Trecho do melhor romance de estreia do Prêmio São Paulo de Literatura, 'O Último dos Copistas'

Variedades
Tipografia
  • Pequenina Pequena Media Grande Gigante
  • Padrão Helvetica Segoe Georgia Times

Escrito por Marcílio França Castro e publicado em março de 2024 pela Companhia das Letras, O Último dos Copistas venceu a categoria de Melhor Romance de Estreia no Prêmio São Paulo de Literatura 2025, entregue na noite desta segunda-feira, 24.

Neste romance híbrido que mescla ensaio e literatura, o leitor se depara com a história de Ângelo Vergécio, um copista do século 16 cuja caligrafia deu origem à fonte Garamond. O livro é descrito como "uma janela para compreender o contemporâneo".

O mineiro Marcílio França Castro, de 58 anos, estreante no gênero de romance, já publicou três livros de contos: A Casa dos Outros, Breve Cartografia de Lugares sem Nenhum Interesse e Histórias Naturais.

Confira a seguir um trecho de 'O Último dos Copistas'

Você que começa agora a seguir estas linhas, que está esticado em um sofá ou sentado à sua mesa de trabalho, ou quem sabe dentro de um ônibus, no banco da janela, com o braço encolhido para não incomodar o passageiro ao lado, você que é leitor assíduo desta revista, ou nem tanto, mas reconhece de longe seu formato extravagante e não dispensa manuseá-la em papel, ou, ao contrário, prefere a tela do celular ou a de um computador, mesmo sabendo que os artigos aqui costumam ser extensos e podem cansar a vista, você, que às vezes fica indeciso sobre a natureza do que está lendo, e se pergunta: afinal, isso é verdade ou invenção, ou apenas uma reportagem esquisita, carregada de ambiguidade, e é essa dúvida que o instiga ainda mais a continuar a leitura; você que vai aos poucos sendo arrastado por estas palavras, e já não se incomoda com o ruído a sua volta, você, mesmo sendo um leitor excêntrico ou disperso, mesmo tendo que parar para limpar o café que acabou de derramar sobre a folha ou expulsar o mosquito que insiste em pousar no meio da página, provavelmente não vai pensar em interromper o percurso, o vaivém folgado dos olhos, para ir a uma gaveta, tirar lá do fundo aquela lupa arranhada e, por distração ou cisma, passar a examinar cuidadosamente, em tamanho ampliado, o desenho que têm as letras aqui impressas, se são duras ou suaves, se fazem curva ou são retas, se permitem respirar, se o miolo é aberto, se o remate é pontudo. Você pode, no máximo, talvez, sentir de modo inconsciente a leveza do tipo, o conforto óptico que ele produz, mas não vai reparar, por exemplo, na cabeça abaulada deste "t" ou na espora arredondada ao pé deste "a". Você continua a ler, consegue até detectar certas minúcias, mas dificilmente saberá que estes caracteres, o modo ventilado com que sulcam o papel, carregam uma herança corporal, longínqua - o traço, a bico de pena e em grego, de um copista que viveu em Paris no século XVI. Esse copista tardio chamava- -se Ângelo Vergécio, provinha de Creta e, por seu talento, tornou-se escrivão oficial, em língua grega, de Francisco I, o rei francês. Foi a elegância de sua caligrafia - aerada, limpa, veloz - que, há quase quinhentos anos, por uma espécie de contaminação, ou afeto tipográfico talvez, acabou impregnando a fonte romana que deu origem a esta Garamond.

Os manuscritos produzidos por Ângelo Vergécio - Ange Vergèce, para os franceses, Angelos Bergikios, para os gregos - e a cultura que gravita em torno deles são o objeto da exposição que acontece até o fim da primavera europeia na Galeria 1 da unidade François Mitterrand da Biblioteca Nacional da França, em Paris. Le Dernier des Copistes [O Último dos Copistas], como a mostra é chamada, reúne cerca de trinta manuscritos da lavra de Vergécio, copiados entre 1535, quando ele vivia em Veneza, e 1568, ano anterior ao de sua morte, em Paris. Há também cartas, livros impressos, alguns mapas e objetos, além de três ou quatro manuscritos de copistas que trabalharam com ele. A maioria dos exemplares pertence ao acervo de manuscritos antigos da Biblioteca Nacional, guardados ordinariamente em sua sede velha, a da rua Richelieu (a poucas quadras do Louvre), mas há também os que vieram por cortesia de outras instituições, como as bibliotecas Bodleiana, em Oxford, do Escorial, na Espanha, e a Biblioteca Estatal de Berlim. De fora da Europa, conseguiram trazer uma peça importante de Harvard. Pouco mais de cem manuscritos copiados por Vergécio sobreviveram até nós, a maioria em papel - vários danificados, outros sem autógrafo, alguns ricamente encadernados. Não é improvável, porém, que, escarafunchando por aí coleções ou estantes empoeiradas, ainda se possa descobrir mais algum.

Do ponto de vista conceitual, a mostra poderia ser entendida como uma continuação de dois outros eventos recentes: o conjunto de homenagens ao tipógrafo Claude Garamond promovidas pelo governo francês em 2011, em razão dos quatrocentos e cinquenta anos de sua morte, e a dupla exposição, organizada em 2014 e 2015 pela própria Biblioteca Nacional, em honra a Francisco I - uma, à figura do rei, a outra, a seus livros. Segundo a curadora, o arranjo não foi calculado, e a escolha de Vergécio, um migrante plebeu na corte francesa, a princípio sem vínculo identitário com o país, não teria nada a ver, ao contrário das anteriores, com o intuito de celebrar personalidades nacionais. Entretanto, quando vejo essa conjunção de personagens tão próximos - Francisco I, Garamond e Vergécio -, os três fincados na mesma cena renascentista e convi vendo em torno dos livros, não posso deixar de pensar numa espécie de trilogia, e no seu propósito subjacente, ainda que involuntário, de interrogar a passagem do mundo manuscrito para o impresso. Mais que isso, me pergunto se não haveria aí o sintoma de uma força mais abrangente, a atração silenciosa que devemos ter por esse século que parece acenar para o nosso, como se sua curiosidade e mobilidade, e seu apetite enciclopédico, fossem uma lembrança de algo que se vive agora, como se, na rede de símbolos e palavras que fazia girar o imaginário daquela época, conectando, por exemplo, um pássaro a uma pedra, a pedra a um espírito, o espírito a uma estrela, se pudesse de repente atar um fio da nossa própria rede, sem dúvida mais promíscua e difusa mas que também navega, já talvez à deriva, entre pedras e estrelas, entre cristais e bichos, humanos e máquinas. Afinal, não é fato que, sedados pela tecnologia e suas armadilhas, já não discernimos mais, em uma confusão maior que a dos antigos, entre documento e fábula, entre ciência, religião e magia, astros e signos, animais e quimeras? Não seriam os fantasmas do século XVI - copistas atrapalhados com uma pena nas mãos - parentes próximos desses que agora rondam a nós, leitores assustados com o fim da página e do papel?

Se não estivesse em reforma, o prédio da rua Richelieu, com seu ar amadeirado e os afrescos italianos, seria talvez o lugar mais indicado para a exposição - a maioria das peças nem precisaria ser deslocada. A opção pela Biblioteca François Mitterrand, entretanto, situada do outro lado da cidade, e que de cara confronta o visitante com um cenário futurista, parece ter acrescentado ao programa, meio por acidente, um prólogo inesperado e destoante.

Mesmo em Paris há dois meses, eu ainda não tinha estado lá. Saindo da praça da Itália, você pode descer a pé até quase o Sena; duas ou três quadras à direita, logo surge a esplanada. Um pátio vasto, retangular, com um prédio em cada ponta, o jardim rebaixado no meio. O vento sopra de todos os lados; há algo de sinistro naquela vaguidão. O único indício de livros parece ser a própria geometria dos prédios, dobrados em L, como um códice aberto. Tabuinhas de madeira cobrem o chão inteiro. A leste e a oeste, há uns painéis de vidro atravessados, escuros; você imagina que, se tateá-los, se tocar no bloco certo, vai descobrir uma parede falsa que te dará passagem para o interior.

O Último dos Copistas

Autor: Marcílio França Castro

Editora: Companhia das Letras (208 págs.; R$ 44 e R$ 19 o e-book)

Em outra categoria

O cabeleireiro José Roberto Silveira, de 59 anos, conhecido como Betto Silveira, foi encontrado morto no sobrado onde morava, no Alto de Pinheiros, zona oeste de São Paulo, no sábado, 22. Ele estava amordaçado, com punhos e joelhos amarrados por fios e com sinais de asfixia, segundo boletim de ocorrência obtido pelo Estadão. O caso está sendo investigado pela Polícia Civil.

No mesmo imóvel onde morava, Betto também tinha um salão de cabeleireiro. Ele exercia a atividade há quase 40 anos. Nascido em Garça, no interior de São Paulo, Betto chegou a São Paulo em 1991. À época, ele trabalhou na Vila Madalena. Onze anos depois da chegada, o cabeleireiro se mudou para o Alto de Pinheiros, onde estava há 22 anos.

Em suas redes sociais, Betto afirmava que sua profissão era uma espécie de "hobby remunerado". Ele foi descrito em uma publicação como "um cara que ama ver o sorriso no rosto das pessoas" e que encontrou na profissão uma "forma de produzir tais sorrisos com sua criatividade, empenho e paciência".

No sobrado, Betto morava com a mãe, uma idosa de 98 anos, que dependia de seus cuidados. Em outro quarto da residência, conforme o boletim de ocorrência, mora um venezuelano que alugou o cômodo. Esse homem relatou à polícia que a vítima foi até o seu quarto para pedir seda para fazer um cigarro por volta das 2h do sábado.

"Segundo o apurado, a vítima era homossexual e costuma trazer homens que conhecia em aplicativos ou na rua, para fazer sexo na sua casa", informou trecho do BO. Uma vizinha relatou em depoimento que era comum a presença de outras pessoas na residência.

"Relata que ouviu José conversando com outra pessoa por longo período, além de sons de chuveiro ligado, televisão e música. Narra que, já por volta das 4h, ouviu ruídos de objetos quebrando e movimentação intensa no quarto, mas que tais sons não lhe causaram estranhamento, justamente por ser rotineiro o elevado movimento na casa da vítima. Assim, voltou a dormir", contou a testemunha.

Fim de relacionamento

Duas testemunhas relataram à polícia que Betto havia terminado um relacionamento com outro homem recentemente. Uma delas disse que a relação acabou há dois meses.

"A vítima desejava reatar, porém o ex-companheiro já estava envolvido em outra relação e não demonstrava interesse, situação que deixou José muito triste à época. Entretanto, relata que, com o passar do tempo, ele superou o término e passou a se relacionar com outro homem."

Outra testemunha afirmou que o ex de Betto registrou um boletim de ocorrência contra o cabeleireiro em razão de ameaças. Essa testemunha também disse que desde o término da relação, o cabeleireiro passou a conhecer "diferentes homens com certa frequência, por aplicativos de encontro".

De acordo com a polícia, o boletim de ocorrência contra a vítima foi registrado por lesão corporal e ameaça, em agosto deste ano, "inclusive com aplicação de medida protetiva". O atual namorado do ex dele também o acusou de ameaça, e uma amiga da vítima relatou que este homem também ameaçou Betto.

Investigação

Uma câmera de segurança flagrou o momento em que dois suspeitos de envolvimento, ambos de roupa preta, saem a pé pelo portão da casa da vítima. Ainda não se sabe a motivação do crime.

A ocorrência foi registrada como homicídio no 14.º Distrito Policial (Pinheiros). Depois, foi solicitado apoio ao Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), com sede no centro.

Conforme o boletim de ocorrência, José Roberto saiu de casa por volta das 1h40 de sábado e retornou ao local pouco depois, às 2h13. Ele estava de carro, um Hyundai HB20 de cor preta.

Algumas horas depois, às 5h53, dois suspeitos são flagrados por uma câmera de segurança da rua abrindo o portão frontal da casa e saindo a pé. Eles ainda não foram identificados pela polícia.

A Polícia Militar informou que recuperou na noite do último sábado, 22, todos os itens que haviam sido roubados de uma joalheria no Shopping Iguatemi Campinas, no interior de São Paulo, na quinta-feira, 20. A PM afirma que os itens encontrados no fim de semana, após nova troca de tiros com suspeitos, incluíam joias e relógios de luxo que foram avaliados em R$ 2,5 milhões.

Outros relógios, de marcas como Cartier e TAG Heuer, já haviam sido recuperados pela polícia anteriormente e devolvidos à loja.

Segundo o 1º Batalhão de Ações Especiais de Polícia (BAEP), no sábado, após receberem informações sobre o paradeiro de suspeitos que estariam envolvidos no roubo à joalheria, os agentes foram até o Distrito de Sousas, no mesmo local onde já tinham detido outros indivíduos no dia do crime.

Ao entrarem em uma área de mata, os policiais teriam sido recebidos a tiros por três suspeitos, reagindo e se abrigando para aguardar a chegada de reforço. Depois, teria sido realizada uma varredura na área, quando os agentes teriam encontrado um homem que portava uma arma longa caído no chão. Ele foi declarado morto no local.

Os policiais também encontraram as joias e relógios de luxo avaliados em R$ 2,5 milhões, que foram então devolvidos aos representantes da joalheria. O caso foi registrado no 1° DP de Campinas.

Seis homens já haviam sido presos e um adolescente apreendido em flagrante pela polícia. O BAEP afirma que, além dos sete presos e do homem supostamente morto em confronto, ainda há pelo menos dois foragidos.

Roubo a joalheria

O crime aconteceu na semana passada, com o shopping movimentado pelo feriado de 20 de novembro. Os assaltantes invadiram a loja, renderam três funcionárias e fizeram uma delas refém para roubar diversos produtos. Houve troca de tiros dos suspeitos com seguranças e guardas municipais. De acordo com o BO, os disparos foram dentro e fora do estabelecimento.

Um dos suspeitos foi atingido na saída da joalheria e acabou sendo preso na sequência. Os criminosos usaram dois carros na fuga, um deles roubado na saída do shopping. Outros três suspeitos foram presos em Pedreira (SP), a cerca de 40 km de Campinas, sendo que um deles também se feriu em confronto. Mais três criminosos foram localizados escondidos em um clube de Campinas.

Os presos foram autuados por roubo majorado e associação criminosa. A polícia solicitou a prisão preventiva deles à Justiça. Imagens de câmeras de segurança da loja e do shopping foram solicitadas pelos agentes e a Polícia Civil ainda investiga a possível participação de outros suspeitos.

Na ocasião, o Shopping Iguatemi Campinas afirmou que o empreendimento acionou imediatamente as autoridades competentes, que encerraram o caso. "O shopping esclarece que todos os clientes e colaboradores estão bem e em segurança, e reforça que está contribuindo com as investigações", disse, em nota enviada ao Estadão. O shopping acrescentou que seguiu funcionando até às 20h no dia do assalto.

A Novo Nordisk informou que seus estudos clínicos de Fase 3 não comprovaram que o semaglutida oral reduz a progressão do Alzheimer em estágio inicial. Segundo a companhia, os testes de dois anos, conduzidos com 3.808 adultos, não confirmaram superioridade de semaglutida versus placebo na redução da progressão da doença.

Embora o tratamento tenha mostrado melhora em biomarcadores associados ao Alzheimer, a empresa afirmou que isso "não se traduziu em um atraso na progressão da doença".

Os estudos incluíram pacientes de 55 a 85 anos com comprometimento cognitivo leve ou demência leve, e o medicamento apresentou um perfil de segurança "consistente com ensaios anteriores".

Diretor científico da Novo Nordisk, Martin Holst Lange disse que, diante da "significativa necessidade não atendida" na área e de indícios preliminares, a empresa considerou ter a responsabilidade de explorar o potencial da semaglutida, apesar da baixa probabilidade de sucesso.

Lange também agradeceu participantes e cuidadores e reforçou que, embora o fármaco não tenha mostrado eficácia contra o Alzheimer, continua a oferecer benefícios para diabetes tipo 2, obesidade e comorbidades relacionadas.

Com os resultados, o período adicional de um ano dos estudos será encerrado. A companhia apresentará os dados em um congresso em 3 de dezembro e divulgará resultados completos em 2026.

Em Copenhague, a Novo Nordisk fechou em queda de 5,8%. Já os ADRs da companhia em Nova York recuavam 5,25% na reta final do pregão, às 17h55 (de Brasília).