'Dois Papas', peça que inspirou o filme, chega ao teatro com Zécarlos Machado e Celso Frateschi

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De uma coisa, o diretor Munir Kanaan, de 45 anos, tinha a absoluta certeza. Para levar aos palcos Dois Papas, a peça de Anthony McCarten que inspirou o filme de Fernando Meirelles, ele precisaria de dois intérpretes de grande presença cênica e talentos inquestionáveis. No cinema, Anthony Hopkins e Jonathan Pryce defenderam respectivamente Bento XVI e Jorge Bergoglio, o papa Francisco.

 

Em dezembro, jantando em um restaurante com o ator Zécarlos Machado, escalado para o papel do Papa Bento XVI, Kanaan avistou Celso Frateschi em uma mesa do fundo, pagando a conta. Assim que Machado enxergou o colega, levantou-se para cumprimentá-lo. Os dois se abraçaram e, diante da imagem fraterna, Kanaan visualizou os personagens: "Eu entendi que tinha encontrado o meu papa Francisco", conta. "Frateschi tem a doçura que contrabalança com a intensidade do Zécarlos."

 

Lançada na Inglaterra em 2019, a peça Dois Papas ganha a primeira encenação internacional, que estreia no Sesc Guarulhos nesta sexta, dia 7, e será vista no Sesc Santo Amaro, na capital paulista, a partir do dia 21.

 

A dramaturgia ficciona um encontro entre dois homens de pensamentos opostos que têm como ponto em comum a dedicação à Igreja Católica. "É um texto que mostra como a gente perdeu a civilidade e não aceita o quanto uma visão diferente pode até ser enriquecedora", explica Kanaan. "O autor nunca mete o dedo na ferida, ele aponta a ferida."

 

Na trama, o cardeal argentino Jorge Bergoglio pretende se aposentar devido às divergências com Bento XVI, representante de ideias conservadoras que, na sua compreensão, não dialogam com o mundo moderno. Exausto de ser visto como um rebelde, ele se surpreende com o convite do Papa para um encontro que servirá de teste de escuta e tolerância contra o radicalismo de ambos.

 

O líder máximo deseja renunciar porque não suporta mais tantas pressões, e Bergoglio desponta como um candidato à sucessão. "O mais bonito da peça é que os dois acreditam na estrutura católica, mas o Francisco não esconde as divergências com os pensamentos ultrapassados", diz Machado, o Bento XVI. Também elogioso ao texto, Frateschi, o papa Francisco, ressalta que existe uma possível trégua em nome da Igreja: "No encontro, há um desarmamento de espíritos, só que, mesmo os dois criando uma amizade, não muda as visões de cada um".

 

Uma diferença da peça em relação ao filme é a presença de duas personagens femininas. A atriz Eliana Guttman vive a austera Irmã Brigitta, amiga de Bento XVI, que ouve seus desabafos e o estimula a se manter firme nas convicções tradicionais, e Carol Godoy interpreta a Irmã Sofia, uma freira que perdeu os pais na ditadura argentina e encontrou um propósito nas palavras de Bergoglio. "Estas mulheres ajuda a revelar a alma dos protagonistas e reforça o contraponto entre os dois", observa o diretor.

 

Os paulistas Zécarlos Machado, 75 anos, e Celso Frateschi, 73, pertencem a uma mesma geração, aquela que começou a fazer teatro na fase mais truculenta do regime militar. Machado, recém-profissionalizado, trabalhou com Paulo Autran (1922-2007) e Bibi Ferreira (1922-2019) no musical O Homem de la Mancha, em 1972, e consolidou o seu nome nos espetáculos do Grupo Tapa nas décadas de 1990 e 2000.

 

Frateschi, por sua vez, estreou no Teatro de Arena em 1970 e, nas últimas cinco décadas, privilegiou montagens de força política e social. Juntos, eles participaram de Santa Joana, sob a direção de José Possi Neto em 1986. "Eu era um carrasco, um cara que só pensava em queimar a Joana D'Ark na fogueira", lembra Machado, que ainda encontrou o colega em episódios da série Sessão de Terapia, em 2014.

 

Em comum, os dois atravessaram uma infância relacionada ao catolicismo. O pai de Frateschi era muito religioso, foi congregado mariano, e o filho, que estudou no Colégio Salesiano, no Alto da Lapa, foi coroinha na capela do bairro. "A comunidade inteira vivia em função da paróquia, era uma rotina, mas, logo na adolescência, eu descobri que pecado não era exatamente o que a Igreja pregava e larguei de mão", afirma Frateschi.

 

Machado também foi coroinha e, para agradar a mãe devota, quase estudou no seminário da cidade de Assis. "Para a classe média baixa de onde venho, era um bom negócio, porque garantia estudo, alimentação e moradia, mas, na última hora, o meu pai contrariou a ideia", afirma. "Eu me lembro até hoje da presença quase teatral de um padre na minha casa, com a batina preta, uma estola roxa, meio maquiado em domingo de muito calor."

 

Assim como Bento XVI e Papa Francisco, Machado e Frateschi são intérpretes distintos. O primeiro é instintivo, inquieto, enquanto o outro costuma se mostrar mais cerebral, técnico. Sobre a religião, porém, eles chegam a um consenso que mostra a disposição para crer em uma fé que ultrapassa o determinismo da Igreja. "Não tenho religião e prefiro vê-la como uma expressão mítica da nossa ignorância, mas Deus pode se manifestar na natureza, nas pessoas", diz Frateschi.

 

Machado se considera um ateu que acredita em Deus. Vez por outras, nas caminhadas pelo Bosque da Saúde, onde mora, entra em uma igreja do bairro e fica à vontade naquele clima de silêncio e contemplação, quase como um convite à meditação.

 

"Eu sou um homem que gosta de rituais e admiro a busca da espiritualidade, seja no catolicismo, protestantismo, candomblé ou budismo", declara. "O meu Deus aparece nos meus 'eus' mais íntimos e nobres e, quando a gente busca nossas vozes mais profundas, acessamos o divino sem depender de religião."

 

Dois Papas

 

Sesc Guarulhos

 

Rua Guilherme Lino dos Santos, 1.200 - Jardim Flor do Campo - Guarulhos

Sexta e sábado, 20h; domingo, 18h. De 7/3 a 16/3

R$ 60

 

Sesc Santo Amaro

 

Rua Amador Bueno, 505 - Santo Amaro - São Paulo

Sexta e sábado, 20h; domingo, 18h. De 21/3 a 27/4

R$ 50

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O potencial de captação de recursos do investidor privado pelo Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês) é de bilhões e bilhões de dólares. O prognóstico é de Dyogo Oliveira, presidente da Confederação Nacional das Seguradoras (CNSeg).

"O TFFF oferece três pontos importantes para o investidor. Tem risco baixo. Tem rentabilidade. É verdade que o retorno não é uma 'Brastemp', mas é rentável. E ainda oferece liquidez", disse o ex-ministro do Planejamento.

"Ao ter essas três condições, o fundo tem potencial de atrair muitos bilhões globalmente", afirmou.

O presidente da CNSeg pontuou que muitas seguradoras têm encontrado dificuldade de encontrar ativos "verdes" para compor suas carteiras de investimentos. "A CNSeg tem pedido para o Tesouro Nacional a emissão de 'green bonds' no Brasil. O Tesouro já fez duas emissões de 'green bonds', mas só no exterior", disse Dyogo.

O ex-ministro disse que ficou "realmente muito otimista" com o fundo, que classificou como sofisticado e criativo e que parece oferecer as garantias de liquidez, retorno e risco controlado.

"O mais difícil o Brasil já fez, que é trazer o dinheiro soberano", afirmou Lucca Rizzo, especialista em financiamento do Instituto Clima e Sociedade (iCS). "O Brasil lançou a ideia do fundo em Dubai, na COP30, e em dois anos conseguiu tirar do papel", elogiou Rizzo.

O especialista do iCS pontuou que o instrumento é um ganha-ganha porque remunera o país em desenvolvimento e realmente conserva a floresta tropical. "É um instrumento de pagamento por resultado", disse Rizzo.

Depois de um tornado devastar o município de Rio Bonito do Iguaçu (PR) na noite de sexta-feira, 7, equipes da Defesa Civil, da prefeitura e outros órgãos estaduais e federais seguem tentando definir um plano de reconstrução da cidade a partir de estudos técnicos. Embora ainda não exista uma estimativa sobre o prejuízo total, o governo estadual calcula que apenas a reconstrução de uma nova escola e de um ginásio de esportes deverá custar cerca de R$ 15 milhões. Além disso, segundo a prefeitura, as edificações públicas destruídas somam mais de 10 mil metros quadrados.

O cenário é descrito como de destruição quase completa: o município estima que 90% da área urbana foi afetada e que cerca de 700 casas foram danificadas. Em entrevista ao Estadão neste domingo, 9, a capitã Luisiana Guimarães Cavalca, que representa o Corpo de Bombeiros e a Defesa Civil, informou que equipes ainda percorrem as áreas atingidas e georreferenciam imóveis danificados pelo tornado, que gerou ventos acima de 250 km/h, matou seis pessoas e feriu mais de 800 moradores.

"O Crea está com mais de 200 engenheiros voluntários, de diversas especialidades, que vão avaliar as estruturas e definir o destino dos escombros e riscos de novas quedas. Esse levantamento deve durar de sete a dez dias", afirmou.

O porta-voz da prefeitura, Alex Garcia, reforçou que ainda não há levantamento financeiro consolidado, mas afirmou que a prioridade agora é por doações de materiais de construção e de mão de obra: "Nesse momento, a população de Rio Bonito do Iguaçu está precisando de mão de obra qualificada e também de materiais de construção. A gente disponibilizou uma chave Pix (CNPJ: 95.587.770-0001-99) para quem não puder fazer doação de materiais de construção ou de mão de obra."

O governo do Paraná anunciou que mais de 30 equipamentos, entre escavadeiras, caminhões e tratores, estão sendo usados para desobstruir vias, remover destroços e reorganizar os espaços públicos. "Hoje o foco é começar a limpar a cidade, retirar os entulhos e, principalmente, fazer o levantamento dos danos e prejuízos para que possamos, da maneira mais breve possível, fazer chegar recursos financeiros a essas pessoas, aos comerciantes e permitir o retorno à normalidade", afirmou o coordenador estadual da Defesa Civil, coronel Fernando Shunig.

A expectativa, diz Shunig, é que em dois ou três dias a cidade esteja "limpa". O decreto de calamidade pública assinado pelo governador do Paraná, Ratinho Junior (PSD), deverá facilitar o acesso da população a recursos financeiros que possibilitem a reconstrução dos imóveis.

Na prática, a medida reconhece oficialmente a gravidade da situação e permite que o governo do Estado adote ações emergenciais, como a dispensa de licitações, a mobilização imediata de recursos e o pedido de apoio federal. O município também pode solicitar recursos da União e do Fundo Estadual de Calamidade Pública (FECAP), além de firmar convênios emergenciais para reconstrução.

No sábado, 8, o governo do Paraná encaminhou à Assembleia Legislativa, em regime de urgência, um projeto de lei que altera a lei do Fecap. Até então, a lei permitia apenas repasse a fundo com municípios. Se aprovada, a mudança vai permitir o envio direto de recursos financeiros às famílias que tiveram as casas destruídas. Os critérios serão estabelecidos por decreto, mas a ideia é liberar até R$ 50 mil por família.

O governador Ratinho Junior (PSD) também autorizou a liberação imediata de recursos para os municípios atingidos. As verbas serão aplicadas em obras emergenciais como reconstrução de estradas, pontes, escolas, creches e unidades de saúde que foram destruídas. "Além do que já temos, essa nova lei vai possibilitar auxiliar na recuperação de maneira muito mais célere", disse.

No âmbito federal, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reconheceu o estado de calamidade pública em Rio Bonito do Iguaçu, o que garante acesso imediato a recursos para socorro e reconstrução. A ministra da Secretaria de Relações Institucionais (SRI), Gleisi Hoffmann, informou ao Estadão que pediu ao presidente da Caixa Econômica Federal a liberação dos recursos do FGTS para os atingidos. Em nota, disse que uma equipe do Grupo de Apoio a Desastres (Gade) foi mobilizada para o Paraná e que técnicos da Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (Sedec) foram acionados para auxiliar nas ações de resposta e assistência humanitária.

O ministro da Integração e do Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, desembarcou neste domingo, 9, em Rio Bonito do Iguaçu para acompanhar a situação e se reunir com autoridades locais e estaduais. "A equipe está autorizada a solicitar tudo o que for necessário da parte do governo federal para empregar na operação, seja força humanitária, equipamentos ou apoio logístico. O governo do presidente Lula trabalha de forma integrada, mobilizando todos os ministérios", afirmou Waldez antes da viagem.

Os fenômenos meteorológicos que atingiram o Paraná também afetaram cidades do estado vizinho Santa Catarina.

Segundo a Defesa Civil do Estado, três tornados causaram danos às cidades de Dionísio Cerqueira, Xanxerê e Faxinal dos Guedes, entre sexta-feira e sábado, com ventos de pelo menos 105 km/h.

Os tornados são resultado da passagem de uma frente fria e de um ciclone extratropical sobre o Oceano Atlântico, que criou um ambiente instável de descargas elétricas, granizo e ventos intensos na região.

O órgão informou que os tornados tiveram duração de poucos minutos, mas causaram danos intensos: casas foram parcialmente destruídas, especialmente destelhadas, pessoas estão desalojadas.

As três cidades também registraram inúmeras quedas de árvores, escolas interditadas, importantes vias fechadas e interrupção no fornecimento de energia elétrica - mais de 40 mil endereços ficaram sem luz durante o final de semana.