Lula deve dar recado a Trump na ONU em tom 'leve' sobre soberania

Internacional
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve aproveitar a audiência global da 80ª sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas para dar um recado ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em discurso que defenderá soberania, democracia e multilateralismo, apurou o Estadão/Broadcast. O tom a ser usado pelo brasileiro deve ser, contudo, mais ameno do que aquele adotado em um palanque eleitoral, evitando ataques diretos ao chefe da Casa Branca, apesar da atual crise entre os dois países.

Lula embarca para Nova York, nos Estados Unidos, no fim de semana, onde deve ficar até 24, quando retorna ao Brasil, segundo a agenda prevista até o momento. Além do discurso na ONU, na terça-feira, 23, ele participará de eventos paralelos. Na segunda-feira, 22, deve acompanhar a abertura da Semana do Clima de Nova York e uma reunião promovida pelos governos da França e da Arábia Saudita sobre a Palestina.

Como de praxe, o presidente brasileiro abre os discursos dos chefes de Estado na ONU, na terça-feira. Trump, por sua vez, deve falar na sequência, mantendo tradição de anos na Assembleia Geral. Diante da ordem das falas e do fato de discursar nos EUA, interlocutores esperam que Lula evite ataques frontais ao americano ao defender a soberania dos países.

Um experiente diplomata brasileiro observa ainda que depois do artigo de Lula no The New York Times, publicado no último domingo, 14, seria "complicado", o brasileiro "bater" em Trump. O brasileiro acusou o governo dos EUA de tentar garantir "impunidade" para o ex-presidente Jair Bolsonaro por meio da adoção de tarifas contra produtos brasileiros e de sanções da Lei Magnitsky.

Nos bastidores, interlocutores dizem que se cogitou evitar um eventual encontro entre Lula e Trump nos corredores da ONU, devido à turbulência na relação. As relações pioraram após a condenação de Bolsonaro, e porta-vozes do governo Trump ameaçaram o Brasil com novas sanções. Entre elas, estão a adoção de tarifas secundárias por conta da Rússia, embora o patamar atual, de 50%, já seja restritivo, suspensão de vistos de mais autoridades brasileira, além da extensão da Lei Magnitsky a outros ministros que votaram a favor da condenação de Bolsonaro e a familiares deles.

O secretário de Estado americano, Marco Rubio, prometeu uma resposta ao País para os próximos dias, ao conceder entrevista à Fox News, nesta segunda-feira. "Portanto, haverá uma resposta dos EUA a isso, e é isso - teremos alguns anúncios na próxima semana ou algo assim sobre quais medidas adicionais pretendemos tomar", disse.

Além disso, o governo Trump também está restringindo a concessão de vistos para a Assembleia-Geral da ONU, o que afeta a comitiva brasileira, conforme revelou o Estadão/Broadcast. Segundo fontes, Lula e a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, estão com os seus vistos em dia, e devem ser mantidos, apesar do temor de alguns diplomatas quanto a novas sanções dos EUA ao Brasil.

Em reunião realizada em Nova York, na semana passada, os EUA informaram que estavam processando os vistos da delegação brasileira, conta uma fonte próxima às discussões. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já conseguiu obter visto diplomático para entrar no país. O pedido de renovação foi em agosto, já em meio às tensões provocadas pelo tarifaço de Trump.

Outro ponto em discussão é como será a parte do discurso de Lula sobre a defesa da democracia. Integrantes do governo ouvidos sob reserva dizem estudar se, em algum momento, o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro será citado. O Estadão/Broadcast apurou que a referência não deve ganhar destaque, porque o discurso mira o público internacional, e não apenas o brasileiro, mas Lula deve mencionar que a Justiça brasileira reagiu recentemente em defesa do Estado Democrático.

Lula deve defender o reconhecimento do Estado da Palestina, tema recorrente em seus discursos desde o início do conflito na Faixa de Gaza. Também deverá reiterar a necessidade de uma solução pacífica para a guerra na Ucrânia, posicionamento que mantém desde o início do mandato. O convite a outros países para a 30.ª Conferência das Partes da Convenção da ONU sobre Mudança do Clima (COP-30), em Belém, e a proteção do meio ambiente devem completar o discurso do presidente na Assembleia-Geral da ONU.

No dia seguinte à Assembleia-Geral da ONU, Lula presidirá um encontro sobre democracia. O presidente brasileiro também participa da Cúpula das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês), compromissos assumidos pelos países signatários do Acordo de Paris para reduzir as emissões de gases de efeito estufa.

Segundo o Itamaraty, ainda não estão definidas todas as reuniões bilaterais que o presidente brasileiro terá com chefes de Estado de outros países durante sua estada em Nova York. A único agenda já confirmada é o tradicional encontro do presidente brasileiro com o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, marcado para ocorrer logo antes de seu discurso na abertura da Assembleia Geral.

Encerrados os compromissos em Nova York, o presidente brasileiro deve conceder coletiva de imprensa na quarta-feira, 24, para apresentar um balanço da agenda, conforme apurou o Estadão/Broadcast. O retorno de Lula ao Brasil está previsto para ocorrer após a conversa com jornalistas.

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A Câmara dos Deputados aprovou, nesta terça-feira, 16, em primeiro turno, a proposta de emenda à Constituição que ganhou o nome de PEC da Blindagem por dificultar a responsabilização de parlamentares. O texto exige autorização prévia do Congresso para que o Supremo Tribunal Federal (STF) processe criminalmente deputados e senadores.

A PEC ainda prevê que Câmara ou Senado Federal podem barrar esses processos em votação secreta. A votação secreta também se estende ao aval de uma das Casas no caso da prisão de um congressista. Foram 353 votos sim e 134 não. Eram necessários 308 votos para aprovação. A maioria da oposição votou a favor da proposta. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva liberou sua bancada para votar como quiser e no PT 12 deputados apoiaram a PEC.

A Constituição diz que parlamentares só podem ser presos em caso de crime inafiançável. São crimes inafiançáveis no Brasil racismo, tortura, tráfico ilícito de entorpecentes, terrorismo, crimes hediondos (homicídio qualificado, latrocínio, extorsão mediante sequestro, estupro, estupro de vulnerável, feminicídio e epidemia com resultado morte), e a ação de grupos armados contra a ordem constitucional. Agora, deputados votam mais uma vez o texto em segundo turno. Após isso, a matéria vai para o Senado.

A PEC foi pra votação após uma troca na relatoria. O anterior relator, Lafayette de Andrada (Republicanos-MG), era contrário a algumas das propostas apresentadas pelo Centrão. No lugar entrou Cláudio Cajado (PP-BA), que disse que o texto é "simples e conciso" e sem "licença para abusos".

A Câmara ensaiou votar essa proposta ao longo do mês de março. Depois do motim de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que interrompeu os trabalhos no plenário da Casa, oposicionistas se reuniram com lideranças do Centrão para estabelecer um acordo de votação da anistia e do fim do foro privilegiado - caciques Centrão também apresentaram apoio à PEC da Blindagem.

Bolsonaristas sinalizam que, como parte do acordo para votar a PEC nesta terça-feira, a Câmara terá de colocar na pauta a anistia aos envolvidos no 8 de Janeiro. A PEC da Blindagem tem amplo apoio do Centrão, e bolsonaristas manifestaram endosso crítico. "O que nós queríamos com esse resgate das nossas prerrogativas é que o Parlamento fosse respeitado e que fosse colocado na PEC que nossas palavras e opiniões, em qualquer meio, não podem ser violados. É um texto muito aquém. Mas pelo menos já nos garante minimamente as nossas prerrogativas", afirmou Bia Kicis (PL-DF).

Já Zé Trovão mencionou que é contrário a pontos da PEC, como o voto secreto, mas entende que aprovar essa proposição nesta terça-feira é o aval que precisa para se cumprir o acordo e votar a urgência (aceleração da tramitação) da anistia aos envolvidos nos atos golpistas de 8 de Janeiro. "O que está sendo votado hoje está sendo votado para amanhã ser votada a anistia. Eu não concordo com o que está sendo votado agora. Voto secreto jamais eu vou aceitar. Agora, fica o recado que amanhã esta Casa vote a anistia", afirmou.

O governo é contra a PEC. "Respeitar cada instituição é fazermos a pauta que interessa ao Brasil. Ao Brasil não interessa a anistia, ao Brasil interessa modificar a legislação sobre o Imposto de Renda", disse Maria do Rosário (PT-RS).

Antes da votação, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), disse, sem mencionar o STF, que a PEC é efeito de uma reação a "abusos" cometidos contra colegas. "Diante de muitas discussões, de atropelos, de abusos que aconteceram contra colegas nossos em várias oportunidades, a Câmara tem hoje a oportunidade tem hoje a oportunidade de dizer se quer retomar esse texto constitucional ou não", disse.

Caso aprovada pelo Congresso Nacional, a expectativa é que a PEC da Blindagem novamente imponha uma barreira para o STF julgar deputados e senadores. A licença prévia era um mecanismo disposto na Constituição de 1988, posteriormente retirada após a aprovação de uma PEC em 2001, após pressão popular.

O Estadão mostrou em agosto que Câmara e Senado barraram pelo menos 224 pedidos de licença prévia feitos pelo STF para processar criminalmente congressistas até 2001, ano em que mudou a regra para dispensar a consulta ao Legislativo. Nenhum pedido da Corte avançou. Desses episódios, a reportagem identificou 15 pedidos derrubados na Câmara e nove no Senado.

Segundo Cajado, o relator, a mudança de 2001 acabou "por inferiorizar a posição institucional das Casas Legislativas e por fragilizar o exercício do mandato eletivo". "Concluímos ser necessário, nesse momento, voltar a garantir aos congressistas, no exercício do mandato e em função dele, plena liberdade, como forma de preservar o Poder Legislativo e os princípios da separação dos Poderes e da soberania popular e, portanto, a própria democracia", afirmou Cajado. Ainda, segundo ele, só será possível o pleno exercício das atividades parlamentares "se o Congresso Nacional estiver munido das devidas prerrogativas".

Veja as mudanças da PEC e como era o texto da Constituição:

Inviolabilidade

Como é: Deputados e Senadores são invioláveis por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.

Com a PEC: Os parlamentares continuam invioláveis, mas a responsabilização passa a ser exclusivamente ética e disciplinar, por procedimento incompatível com o decoro parlamentar. Ou seja, suas manifestações não poderiam ser alvo de ações civis ou penais.

Foro privilegiado

Como é: Após a diplomação, deputados e senadores são julgados pelo Supremo em qualquer crime.

Com a PEC: Com o texto proposto, essa prerrogativa só ocorrerá nos "processos relativos a atos praticados no exercício do mandato ou em razão dele". Ou seja, outros tipos de crimes pessoais ou anteriores ao mandato devem ser julgados inicialmente por instâncias inferiores.

A proposta ainda prevê que os presidentes dos partidos políticos também sejam beneficiados com o foro privilegiado no caso de infrações penais comuns. A regra atualmente já vale para, além dos parlamentares, o presidente da República e seu vice, para o procurador-geral da República e ministros.

Prisão de parlamentares

Como é: Deputados e senadores só podem ser presos em flagrante de crime inafiançável, como racismo, por exemplo. Nesse caso, a prisão deve ser comunicada à respectiva Casa, e os colegas decidem em até 24 horas se mantêm ou não a prisão.

Com a PEC: A regra da prisão em flagrante continua valendo, mas especifica que precisa ser crime inafiançável "que, por sua natureza, seja insuscetível de fiança na forma da lei", restringindo ainda mais essa possibilidade.

O novo texto também determina que, em caso de prisão em flagrante, o parlamentar deverá ser levado imediatamente e mantido sob custódia da Casa a qual pertence, até que o plenário delibere e se pronuncie.

Sobre a deliberação, o novo texto propõe que o voto para que seja mantida ou suspensa a prisão do parlamentar seja secreto e por maioria. O mesmo deverá ser feito para a "formação da culpa", ou seja, eventual prosseguimento de ação penal contra o parlamentar.

Processos criminais

Como é: A regra atual não fala nada sobre a possibilidade dos parlamentares não responderem a processos criminais. Essa licença prévia da Casa para que eles fossem processados existia na Constituição, mas foi suprimida com o texto de 2001.

Com a PEC: A licença volta parcialmente. A autorização dos colegas para que deputado ou senador seja processado deverá ser deliberada também por votação secreta da maioria dos membros, em até 90 dias a contar do recebimento da ordem emitida pelo STF. Se a licença for negada, o processo fica suspenso enquanto durar o mandato.

Pesquisa Genial/Quaest divulgada nesta terça-feira, 16, aponta que a possibilidade de anistia é reprovada por 41% dos eleitores brasileiros. Outros 36% são favoráveis à medida para todos, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL); 10% defendem a medida, mas apenas para os manifestantes do 8 de Janeiro; 13% não souberam ou não responderam.

É a primeira pesquisa sobre o tema após Bolsonaro ser condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na trama golpista. A Quaest entrevistou 2.004 pessoas com 16 anos ou mais entre os dias 12 e 14 de setembro. A margem de erro é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos e o nível de confiança é de 95%.

A rejeição à anistia é maior entre a esquerda não lulista (73%) do que entre os eleitores que se identificam como lulistas (58%). Já o apoio à proposta que inclua Bolsonaro é similar entre bolsonaristas (62%) e a direita não bolsonarista (61%).

A anistia é a prioridade no Congresso Nacional da oposição formada por aliados de Bolsonaro, condenado a 27 anos e 3 meses de prisão na trama golpista. Após semanas de pressão, o líder da Oposição na Câmara, Luciano Zucco (PL-RS), disse nesta terça que houve acordo para que o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), coloque a urgência do projeto em votação na quarta-feira, 17.

Ainda não está claro qual será o texto levado à votação. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), defende proposta de revisar e diminuir as penas das pessoas que estiveram nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Já os bolsonaristas querem o que chamam de anistia "ampla, geral e irrestrita". A medida representaria o perdão judicial total a Bolsonaro, aos demais condenados na trama golpista e aos condenados pelo 8 de Janeiro.

"Não existe anistia meia-bomba! Só aceitaremos anistia ampla, geral, irrestrita e imediata! Anistia já", publicou o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) no X nesta terça, ao comentar a possível votação de um texto alternativo.

A Câmara dos Deputados aprovou por 346 votos a 122, o encerramento da discussão da chamada "PEC da Blindagem", que restringe as possibilidades de investigação dos parlamentares, com a exigência de que a Casa Legislativa ao qual pertence tenha que autorizar a abertura de processos contra eles. Antes, por 324 votos a 137, os parlamentares já tinham derrubado um requerimento para retirar o tema da pauta. Os deputados realizam neste momento a votação em 1º turno. São necessários 308 para aprovar o texto, o que indica que a proposta tende a receber o aval da Casa Legislativa.

Relator da PEC da Blindagem na Câmara dos Deputados, Cláudio Cajado (PP-BA) afirmou que a necessidade de autorização do Congresso Nacional para a abertura de processos contra parlamentares "é o modelo mais equilibrado, equânime e democrático" para preservar o Legislativo.As declarações ocorreram durante a leitura de seu parecer no plenário da Câmara, nesta terça-feira, 16. O deputado disse que o pleno exercício das atividades parlamentares só será possível se o Congresso tiver as devidas prerrogativas".

"Concluímos ser necessário, neste momento, voltar às garantias aos congressistas no exercício do mandato e em função dele", declarou. "Plena liberdade como forma de preservar o Legislativo e o princípio da separação dos Poderes e a soberania popular, e portanto, a própria democracia", acrescentou.

Entre as medidas anunciadas, está a necessidade de licença da Casa, por meio de votação secreta, para uma ordem de prisão ou de abertura de processo contra um parlamentar. A apreciação deve ocorrer em até 90 dias após a determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), que permanece como o foro especial para os congressistas. Além disso, se o Congresso indeferir a licença, haverá suspensão da prescrição enquanto durar o mandato, o que o relator considera um "compromisso em evitar a blindagem de quem quer que seja".

Cajado incluiu ainda os presidentes de partidos com representação no Congresso na lista de autoridades com direito ao foro no STF. Segundo o deputado, o projeto não trata de "privilégios individuais". Ele afirmou ainda ter absorvido alguns dispositivos que haviam sido propostos pelo indicado anterior à relatoria, Lafayette de Andrada (Republicanos-MG).