Quem eram os espiões de Putin que agiam no Brasil, e o que faziam

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Por anos, segundo uma investigação do jornal americano The New York Times, a Rússia usou o Brasil como ponto de partida para a elite de seus oficiais de inteligência, os chamados "ilegais".

Em uma operação audaciosa e abrangente, esses espiões apagaram os rastros de seu passado russo. Abriram empresas, fizeram amigos, viveram romances - experiências que, com o tempo, se tornaram os alicerces de identidades inteiramente novas.

Esses agentes russos se aproveitavam de fragilidades no sistema para obter certidões e registros legítimos, mas com nomes de pessoas que nunca existiram de verdade. Assim, conquistavam o passaporte brasileiro e se aproveitavam das portas que o documento abre para espionar outros países.

Alguns desses espiões eram conhecidos. Outros foram revelados agora. Abaixo, veja quem era os espiões que usaram o Brasil como base de operações.

Gerhard Daniel Campos Wittich

Gerhard Daniel Campos Wittich era o nome usado por Artem Shmyrev, que morou no Rio de Janeiro durante cinco anos dizendo se chamar Daniel Campos e ser brasileiro de família austríaca. Wittich teria saído do Rio e voltado para Moscou em janeiro do ano passado, junto com a esposa Irina Romanova, outra suposta espiã investigada em Atenas, na Grécia, que fingia se chamar Maria Tsalla.

Ela se passava por mexicana e fugiu do país antes de ser presa pela polícia local, segundo os jornais gregos Zougla e Kathimerini. Os dois teriam deixado namorados locais para trás.

Daniel Campos teria alugado recentemente um imóvel próximo ao consulado dos Estados Unidos no Rio. Ele dirigia uma série de empresas de impressão 3D na cidade que produziam, entre outras coisas, esculturas de resina para militares brasileiros e chaveiros.

Ele desapareceu em janeiro, no meio de uma viagem à Malásia. Sem mandar mensagens para sua namorada no Rio de Janeiro, ela prontamente iniciou uma "busca frenética por seu parceiro desaparecido", afirma o Guardian. O Itamaraty e as comunidades do Facebook na Malásia se mobilizaram para procurar o desaparecido.

Serguei Cherkasov

Serguei foi preso no início de abril de 2022 pela Polícia Federal após a polícia holandesa interceptá-lo no aeroporto, onde desembarcou para atuar no Tribunal Penal Internacional, e enviá-lo de volta ao Brasil. Ele atuou durante anos como espião do serviço de inteligência militar da Rússia, o GRU, nos Estados Unidos, fingindo ser um estudante brasileiro.

Como Victor Muller Ferreira, Sergei fez graduação na Universidade John Hopkins, em Washington, a capital americana, onde poderia se aproximar de qualquer setor do establishment de segurança dos Estados Unidos, do Departamento de Estado à CIA.

Segundo um depoimento registrado pelo FBI, o acesso que obteve possibilitou que o espião colhesse informações a respeito das maneiras com que as autoridades do governo Joe Biden responderam à concentração de tropas russas nas proximidades da Ucrânia, pouco antes da invasão.

Depois que se formou na faculdade, Cherkasov chegou perto de alcançar uma inserção mais influente, ao ser convidado para ocupar uma posição no TPI, em Haia. Ele estava prestes a iniciar um estágio de seis meses na corte, no ano passado, no momento em que a instituição iniciava a investigação sobre crimes de guerra da Rússia na Ucrânia, mas acabou rejeitado pelas autoridades holandesas, que receberam informações do FBI sobre a atuação dele em Washington.

O espião segue preso no Brasil e é investigado por atos de espionagem, lavagem de dinheiro e corrupção. Em junho do ano passado, ele foi condenado, em primeira instância, a 15 anos de prisão pela Justiça Federal por uso de documentos brasileiros falsos. No dia 18 deste mês, o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou o pedido da Rússia para extradição, mas determinou que isso só deve ocorrer após o fim das apurações sobre os supostos crimes cometidos no País.

Cherkasov foi preso inicialmente não por espionagem, mas por uma acusação mais modesta: uso de documentos falsos. Até isso se mostrou mais complicado do que imaginavam. Durante o interrogatório, Cherkasov manteve uma postura arrogante e insistiu que era brasileiro. E ele tinha documentos para sustentar sua versão.

Seu passaporte azul era idêntico ao de qualquer brasileiro. Ele tinha título de eleitor, como exige a lei, e até um certificado de conclusão do serviço militar obrigatório. Todos os documentos eram autênticos. "Não havia qualquer ligação entre ele e a 'grande mãe' Rússia", disse um policial federal, que falou sob condição de anonimato, como os demais, já que a investigação está em andamento.

Apenas quando a polícia encontrou sua certidão de nascimento é que a história de Cherkasov e toda a operação russa no Brasil começaram a desmoronar. No passado, espiões russos costumavam obter documentos usando nomes de pessoas mortas, muitas vezes bebês.

Desta vez, foi diferente. Os agentes confirmaram que Victor Muller Ferreira nunca existiu, embora ele tivesse uma certidão de nascimento autêntica.

O documento indicava que ele havia nascido no Rio de Janeiro, em 1989, filho de uma brasileira real, que morreu quatro anos depois. Mas, ao localizar a família da mulher, os agentes descobriram que ela nunca teve filhos. Também não havia nenhum registro de alguém com o nome do suposto pai.

Mikhail Mikushin

Mikhail Mikushin foi preso pela polícia da Noruega em outubro do ano passado após fingir ser pesquisador brasileiro em uma universidade do país. Ele foi detido por suspeita de espionagem, mas as supostas ações dele ainda eram desconhecidas no momento da prisão.

Antes de ser preso, Mikushin estava atuando como pesquisador há cerca de um ano e meio na cidade de Tromso, localizada perto do Ártico, há cerca de um ano e meio. Ele se concentrou em estudar a política norueguesa na região, onde o país compartilha 198 quilômetros de fronteira com a Rússia, e ameaças híbridas. Segundo Thomas Blom, autoridade do serviço de inteligência norueguês, esse fato por si só pode comprometer a segurança nacional por colocá-lo em contato com pesquisadores que fornecerem informações às autoridades para a formulação de políticas públicas.

Segundo os investigadores, Mikushin procurou criar uma rede de contatos, lançar canais de informação e entrar nos círculos que lidam com informações confidenciais.

Antes de se mudar para a Noruega, Mikhail Mikushin morou no Canadá, onde frequentou a Carleton University e a University of Calgary. Em Ottawa, ele se ofereceu como voluntário para uma campanha política, de acordo com a Global News. Ele obteve o mestrado no Centro de Estudos Militares, de Segurança e Estratégicos da Universidade de Calgary em 2018.

Aleksandr Utekhin

Outro espião russo descoberto pela polícia brasileira foi identificado como Aleksandr Utekhin. Ele se apresentava como um joalheiro brasileiro, Eric Lopes, "especialista em pedras preciosas". Mas os investigadores acreditam que a empresa, que chegou a ser destaque no programa Empresários de Sucesso, era de fachada.

Após deixar o Brasil, ele teria passado um tempo no Oriente Médio. Seu paradeiro agora é desconhecido, mas suspeita-se que tenha voltado para a Rússia.

Vladimir Aleksandrovich Danilov e Yekaterina Leonidovna Danilova

Os agentes Vladimir Aleksandrovich Danilov e Yekaterina Leonidovna Danilova, por sua vez, se apresentavam como pelos nomes de Manuel Francisco Steinbruck Pereira e Adriana Carolina Costa Silva Pereira. O casal, na faixa dos 30 anos desapareceu depois de mudar-se para Portugal, em 2018.

Roman Olegovich Koval, Irina Alekseyevna Antonova e Olga Igorevna Tyutereva

Há também três agentes russos que seguiram para o Uruguai. Entre eles está o casal Roman Olegovich Koval, Irina Alekseyevna Antonova. Eles adotaram os nomes Federico Luiz Gonzalez Rodriguez e Maria Isabel Moresco Garcia, que se dizia modelo. Eles deixaram o Brasil de repente, em 2023, e foram para o país vizinho.

Já Olga Igorevna Tyutereva tinha uma certidão de nascimento brasileira com o nome de Maria Luisa Dominguez Cardozo, com certidão de nascimento brasileira. Depois, conseguiu um passaporte uruguaio. Sua última localização conhecida foi a Namíbia.

Com apoio dos serviços de inteligência de outros países, os investigadores no Brasil identificaram pelo menos nove agentes russos com documentos brasileiros.

Com as identidades registradas em bancos de dados policiais e os nomes reais sinalizados por serviços de inteligência, esses agentes dificilmente voltarão a atuar como espiões no exterior. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)

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Segundo a PF, o relatório do deputado Derrite, cujo nome não é citado na nota, "o papel institucional histórico da Polícia Federal no combate ao crime - especialmente contra criminosos poderosos e organizações de grande alcance - poderá sofrer restrições significativas".

A proposta do deputado, aponta a PF, obrigaria a instituição só poderia entrar em investigações a pedido de governos estaduais, "o que constitui um risco real de enfraquecimento no combate ao crime organizado".

"Essa alteração, somada à supressão de competências da Polícia Federal, compromete o alcance e os resultados das investigações, representando um verdadeiro retrocesso no enfrentamento aos crimes praticados por organizações criminosas, como corrupção, tráfico de drogas, desvios de recursos públicos, tráfico de pessoas, entre outros", diz a nota.

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Em despacho, Moraes destacou que "considerando que a alegação da defesa é contraditória com a informação obtida junto à Receita Federal, que aponta a situação de regularidade do CPF do apenado, esclareça-se o pedido formulado", dando prazo de cinco dias para resposta.

Além disso, a defesa solicitou a liberação do CPF para inscrição no portal Gov.br e a abertura de conta salário em banco.

Mesmo no regime semiaberto, Silveira segue sujeito a restrições como proibição de uso de redes sociais, monitoramento por tornozeleira eletrônica, passaporte cancelado, comparecimento semanal à Justiça e permanência obrigatória no Estado do Rio de Janeiro.

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Preso preventivamente desde fevereiro de 2024, Filipe Martins passou seis meses detido no Paraná antes de ser autorizado a cumprir prisão domiciliar, decisão tomada diante do risco de fuga ao exterior. A ordem de prisão foi fundamentada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no fato de o nome do ex-assessor constar na lista de passageiros da comitiva do então presidente Jair Bolsonaro, que deixou o Brasil rumo a Orlando em 30 de dezembro de 2022.

Desde então, a defesa de Martins argumenta que, embora seu nome apareça na relação oficial do voo, ele não embarcou e permaneceu no País durante aquele período.

A vaquinha foi anunciada após as recentes decisões do ministro Alexandre de Moraes, do STF. O magistrado havia determinado o afastamento da defesa de Martins por perda de prazo processual, mas recuou da decisão dias depois. O episódio gerou reação de perfis da extrema-direita nas redes sociais, que acusaram o STF de "cerceamento de defesa".

Apesar das manifestações, a Procuradoria-Geral da República (PGR) reuniu documentos e depoimentos que, segundo a denúncia, implicam diretamente Martins na tentativa de golpe de Estado.

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Martins é réu no STF e será julgado em dezembro, nos dias 9, 10, 16 e 17, junto com outros integrantes do chamado "núcleo 2" da trama golpista, grupo composto por ex-assessores e aliados diretos de Bolsonaro que teriam sido responsáveis por ações de articulação e apoio logístico ao plano.