Brasil deixa de apoiar comissão de inquérito da ONU sobre crimes de guerra na Ucrânia

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O governo brasileiro se absteve numa votação no Conselho de Direitos Humanos (CDH) das Nações Unidas e deixou de apoiar um pedido de extensão do prazo de trabalho da comissão de inquérito sobre crimes de guerra na Ucrânia. A comissão havia sido criada em março de 2022, com voto favorável do Brasil, após a invasão do território ucraniano por tropas russas.

 

O Brasil foi um dos 17 países que se abstiveram na votação, realizada nesta quinta-feira, dia 4, em Genebra, na Suíça. A resolução, no entanto, foi aprovada por 27 votos a favor e 3 contra.

 

Com isso o mandato da Comissão Internacional Independente de Inquérito sobre a Ucrânia foi renovado por um novo período de um ano. Em abril de 2023, a comissão de inquérito havia sido postergada por 12 meses - ela seria encerrada caso não recebesse a nova extensão do mandato agora. No ano passado, o Brasil não era parte do conselho e portanto não participou da votação.

 

O Estadão pediu esclarecimentos ao Itamaraty sobre o que motivou a abstenção do Brasil e questionou se o posicionamento não se choca com políticas do atual governo de promoção dos direitos humanos. Até o momento não houve resposta. O espaço segue aberto para manifestação.

 

Durante a votação nesta quinta-feira, o embaixador Tovar da Silva Nunes, representante permanente do Brasil junto às Nações Unidas em Genebra, afirmou que os termos da resolução aprovada poderiam impedir o diálogo entre os dois lados na guerra.

 

Tovar Nunes ponderou que o País manifesta "profunda preocupação" com a situação na Ucrânia, "particularmente com as alegadas violações envolvendo crianças deslocadas e deportadas, ataques a civis e crescentes números de mortes".

 

"No entanto, permanecemos descontentes com o texto diante de nós. A resolução é desequilibrada e coloca o fardo das violações dos direitos humanos apenas em um lado do conflito, não deixando espaço suficiente para o diálogo que poderia criar condições para prevenir violações de direitos humanos e construir uma paz duradoura na região", afirmou o chefe da missão brasileira em Genebra.

 

"Desde a sua criação em 2002, o Brasil argumentou que a comissão de inquérito não parecia ser o mecanismo adequado para revisar os fatos no terreno. No momento de sua concepção, referências a processos judiciais futuros antecipavam o resultado das investigações propostas. À luz desses fatos, o Brasil vai se abster nesta resolução."

 

O embaixador também questionou menções no texto da resolução aprovada a iniciativas jurídicas contra a Rússia, no TPI e na Corte Internacional de Justiça (CIJ), dizendo que poderiam ser "prejudiciais".

 

A diplomacia de Kiev rebateu o argumento brasileiro de que o conteúdo da proposta fosse tendencioso ou impedisse o diálogo. A representante da Ucrânia disse que o único pedido era que o conselho mantivesse o monitoramento das "atrocidades cometidas pela agressão russa" e que o mecanismo internacional independente verificasse a dor enfrentada diariamente pelo povo ucraniano.

 

Na mesma resolução aprovada, o CDH da ONU cobrou que o governo Vladimir Putin pare imediatamente violações de direito humanos e abusos contra a lei humanitária internacional na Ucrânia. Exigiu também a retirada rápida, do território ucraniano, das tropas militares invasoras e de grupos mercenários aliados de Moscou. E cobrou que o governo Putin não recrute ilegalmente residentes do território invadido para suas Forças Armadas.

 

O CDH disse ainda que a Rússia deve parar a deportação forçada e ilegal de civis do território ucraniano. Putin é alvo de um mandado de prisão em aberto, expedido pelo Tribunal Penal Internacional, acusado de transferência forçada de crianças, um crime de guerra.

 

O governo Luiz Inácio Lula da Silva tem feito uma série de gestos em favor da Rússia. Autoridades do governo têm dito, por exemplo, que Putin seria bem-vindo ao País para a cúpula do G20 e argumentam que ele gozaria de certas prerrogativas e imunidades por ser chefe de Estado.

 

Em uma discussão paralela, na Comissão de Direito Internacional da ONU, o Brasil se posicionou a favor da imunidade de autoridades governamentais e contra o alcance de ordens de prisão do TPI a países - e a seus representantes - que não integrem o estatuto fundador da corte, como é o caso da Rússia desde 2016. O Itamaraty, no entanto, argumento que o debate é genérico e não teria implicação no caso da vinda de Putin ao Rio, para o G20.

 

O governo brasileiro tem objetado tentativas de países aliados da Ucrânia e adversários de Moscou, entre eles os EUA e membros do G-7, de excluir Putin da arena internacional. O Brasil também se opôs a sanções e, em mão contrária, ampliou o comércio com os russos, que atingiu US$ 11 bilhões no ano passado.

 

Em setembro de 2023, no G20 da Índia, Lula defendeu em entrevista a uma rede de TV indiana que Putin não seria preso no País. Depois, em entrevista coletiva, voltou atrás de criar obstáculos a uma eventual ordem de prisão no País e afirmou que o caso caberia à Justiça brasileira.

 

Na esteira da controvérsia, o governo já discutiu inclusive a possibilidade de reavaliar a participação no Estatudo de Roma, que criou o TPI, por considerar que ele não funciona de forma adequada. A revisão tem apoio de Celso Amorim.

 

"Conheci o Putin no G7, no G20, na ONU. Nós fazemos partes de várias organizações internacionais que você tem a participação heterogênea de muitos países, muita gente que você não concorda, mas faz parte", argumentou Lula, na quinta-feira, dia 28. "Faz parte do processo democrático conviver democraticamente na adversidade. Não são fóruns de iguais, são de Estados, de países, e temos de respeitar o direito de cada um fazer o que quer no seu país, criticando o que não concorda."

 

Os posicionamentos de Lula a respeito da guerra na Ucrânia afetaram a popularidade do presidente e provocaram a impressão, entre parceiros ocidentais, que ele apoia o regime russo. Lula já cogitou que a Ucrânia deveria ceder a Crimeia para firmar um acordo de paz e disse que tanto Putin quanto o presidente ucraniano Volodimir Zelenski tinham o mesmo grau de responsabilidade pela guerra. A Ucrânia, porém, foi invadida unilateralmente pelos russos, em 24 de fevereiro de 2022.

 

Ele afirmou ainda que os EUA e países europeus incentivavam a guerra ao fornecer armas e dinheiro para defesa de Kiev. Lula vetou a exportação de equipamentos bélicos fabricados no Brasil. O petista fracassou na tentativa de se colocar como potencial mediador do conflito.

 

Na semana passada, disse ainda que não era obrigado a ter o mesmo "nervosismo" dos europeus com Putin e disse que os "bicudos vão ter de se entender". O presidente e o PT enviaram cartas de cumprimentos pela reeleição de Putin, numa eleição sem controlada que foi alvo de contestação internacional.

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Em meio ao debate sobre uma possível anistia aos condenados pelos ataques de 8 de Janeiro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes concedeu prisão domiciliar a, pelo menos, seis pessoas sentenciadas por tentativa de golpe de Estado somente neste mês. As decisões se baseiam, principalmente, em laudos médicos que apontam condições graves de saúde ou no tempo de prisão preventiva já cumprido pelos réus.

O caso mais recente é o de Sérgio Amaral Resende, condenado a 16 anos e 6 meses de prisão por crimes como abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe, dano qualificado, deterioração de patrimônio tombado e associação criminosa armada. Ele também foi condenado, solidariamente com outros réus, ao pagamento de R$ 30 milhões por danos morais coletivos.

Resende cumpria pena na Penitenciária da Papuda, no Distrito Federal, e teve a prisão convertida após sua defesa apresentar laudos que apontam sepse, necrose na vesícula e sequelas nos rins, pâncreas e fígado.

"O sentenciado no mês de fevereiro de 2025 teve alta do hospital do Paranoá, e não tem condições de permanecer no sistema prisional para tratar a sua saúde", diz o documento enviado ao STF.

A decisão favorável foi concedida na sexta-feira, 18. Ele é o terceiro nome da lista da Associação dos Familiares e Vítimas do 8 de Janeiro (Asfav) a obter o benefício por razões médicas.

Antes dele, Jorge Luiz dos Santos e Marco Alexandre Machado de Araújo também tiveram a pena convertida. Jorge Luiz apresentou laudo que indicava necessidade de cirurgia cardíaca. A defesa informou que ele sofre de hipertensão arterial grave e sopro cardíaco de grau 6, com pressão arterial fora de controle. Moraes autorizou a prisão domiciliar em 15 de abril.

Marco Alexandre estava preso desde abril de 2023. Segundo a Asfav, ele desenvolveu transtornos psicológicos durante a detenção, foi internado na ala psiquiátrica do presídio e atualmente faz uso de medicamentos para depressão. O benefício foi concedido em 11 de abril.

Na mesma data, Cláudio Mendes dos Santos e Ramiro Alves da Rocha Cruz Junior também obtiveram o direito à prisão domiciliar. No dia 13, a medida foi estendida ao indígena Helielton dos Santos.

As concessões de Moraes vêm acompanhadas de medidas cautelares: tornozeleira eletrônica, proibição de acesso a redes sociais (inclusive por terceiros), impedimento de contato com outros envolvidos nos ataques, veto à concessão de entrevistas - salvo autorização expressa do STF - e restrição de visitas a advogados, pais, irmãos e pessoas previamente autorizadas pelo Tribunal.

As decisões recentes ocorrem após a repercussão do caso da cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos.

Ela foi presa por participação nos ataques e ganhou notoriedade após pichar, com batom, a frase "perdeu, mané" na estátua da Justiça em frente ao prédio do STF, imagem que viralizou nas redes sociais. Após dois anos na cadeia, a cabeleireira teve sua prisão convertida em domiciliar no mês passado.

Débora foi condenada a 14 anos de prisão pelos mesmos crimes de outros réus, incluindo tentativa de golpe e dano ao patrimônio público.

A comoção gerada por seu caso motivou manifestações de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, que passaram a alegar desproporcionalidade na pena. Parte das críticas, porém, ignorava os crimes pelos quais ela foi efetivamente condenada, reduzindo sua participação ao gesto simbólico.

Em mensagem de Páscoa, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, disse neste domingo, 20, que a data remete à comemoração do renascimento do amor e da paz sobre as injustiças. Segundo Lula, o momento é de reforçar os laços de união e de solidariedade.

"Hoje é o dia em que milhões de brasileiras e brasileiros, e pessoas em todo o mundo, comemoram o renascimento do amor e da paz sobre as injustiças. É o momento em que nos encontramos - seja em uma celebração religiosa, seja em um almoço de família - para reforçar nossos laços de união e de solidariedade. E em que relembramos os ensinamentos de Jesus de que devemos sempre amar uns aos outros, construindo um mundo cada vez melhor e mais fraterno", escreveu, Lula em mensagem divulgada pelo governo federal.

Ao fim da publicação, Lula desejou um "feliz domingo de Páscoa".

O Supremo Tribunal Federal (STF) reagiu neste sábado, 19, às críticas feitas em artigo da revista The Economist que diz que o ministro Alexandre de Moraes tem "poderes excessivos" e que o tribunal enfrenta "crescentes questionamentos". Em nota assinada pelo presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, o STF defendeu a atuação de Moaes e negou que haja uma crise de confiança na instituição.

"O enfoque dado na matéria corresponde mais à narrativa dos que tentaram o golpe de Estado do que ao fato real de que o Brasil vive uma democracia plena, com Estado de direito, freios e contrapesos e respeito aos direitos fundamentais", afirmou o tribunal.

A revista inglesa afirmou que o Supremo poderia agravar sua crise de confiança diante dos brasileiros caso o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) seguisse na Primeira Turma do tribunal, em vez de ser levado ao plenário. O texto também fez críticas a Barroso, aos ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli, e apontou que Moraes tem "poderes excessivos" nas decisões da Corte.

Em resposta, o STF afirmou que o julgamento de ações penais contra autoridades segue o rito previsto no procedimento penal, que determina que esses casos sejam analisados pelas turmas, e não pelo plenário. "Mudar isso é que seria excepcional", destacou a nota assinada por Barroso.

Barroso rebateu a sugestão de suspender Moraes do julgamento de Bolsonaro. Segundo ele, o ex-presidente ofendeu quase todos os integrantes do Supremo e, "se a suposta animosidade em relação a ele pudesse ser um critério de suspeição, bastaria o réu atacar o tribunal para não poder ser julgado". Ele ainda classificou Moraes como um juiz que "cumpre com empenho e coragem o seu papel, com o apoio do tribunal, e não individualmente".

O STF também negou que exista uma crise de confiança na instituição e citou dados do Datafolha, divulgados em março de 2024, para sustentar o argumento. Ao mencionar os dados, no entanto, Barroso usou o percentual atribuído ao Poder Judiciário como um todo, cuja confiança é maior, se comparada à da Corte, com 24% que confiam muito, 44% que confiam um pouco e 30% que não confiam.

Segundo a pesquisa, 21% dos entrevistados disseram confiar muito no Supremo, 44% confiam um pouco e 30% não confiam. Para a Corte, isso demonstra que a maioria da população mantém algum nível de confiança no tribunal.

A nota ainda destacou que decisões monocráticas citadas pela revista foram posteriormente ratificadas pelos demais ministros. Entre elas, a suspensão do X (antigo Twitter), que foi determinada pela ausência de representante legal da empresa no Brasil, e não por algum conteúdo publicado na plataforma. A medida foi revertida após a indicação de um representante.

"Todas as decisões de remoção de conteúdo foram devidamente motivadas e envolviam crime, instigação à prática de crime ou preparação de golpe de Estado. O presidente do Tribunal nunca disse que a Corte 'defeated (derrotou) Bolsonaro'. Foram os eleitores", declarou o STF.

Barroso afirmou ainda que, apesar de a reportagem citar "algumas das ameaças sofridas pela democracia" no País, deixou de mencionar as tentativas de invasão da sede dos três Poderes em Brasília nos ataques de 8 de janeiro por uma "multidão insuflada por extremistas" além das tentativas de explosão de bomba no STF e no aeroporto de capital. A nota cita ainda o plano de assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), além do ministro Alexandre de Moraes.

"Foi necessário um tribunal independente e atuante para evitar o colapso das instituições, como ocorreu em vários países do mundo, do leste Europeu à América Latina", concluiu Barroso.