Reabertura do Teatro Cultura Artística é regada a emoção, lágrimas e reencontros

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Primeiro veio o silêncio. Depois, o barulho de demolição. Então se seguiram infindáveis ruídos de martelos, furadeiras, serras e lixas. Mas acabou. Passados 16 anos desde que um trágico incêndio impôs uma sonata de reconstrução, o Teatro Cultura Artística, na Rua Nestor Pestana, voltou, enfim, a ouvir o som de violinos, violoncelos, trompetes e oboés.

 

No sábado, 3, aconteceu o primeiro dos dois concertos de pré-abertura do espaço, agora totalmente renovado, localizado próximo à praça Roosevelt, no centro da capital paulista. O programa contou com a mesma Orquestra Sinfônica Municipal (OSM) presente na inauguração, em 1950, em uma homenagem a Esther Mesquita (1885-1963), diretora da Cultura Artística responsável por mobilizar os esforços para levantar a sede.

 

Foi uma tarde regada a espumante, sorrisos e lágrimas - algumas delas de tristeza. Horas antes, chegara a notícia da morte do violoncelista pernambucano Antonio Meneses, que tocaria ali em outubro, com a Orquestra de Câmara de Basel. Seu nome foi saudado publicamente por Gioconda Bordon, vice-diretora da Cultura Artística. À frente da OSM, o maestro Roberto Minczuk embargou a voz ao dedicar a apresentação ao colega.

 

As lágrimas de alegria, por sua vez, foram maioria diante dos muitos reencontros. Quando as portas de vidro se abriram para a rua, após uma animada contagem regressiva, integrantes da diretoria e do conselho da casa saudavam um público formado, em parte, por quem teve sua vida atravessada pelo teatro - a começar pela primeira pessoa da fila.

 

Odete Lopes dos Santos foi secretária dali de 1982 a 2018. Ao entrar no prédio, rumou direto à bilheteria para cumprimentar as amigas que lá deixou. A familiaridade com o hall, restaurado tal como ela lembrava, contrastou com a surpresa provocada pela nova sala de espetáculos, refeita do zero e adornada com as curvas sinuosas da instalação concebida pela artista Sandra Cinto. "Está muito diferente, bem mais moderna. Estava com saudades de tudo isso. Foi uma volta no tempo."

 

Para além dos funcionários de longa data, nomes referenciais do cenário da música paulista circularam por ali, como o compositor e pianista André Mehmari, a soprano Camila Provenzale, o produtor João Marcello Bôscoli e o diretor-executivo da Osesp, Marcelo Lopes.

 

Esse grupo de amigos se juntou à plateia para a qual a apresentação foi especialmente dedicada: os mais de 300 trabalhadores envolvidos na reestruturação do edifício projetado originalmente por Rino Levi (1901-1965).

 

Um deles era Vinicius Barioni Estre, que atuou nas instalações elétricas e hidráulicas. No saguão do primeiro andar, ele explicava à mulher e à filha os desafios do restauro do piso devido ao tombamento do imóvel nas esferas municipal, estadual e federal. "Trazer minha família para cá e mostrar aquilo sobre o que falo tanto em casa é bem emocionante", disse.

 

O sentimento era partilhado pelo coordenador de produção Adriano Kmita. "Em 95% das obras, a gente executa, entrega e vai embora. Ficamos muito felizes porque todo mundo foi convidado, dos ajudantes de obra aos engenheiros, afinal todo mundo deu seu suor e participou igual", celebrou.

 

Diante da euforia de um hall lotado, parecia inevitável um atraso na programação. O espetáculo, marcado para as 17h, teve início uma hora depois, com a ministra da Cultura, Margareth Menezes. Em sua fala, ela exaltou a Lei Federal de Incentivo à Cultura, por meio da qual o Teatro Cultura Artística viabilizou boa parte dos quase R$ 150 milhões empenhados em todas as etapas de sua reconstrução. Também esteve presente à festa a secretária da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Governo do Estado de São Paulo, Marília Marton.

 

Com o palco tomado de músicos, os primeiros acordes colocaram à prova a performance acústica da sala, cujo foco, nesta nova fase, será exclusivo na música de câmara. O repertório foi 100% brasileiro, retomando peças executadas na estreia de 1950. A sequência contou com Dança Brasileira, Encantamento e Serra do Rola Moça, de Camargo Guarnieri (1907-1993), e Tarde Azul e Bachianas Brasileiras n. 8, de Heitor Villa-Lobos (1887-1959), que inspirou um bis com seu O trenzinho do caipira. A noite teve ainda participação da mezzosoprano Carolina Faria.

 

Findo o concerto, Roberto Minczuk aprovou o resultado sonoro. O maestro já antevê novas possibilidades. "Essa acústica ainda vai se desenvolver, com aparatos que podem deixar a sala mais viva, com mais ou menos reverberação, mas ela já começa com nota dez. O teatro é, de fato, superior ao antigo", pontuou.

 

Nos bastidores, Edivaldo José da Silva comemorava. Em 1998, aos 16 anos, ele começou a trabalhar na Cultura Artística como office boy. Em 2002, migrou para a área técnica e permaneceu na instituição até 2014, quando passou a fazer parte da equipe da Sala São Paulo. Ao ser convidado para retornar como coordenador técnico, não pensou duas vezes. "É uma honra estar hoje aqui. Venho do extremo leste de São Paulo. Este teatro me educou e educou meus filhos. Acompanhei todo o episódio do incêndio, foi muito chocante. Este é o momento de ele voltar ao topo, que é o seu lugar", disse.

 

Após a dispersão dos convidados, um dos últimos a deixar o local foi Frederico Lohmann, superintendente da Cultura Artística. Seu expediente do dia anterior havia encerrado já no próprio sábado, às 2 horas da madrugada, acompanhando a instalação da marcenaria do bar e da sinalização. Ainda falta chegar parte do mobiliário - produzido de acordo com os desenhos de Rino Levi -, assim como os livros da nova unidade da livraria Megafauna, a ser aberta no local.

 

O cansaço da reta final, no entanto, não o impediu de aproveitar o momento pelo qual trabalhou por 13 anos. A apresentação foi uma oportunidade para testar o funcionamento do espaço e afinar tudo para a reinauguração propriamente dita, que acontece dia 25 com a Filarmônica de Câmara Alemã de Bremen e o pianista canadense Jan Lisiecki. "Ainda tem coisas a fazer, mas já trouxe meu lenço hoje porque sabia que precisaria. Estou muito feliz e realizado. O mais emocionante, para mim, é o carinho de todas as pessoas envolvidas com o projeto. Isso é muito gratificante."

 

Neste domingo, às 17h, haverá uma segunda sessão do concerto de pré-abertura, também restrita aos trabalhadores da obra. O público geral terá a oportunidade de conferir o espetáculo em uma transmissão online, no canal da Cultura Artística no YouTube, e na Praça Alexandre de Gusmão, na região da avenida Paulista, onde ele também será exibido gratuitamente.

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A Justiça de São Paulo negou o pedido de prisão preventiva do policial militar Guilherme Augusto Macedo, responsável pelo disparo que resultou na morte do estudante de Medicina Marco Aurélio Cardenas Acosta, de 22 anos. O jovem foi alvejado na barriga na madrugada do dia 20 de novembro na porta de um hotel em Vila Mariana, zona sul de São Paulo.

A decisão da juíza Luciana Menezes Scorza, da 4ª Vara Criminal do Júri da capital, foi assinada na segunda-feira, 13, e divulgada na tarde desta terça-feira, 14. Embora tenha negado a prisão preventiva, ela aceitou a denúncia do Ministério Público contra os dois policiais que participaram da ação e impôs medidas cautelares a serem cumpridas por Macedo.

Segundo a juíza, os elementos da investigação "não evidenciam periculosidade social do denunciado nem risco por seu atual estado de liberdade, a ensejar a medida extrema neste momento processual". O policial "encontra-se designado para funções administrativas, exercendo outras atividades diferentes da operacional, fiscalizado por seu comando, de modo que a garantia da ordem pública se encontra preservada e a possibilidade de reiteração criminosa, afastada", considerou Luciana.

"O denunciado possui residência fixa, é primário e portador de bons antecedentes, sem qualquer anotação também de cunho disciplinar perante a Justiça Militar", escreveu a juíza na decisão. "Em nenhum momento tentou prejudicar ou retardar as investigações, comparecendo a todos os atos da investigação desde a data do fato, de forma que ausentes fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida extrema", continuou. "As medidas cautelares diversas da prisão se mostram suficientes e adequadas ao menos por ora", decidiu a magistrada.

Ela determinou que ele cumpra cinco medidas cautelares - o policial está proibido de manter contato com familiares da vítima, deve se apresentar mensalmente em juízo, precisa manter seu endereço atualizado perante a Justiça, não pode se ausentar por mais de oito dias da comarca onde mora e está proibido de frequentar bares e festas.

A prisão preventiva havia sido pedida pela Polícia Civil após a conclusão do inquérito sobre o caso, encerrado em 3 de janeiro. O Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) indiciou por homicídio doloso (intencional) Macedo e o outro policial que participou da abordagem, Bruno Carvalho do Prado. O Ministério Público denunciou ambos e, na decisão agora divulgada, a juíza aceitou a denúncia - o processo começará a tramitar, portanto.

Os dois estavam fazendo ronda de rotina pela Vila Mariana (zona sul da capital), na madrugada do dia 20, quando Acosta passou caminhando sem camisa e deu um tapa no retrovisor da viatura. Os dois policiais saíram em perseguição a ele, que tentou entrar em um hotel onde estava hospedado com uma mulher. Mas, àquela hora, a porta do estabelecimento estava fechada e o estudante, desarmado, foi encurralado pelos policiais. Macedo atirou à queima-roupa, e Acosta morreu.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a dizer nesta terça-feira, 14, que programas sociais como o Pé-de-Meia não são gasto e que não se deve pagar "uma merreca" para professores. Ele deu as declarações no lançamento do programa Mais Professores para o Brasil, que incentivará pessoas a entrarem nessa carreira.

"Muita gente entendeu o Pé-de-Meia como gasto. Muita gente entendeu como gasto. Esse Lula só sabe gastar dinheiro com pobre. Não é gastar dinheiro com pobre, eu gostaria que ninguém fosse pobre, ninguém precisasse dessa ajuda. Mas como é que pode um presidente da República e um ministro da Educação ficarem passivos quando a gente vê que 500 mil crianças, meninos e meninos, são obrigadas a deixar a escola para ajudar no orçamento da família?", disse o presidente da República.

"A gente não quer que os professores sejam as pessoas mais desqualificadas na prova do Enem. A gente quer que sejam os melhores, e por isso é que temos que pensar muito nos salários dos professores. Porque a gente não pode elogiar professor e na época de pagar salário, pagar uma merreca", declarou Lula.

O presidente afirmou que as escolas têm de ser atrativas e que o governo está dando incentivos para qualificar melhor os professores. Lula também criticou quem diz que a população se conforma em receber benefícios como o Bolsa Família. Além disso, ele elogiou o ministro da Educação, Camilo Santana, e afirmou que o governo precisa enfrentar "outra revolução da mentira", por isso a restrição ao uso de celulares nas escolas.

Operação deflagrada nesta terça-feira, 14, pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) e a Polícia Civil indicou que o Primeiro Comando da Capital (PCC) tem uma espécie de plano de saúde informal para prestar atendimento a integrantes da alta cúpula da organização criminosa presos em diferentes unidades, como a Penitenciária 2 de Presidente Venceslau.

A investigação aponta que médicos e dentistas são contratados pela "Sintonia dos Gravatas", que reúne advogados ligados ao PCC, para realizar diferentes tipos de procedimentos em faccionados presos. Os serviços incluem até procedimentos estéticos, como clareamento dental e botox. Entre os pacientes, estão nomes como Marco William Herbas Camacho, o Marcola.

Ao todo, oito pessoas que estavam nas ruas foram presas na operação desta terça. Entre elas, estão três advogados investigados por elo com o PCC, além de integrantes de uma organização não governamental (ONG) que seria usada para fazer denúncias falsas de abusos no sistema prisional. Os outros quatro alvos de mandados de prisão são detentos do sistema carcerário.

"O que a investigação aponta é que esse plano de saúde, entre aspas, que nós identificamos, embora funcione no âmbito da organização criminosa, não está disponível para todos", afirmou o delegado Edmar Caparroz, do Departamento de Polícia Judiciária do Interior (Deinter) 8, de Presidente Prudente. "Ele somente é acessível a uma fatia privilegiada da organização criminosa", acrescentou.

A apuração indicou que os médicos e dentistas seriam contratados por advogados que representam o PCC. Os profissionais de saúde, porém, não estariam diretamente envolvidos com a facção.

"Não digo que os médicos e dentistas foram cooptados, porque estão prestando um serviço e são remunerados por isso", disse o promotor de Justiça Lincoln Gakiya, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MP-SP. Segundo ele, se houver indícios de que houve envolvimento direto, os profissionais também serão implicados na investigações.

Entre os que já foram beneficiados nessa espécie de "tratamento vip", estão nomes como Paulo César Souza Nascimento Júnior, o Paulinho Neblina; Wanderson Nilton de Paula Lima, o Andinho; e Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, assassinado em 2018.

Marcola também figura na lista dos que já foram contemplados pelo esquema, embora uma reivindicação feita por ele há um tempo tenha sido indeferida.

Como mostrou o Estadão anteriormente, investigações do MP e da Polícia Civil descobriram que o número 1 da facção criminosa pediu autorização duas vezes para colocar botox, no segundo semestre de 2015, para cuidar de sua aparência, mas teve as solicitações negadas pela Justiça. A reportagem indica ainda que Marcola tinha um dermatologista particular que o atendia na Penitenciária de Presidente Venceslau 2 antes de ele ser transferido para o sistema federal.

Como funciona esquema

A contratação dos médicos e dentistas é feita por advogados que integram a "Sintonia dos Gravatas", em esquema que dura há pelo menos uma década e oferece aos profissionais da saúde valores bem acima do mercado. A Polícia Civil indicou ainda que os pagamentos eram feitos por meio de depósitos em nome de pessoas não identificadas previamente e até mesmo fracionados.

"Não é um setor (dos gravatas) que atende a todos os integrantes do PCC. Ele atende alguns integrantes que foram elencados pela Sintonia Final", disse Gakiya. "Via de regra, aqueles que são atendidos foram presos em missão do PCC, seja por tráfico de drogas e armas, seja por envolvimento em atentados contra agentes públicos. Esses indivíduos têm direito, vamos dizer, ao atendimento VIP."

Gakiya salienta que, conforma os termos da Lei de Execução Penal, se o preso tem direito a algum atendimento que o Estado não pode prover, é direito dele reivindicar atendimento médico. "É possível que ele (preso) use um atendimento médico específico para que faça isso, desde que tenha um pedido que é feito ao juiz corregedor para determinar intervenção médica", disse o promotor de Justiça. "Mas evidentemente não seria o caso de um atendimento estético."

Como investigação começou

Como mostrou o Estadão, as investigações da Operação Scream Fake (Falso Grito, em tradução) começaram em 2021, quando um visitante da Penitenciária 2 de Presidente Venceslau tentou entrar na unidade com um pacote com drogas K (maconha sintética) e cartões de memória escondidos nas roupas. Ela foi presa em flagrante na época.

"Nos cartões, havia diversos arquivos contendo pastas dos setores de saúde da facção, rol de médicos e dentistas, advogados com codinomes, além de um material da ONG, em que ela prestava conta à cúpula da facção", disse o delegado Edmar Caparroz.

Conforme o delegado, a análise dos cartões de memória foi central para o avanço inicial das investigações. Os dados coletadas ganharam ainda mais sentido com a apreensão de novos manuscritos em unidades prisionais nos anos seguintes, incluindo em 2023.

"Ali (no ano passado) foi onde nos causou bastante preocupação: neste novo manuscrito, o contexto trazia um orquestramento de manifestações, que deveriam ocorrer em todo o País, e, no âmbito dessas manifestações, esse manuscrito sugeria que os presos simulassem tortura no ambiente prisional e inclusive sugeria a morte de três agentes públicos", afirmou Caparroz. As autoridades disseram que não foram identificados quais agentes seriam esses.

Foram cumpridos 12 mandados de prisão preventiva e 14 de busca e apreensão contra advogados e integrantes de uma ONG nas cidades de São Paulo, Guarulhos, Presidente Prudente, Flórida Paulista, Irapuru, Presidente Venceslau e Ribeirão Preto, além de Londrina, no Paraná.

A Ong Pacto Social & Carcerário São Paulo, alvo da operação, teria sido criada sob demanda do PCC, passando a promover protestos e falsas denúncias a mando da facção, aponta a investigação. O esquema seria comandado por advogados ligados à facção.

"Eles (gravatas) não só coordenavam a contratação desses profissionais de saúde, para atender determinados presos, como também (faziam) a coordenação dessa ONG, que teoricamente era ligada aos direitos humanos e direitos dos presos", disse Gakiya. "Ela absolutamente foi mantida e gerida pelo PCC para criar factoides, para criar denúncias falsas."

Procurada, a seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) disse acompanhar a investigação e ressaltou "seu compromisso com a ética e a legalidade". Já os responsáveis pela ONG, que tem sede em São Bernardo do Campo, foram contatados pelas redes sociais e não deram retorno até a última atualização desta reportagem.