História da velhice: Mary Del Priore conta como tratamos nossos 'velhos' desde a Colônia

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Tudo começou com uma inesperada dor no próprio joelho e a observação mais atenta à fragilidade da mãe centenária. "Foi quando o tema da velhice passou a me interessar, pois, afinal, sempre deixamos uma parte de nós mesmos na história que fazemos", conta a escritora e historiadora Mary Del Priore, de 73 anos, que, atenta aos fenômenos da sociedade, fez uma intensa pesquisa para escrever o livro Uma História da Velhice no Brasil, lançado agora pela Editora Vestígio, do Grupo Autêntica.

 

É um retrato das distintas formas como a sociedade brasileira conviveu com a velhice desde a época da Colônia até os dias atuais, alternando descaso e até ojeriza com cuidado e acolhimento. O assunto ganha mais relevância nos dias atuais, quando estatísticas apontam um crescimento progressivo da presença de idosos na população. Em 2022, uma pesquisa mostrou que o número de brasileiros com mais de 65 anos cresceu 57,4% desde 2010. Já são 10,9% do total de habitantes no País, ou 22,2 milhões de pessoas.

 

"A médio prazo, teremos um Brasil cheio de rugas", diz Mary, que enfrentou dificuldades para encontrar dados para sua pesquisa. "Os velhos foram absolutamente invisíveis aos nossos olhos praticamente até o início do século 19. Os relatos que tirei de documentos ou de cartas jesuíticas, de cronistas do século 17 e 18, demonstram que eram vidas apagadas e que para eles a velhice era inevitável", diz a historiadora.

 

"Ou era um desígnio de Deus, ou do diabo, que também dizia que os pecadores viviam mais graças a ele. A verdade é que eram vidas muito miúdas, mas é fantástico perceber como, a partir do século 19, os velhos começam a serem vistos."

 

Para o livro Uma História da Velhice no Brasil, Mary Del Priore compilou dados que ajudaram a descobrir como os indígenas e os escravizados africanos lidavam com seus idosos. O misticismo era preponderante. Segundo ela, a velhice era símbolo de poder e de proximidade com os deuses. "Apenas aqueles muito velhos poderiam se comunicar com os ancestrais. Eram homens com um poder muito grande em suas comunidades, tanto na taba quanto na senzala."

 

A historiadora diz que ficou surpresa ao constatar o poder que os velhos escravizados tinham nas senzalas. "Eles organizavam as uniões, dirimiam as tensões. Eram eles os chamados pelos senhores de engenho quando havia algum tipo de conflito a ser resolvido. Formavam também as correias de transmissão de todos os valores, histórias e saberes para os seus netos."

 

São informações escassas porque o tema da velhice não era discutido nos séculos 16 e 17, embora os europeus ficassem fascinados com a longevidade dos indígenas brasileiros, cometendo até incríveis exageros: durante a invasão francesa no Maranhão, em 1612, o capuchinho Claude d'Abbeville contou ter batizado o pai do maior morubixaba do Maranhão, que teria "160 e tantos anos e já enxergava pouco por conta da velhice".

 

O que os impressionava era o fato da longevidade estar associada ao trabalho, a uma atividade permanente, além dos bons hábitos e da boa água do Brasil, apontada como rejuvenescedora. "O brasileiro comia pouquíssimo e era exatamente essa pobreza alimentar que lhe garantia o vigor, a capacidade de sobreviver", afirma Mary, que prefere usar as palavras "velho" e "velha". "É como os médicos hoje recomendam, comer o mínimo e o necessário. Era uma dieta de farinhas, de milho ou mandioca, com peixe seco ou carne-seca, pequena caça, frutas, verdura nativa, o que acabou por dar uma longevidade aos nossos ancestrais."

 

SOCIABILIDADE

 

O modo de vida dos idosos de uma forma geral também era peculiar. A palavra lazer só vai aparecer na segunda metade do século 19, mas era representada nos contextos de sociabilidade, com as casas religiosas e as procissões. Quem morava perto de um vilarejo na época da Quaresma era arrastado até a igreja mais próxima. "Mas eram vidas muito pequenas, quase imperceptíveis", observa a historiadora.

 

"A partir do século 20, não faltam informações, pois velhos começaram a sair de casa, cruzar as ruas, fazer compras, visitar parentes, encher os hospitais e morrer mais tarde. Os documentos foram se multiplicando junto com eles."

 

Também se tornou mais constante a presença da senilidade na literatura. Enquanto José de Alencar tinha a velhice como sinônimo de bondade ("Ele descendia de uma família prestigiada, o que facilitava viver melhor", explica Mary), Machado de Assis criou personagens contaminados por sua idade e solidão - sua mulher Carolina morreu quando ele estava com 65 anos. Dona Plácida, personagem de Memorial de Aires, é assim descrita: "Um molho de ossos, envolto em molambos, estendido sobre um catre velho e nauseabundo; dei-lhe algum dinheiro (...) saiu da vida às escondidas tal qual entrara".

 

Mary lembra que, enquanto escrevia, Machado convivia com reumatismo, gripes, crises de epilepsia, cansaço nos dedos e cegueira noturna. "Era um homem silencioso, melancólico, porque vivia só. Isso explica em parte o amargor da sua literatura", diz ela, que vê na fase final de vida do escritor e historiador Joaquim Nabuco o exemplo ideal do efeito provocado pelo progresso nos mais velhos. "Na belle époque, surgiram automóveis que ele não dirigia, esportes que ele não praticava, rádio que ele não ouvia, máquinas a vapor nas fábricas e nas fazendas, tomando o lugar de gente com quem ele conversava; apitos de trem rasgando a noite", escreve Mary del Priore no livro. "O velho se tornou estrangeiro num mundo que lhe exigia atenções, solicitações e no qual a rapidez começava a tomar conta de tudo. E ele não tinha mais fôlego para acompanhar."

 

PROGRESSO

 

Por outro lado, o progresso trouxe também mais comodidade, como uma maior variedade de remédios à disposição das pessoas, tinta para barba e cabelo, e até dentaduras, que inspiram divertidas passagens do livro, como o anúncio em um jornal que busca o dono de uma dentadura encontrada na praia.

 

"A mudança na rotina do velho inspirou o surgimento da figura do velho moço porque o prestígio da velhice era de tal ordem que os jovens se faziam velhos, deixando a barba crescer, usando roupas muito sisudas, óculos de preferência", observa Mary, apresentando novamente o outro lado da moeda. "A implantação da aposentadoria no Brasil em 1923 vai definitivamente mudar a vida dos velhos, com graves consequências, porque muitos, ao deixarem o trabalho, não tinham outra atividade, o que incitou vários ao alcoolismo e até a suicídios. O chefe de família, de repente, teve de lidar com um vazio e com uma ameaça ao seu protagonismo como provedor."

 

As mudanças na sociedade são hoje um desafio para os idosos, obrigados muitas vezes a lidar com a solidão e preocupados com a independência econômica, a saúde, o fim de laços familiares. "Por outro lado, o velho de hoje busca se adequar à tecnologia, tentando entender a Inteligência Artificial, fazendo aulas sobre como usar melhor o celular. As novas gerações definem o perfil da geração anterior. O velho ainda tem a noção de que é cidadão porque viaja para Cancún, compra aparelhos ortopédicos e dentaduras de titânio. Ele ganhou importância ao se transformar em consumidor", conta Mary.

 

Ao terminar de escrever o livro, a historiadora percebeu que a dor no joelho tinha ido embora, mas sua mãe também. "Morreu à antiga, em casa, com a filha e o neto ao pé da cama. Exemplar, ela viveu intensamente todas as idades."

 

Uma História da Velhice no Brasil

 

Mary Del Priore

 

Editora: Vestígio

 

320 págs., R$ 74,90

R$ 52,90 o e-book

 

 

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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