Dois novos estudos revelam que algumas tarefas clássicas de investigação de funções cognitivas podem ser transferidas para ambientes imersivos que recriam ambientes naturais sem perder o rigor e a validade científica.
Historicamente, o estudo da cognição humana tem sido submetido a ambientes artificiais, projetados para maximizar o controle experimental. Telas planas, estímulos geométricos e respostas a teclas têm sido os pilares da pesquisa psicológica há décadas.
No entanto, esses dois estudos propõem um caminho diferente: aplicar a realidade virtual (RV) para investigar funções cognitivas complexas em ambientes mais naturais, sem sacrificar a confiabilidade dos resultados.
Um desses estudos, intitulado "Transforming language research from classic desktops to virtual environments" e publicado na "Scientific Reports", uma revista de acesso aberto pertencente ao grupo editorial "Nature", analisa o processamento da linguagem na realidade virtual.
O estudo, conduzido por Francisco Rocabado, Laís Muntini, Omar Jubran, Thomas Lachmann e Jon Andoni Duñabeitia, diretor do Centro de Pesquisa Nebrija em Cognição (CINC), comparou o desempenho dos participantes em uma tarefa clássica de decisão lexical (distinguir palavras reais de pseudopalavras) quando realizada em um monitor tradicional versus um ambiente de RV.
Os autores mantiveram constantes as principais variáveis, como ângulo de visão, tempo de exposição ao estímulo e método de resposta, usando controladores em ambos os contextos.
Os resultados mostraram que o padrão cognitivo clássico se manteve: os participantes reconheceram palavras reais mais rapidamente e com mais precisão do que pseudopalavras, independentemente do ambiente em que foram apresentadas. Não foram observadas diferenças estatisticamente significativas entre o desempenho em RV e no monitor.
De acordo com os pesquisadores, isso demonstra que a tecnologia imersiva pode reproduzir fielmente efeitos bem estabelecidos na psicologia experimental, ao mesmo tempo em que oferece a possibilidade de explorar o comportamento humano em contextos mais ricos e realistas.
CONTROLE INIBITÓRIO: PROCESSAMENTO EM VR
A pesquisa de linguagem é complementada por um segundo estudo com foco no controle inibitório, publicado pelos mesmos autores na revista "Behavioral Sciences", com o título "Assessing Inhibitory Control in the Real World Is Virtually Possible".
Nesse caso, os pesquisadores transferiram duas tarefas clássicas, a tarefa Simon e a tarefa Flanker, para um ambiente de realidade virtual que simula situações urbanas com avatares humanos. Esses testes medem a capacidade das pessoas de ignorar estímulos irrelevantes e responder adequadamente a informações conflitantes, uma função cognitiva fundamental na vida cotidiana.
O experimento reproduziu os efeitos esperados: os participantes reagiram mais lentamente a estímulos incongruentes e de forma mais eficiente quando havia congruência entre os sinais visuais. Esses padrões, típicos em ambientes de laboratório, também surgiram em ambientes virtuais realistas.
De acordo com o estudo, isso apoia o uso da RV como uma ferramenta válida para avaliar as funções executivas, proporcionando maior validade ecológica, ou seja, maior capacidade de generalizar os resultados para situações reais fora do laboratório.
"O fato de conseguirmos reproduzir com avatares semelhantes aos humanos efeitos clássicos que até agora usavam outros estímulos nos mostra duas coisas. Por um lado, esses efeitos clássicos são tão robustos que sobrevivem mesmo fora das portas do laboratório. E, por outro lado, podemos humanizar as sessões experimentais e considerar a pesquisa mais próxima dos estímulos cotidianos", diz Jon Andoni Duñabeitia.
MUDANÇA DE PARADIGMA NA PSICOLOGIA EXPERIMENTAL
Os pesquisadores enfatizam que, em conjunto, os dois estudos apontam para uma mudança de paradigma na psicologia experimental. A possibilidade de aplicar a realidade virtual com rigoroso controle metodológico permite que tarefas cognitivas tradicionais sejam desenvolvidas em cenários imersivos e naturais.
Para os cientistas, isso não apenas melhora a relevância dos estudos para contextos cotidianos, mas também amplia a gama de fenômenos que podem ser observados com precisão científica. "Por meio dessa pesquisa, reforça-se a ideia de que a realidade virtual não é apenas uma ferramenta de entretenimento ou simulação, mas também um meio eficaz de explorar o funcionamento da mente humana em situações que são mais representativas da experiência da vida real", afirmam.
"A realidade virtual pode transformar a pesquisa cognitiva além do entretenimento, oferecendo ambientes controlados, mas realistas. Por exemplo, no estudo da solidão e do isolamento, ela pode recriar interações sociais simuladas para analisar seu impacto na mente. Por outro lado, em pessoas com problemas de mobilidade, ela abre a oportunidade de avaliar processos cognitivos sem as limitações físicas do laboratório tradicional", argumenta Duñabeitia.
Realidade virtual ganha espaço como ferramenta para estudar funções cognitivas
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