele vai para o aluguel. Desde o início do ano, houve uma redução de 280 para 170 moradores nessa condição.

Projeto prevê internação involuntária

Vaguinho vai enviar um projeto para a Câmara autorizando a internação involuntária de moradores de rua em condições de dependência química. "Estamos credenciando 50 vagas em clínica para essas internações."

Ele também observou que muitas das pessoas que encontrou nas ruas não são de Criciúma. "Vamos ter um observatório municipal para esse público, pois os números são imprecisos. As pessoas que estão aqui hoje, amanhã estão em Florianópolis, depois vão para São Paulo."

Ele conta que o município triplicou o número de internações voluntárias, com 150 vagas já preenchidas, e ampliou o número de assistentes sociais e psicólogos para trabalhar os vínculos familiares. "O monitoramento deste mês mostrou que de cada 10 que internamos, com a ajuda dos assistentes sociais, seis deles refizeram os vínculos familiares, três estão nas casas de passagem trabalhando e um voltou para a rua. Não se trata apenas de tirar das ruas, mas dar tratamento, trabalho e esperança", disse.

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Igor Eduardo Pereira Cabral, de 29 anos, vai responder pelo crime de tentativa de feminicídio por ter espancado a namorada com mais de 60 socos no rosto dentro de um elevador de um condomínio em Ponta Negra, zona sul de Natal, no Rio Grande do Norte. A defesa de Cabral não foi localizada pela reportagem.

Advogado especialista em direito de família, Fernando Felix destaca que imagens de câmeras de segurança costumam ter peso forte no processo envolvendo casos de violência. Segundo ele, esse tipo de prova pode fazer a diferença para confirmar os fatos.

Entenda abaixo as principais acusações contra Cabral:

O agressor vai responder por tentativa de feminicídio. Do que se trata esse tipo de acusação?

Acontece quando há uma tentativa de matar uma mulher por ela ser mulher, o que inclui situações de violência doméstica, relações marcadas por controle, ciúmes ou sentimento de posse.

"Mesmo que a vítima não morra, se ficar claro que havia intenção de matar, já é o suficiente para que a acusação se enquadre como tentativa de feminicídio. O que diferencia esse crime é justamente o contexto: o agressor age movido por desprezo ou discriminação de gênero", afirma Fernando Felix.

O que mudou com o "Pacote Antifeminicídio"?

A nova lei trouxe mudanças duras e importantes. A pena mínima, que antes era de 12 anos, agora passou para 20. E a máxima foi elevada para 40 anos. "Além disso, a lei incluiu novos agravantes: por exemplo, quando o crime é cometido durante a gravidez, no pós-parto ou na frente dos filhos. A ideia é dar uma resposta mais firme a esse tipo de violência, que infelizmente ainda é muito comum no Brasil", acrescenta Felix.

A agressão foi flagrada por meio das câmeras de segurança dentro do elevador. É uma prova relevante?

"Sem dúvida. Imagens de câmeras de segurança costumam ter um peso muito forte no processo, porque mostram o que aconteceu de forma direta e sem interpretações. Em casos de violência, onde muitas vezes só existem as versões das partes envolvidas, esse tipo de prova pode fazer toda a diferença para confirmar os fatos", defende o advogado.

Investigação em andamento

O caso está sendo investigado pela Polícia Civil do Rio Grande do Norte, por meio da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher da Zona Leste, Oeste e Sul (DEAM/ZLOS). Cabral foi preso em flagrante.

A vítima, de 35 anos, foi encaminhada ao Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel e aguarda por cirurgia. Ela vai precisar do procedimento de reconstrução do seu rosto, pois teve o maxilar fraturado.

O espancamento cometido por Igor Cabral contra a namorada, dentro de um elevador em um prédio em Natal, no Rio Grande do Norte, no último sábado, 26, começou depois de o agressor ter visto mensagens no celular da companheira que o teriam deixado com ciúmes.

Cabral foi preso em flagrante por tentativa de feminicídio após desferir 60 socos contra a companheira e teve a prisão convertida em preventiva após audiência de custódia. A reportagem tenta contato com a defesa dele.

A vítima precisou ser hospitalizada e terá de passar por uma cirurgia de reparação no rosto.

De acordo com a delegada Victoria Lisboa, da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher (Deam), Cabral teve uma crise de ciúmes depois de ver mensagens no celular da namorada.

"Eles estavam em um churrasco, em um momento de confraternização com os amigos, momento em que ele pediu para ver o celular dela", disse a delegada. "Ela mostrou o celular, falou que as mensagens não tinham nada demais - foram palavras dela -, quando ele ficou enciumado", disse a delegada

Igor Cabral, que é estudante e fez carreira como jogador de basquete, subiu até o apartamento da namorada para pegar seus pertences. A vítima subiu também, mas resolveu permanecer no elevador por segurança.

"Ele entrou no elevador e pediu para ela sair. Ela, já temendo por qualquer conduta que ele poderia praticar contra ela, sabendo que no corredor não teriam câmeras para pegar o ato, permaneceu dentro do elevador, momento em que ele a agrediu", descreveu a delegada.

As imagens do elevador flagraram as agressões. Cabral avançou contra a vítima e desferiu mais de 60 socos no rosto da mulher. Ele continuou os golpes mesmo com a mulher no chão. Após o ataque, o agressor foi contido pelos moradores do prédio, que chamaram a polícia na sequência.

Cabral alega que as agressões foram motivadas por um "surto claustrofóbico" e que, antes das agressões, ele teria descoberto uma traição por parte da namorada.

Histórico de violência

Conforme a delegada Victória Lisboa, a vítima relatou em depoimento que Igor Cabral já tinha cometido outras agressões durante o relacionamento, como empurrões, e que o agressor teria incentivado a namorada a tirar a própria vida, quando ela teve demonstrações de intenções suicidas. Não havia nenhuma medida de proteção contra ele, de acordo com a delegada.