Uma proposta da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) gerou críticas entre sociedades médicas nesta semana e mobilizou a Procuradoria-Geral da República. No centro do debate estão as orientações para a realização de mamografias na rede particular.
O episódio teve início com a abertura de uma consulta pública para discutir a criação de um selo de Certificação de Boas Práticas em Atenção Oncológica. Entre os critérios propostos para o recebimento do certificado está a busca ativa de mulheres entre 50 e 69 anos para a realização da mamografia a cada dois anos.
A ANS afirma que a medida, em linha com a idade e a periodicidade indicadas pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca), beneficiaria as usuárias de planos de saúde.
"As operadoras certificadas oferecerão um serviço diferenciado, incluindo o rastreamento de mamografias em suas carteiras para identificar precocemente o câncer, ajudando a salvar vidas de mulheres", diz a agência em nota divulgada após a polêmica.
Ainda de acordo com a ANS, a proposta não alteraria o rol de procedimentos e a cobertura das mamografias nos planos de saúde seguiria a mesma. Atualmente, as regras preveem a mamografia para mulheres de qualquer idade, conforme indicação médica, e a mamografia digital para mulheres de 40 a 69 anos. "O plano de saúde não pode negar e, caso isso aconteça, terá consequências, como a aplicação de multa", reforça a agência.
As sociedades médicas, porém, entendem que a medida poderia dificultar o acesso de mulheres abaixo dos 50 anos ao exame.
"Não somos contra a criação do selo, achamos a ideia interessante. O que acontece é que, ao colocar como critério de qualidade que as operadoras de planos de saúde cubram o rastreamento bienal a partir dos 50 anos, estamos indo contra tudo que tem mostrado bons resultados nas pacientes com cobertura de planos de saúde", afirma Cícero Urban, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM).
A SBM e outras sociedades médicas defendem a realização da mamografia anualmente, a partir dos 40 anos. Segundo Urban, ao associar o certificado de qualidade a um rastreamento bienal a partir dos 50, cria-se a ideia de que esse é o padrão ouro para prevenção do câncer de mama. "Mas não é", ressalta ele.
40 anos x 50 anos
A SBM, a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e o Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (CBR) recomendam a idade mínima de 40 anos para rastreamento de câncer de mama no País, tanto na rede pública quanto no sistema suplementar.
Segundo a SBM, no SUS, onde o rastreamento é bienal e centrado em mulheres entre 50 e 69 anos, apenas 5% dos diagnósticos são carcinoma em estágio inicial e 40% já estão em estágio avançado quando são descobertos.
A Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama) também vê riscos na proposta da ANS. Segundo a entidade, a ideia de usar o rastreamento recomendado pelo Inca e, ao mesmo tempo, oferecer o serviço de mamografia anualmente para mulheres a partir dos 40 anos pode criar confusão e afetar o acesso das usuárias aos exames anuais.
A federação afirma ainda que rastrear o câncer de mama a partir dos 40 anos, de forma anual, pode aumentar em 25% a chance de sobrevida das mulheres diagnosticadas em 10 anos.
A ANS, por sua vez, reafirma que a regra da busca ativa de pacientes entre 50 e 69 anos foi definida a partir das bases do Inca e de evidências científicas. Afirma ainda que, segundo o instituto, "persiste controvérsia sobre a real efetividade do rastreamento na redução da mortalidade" de mulheres na faixa de 40 a 49 anos.
PGR pede esclarecimentos
Diante do embate, a Procuradoria Geral da República (PGR) enviou um ofício à ANS solicitando informações sobre a medida. A agência tem um prazo de 15 dias para se manifestar.
No documento, o procurador federal dos Direitos do Cidadão, Nicolao Dino, afirma que, embora a agência tenha emitido notas de esclarecimento, ainda há questionamentos e preocupações sobre a possível repercussão da proposta sobre o comportamento das operadoras de planos de saúde em relação às pessoas que precisam realizar a mamografia antes dos 50 anos.
Entre outros dados, Dino solicita os estudos utilizados para embasar a proposta, o posicionamento e a análise da ANS sobre possíveis impactos da medida, o prazo estimado para tomada de decisão final sobre o tema e eventuais etapas regulatórias a serem seguidas.
Além disso, questiona sobre a existência de eventuais consultas ou audiências públicas para debater a questão com a sociedade e especialistas da área da saúde.