As defesas dos réus do núcleo de desinformação (núcleo 4) do plano de golpe buscam minimizar as acusações contra seus clientes e afastá-los da cadeia de comando da trama golpista. Os advogados apresentam nesta terça-feira, 14, os argumentos finais no processo.
O primeiro dia de julgamento foi reservado às sustentações orais da acusação e das defesas. A votação na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) está prevista para começar na próxima terça, 21.
Os criminalistas têm uma missão difícil. Ao condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), no mês passado, a Primeira Turma reconheceu a existência dos crimes narrados na denúncia, o que na prática torna o contexto desfavorável para os demais grupos de acusados.
No núcleo 4 estão sete denunciados que, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), ficaram responsáveis por "operações estratégicas de desinformação" e ataques ao sistema eleitoral e a instituições e autoridades.
O procurador-geral da República Paulo Gonet organizou as provas em uma linha do tempo. Gonet descreveu ações que, na avaliação dele, foram coordenadas com um único objetivo: manter Bolsonaro no poder em detrimento do resultado das eleições. Com isso, mesmo que todos os réus não tenham participado de todas as etapas do plano de golpe, cada um contribuiu, na parte que lhe cabia, para o objetivo final, na visão da PGR.
"É certo que dentro de uma organização criminosa os seus integrantes respondem pela totalidade dos ilícitos cometidos. Mesmo as condutas distantes cronologicamente são alcançadas pelas novas ações praticadas por outros integrantes, uma vez que dirigidas para a mesma finalidade", argumentou o procurador-geral ao pedir a condenação de todos os réus nesta terça.
As defesas, por sua vez, buscam isolar as acusações para tentar neutralizar a narrativa da Procuradoria-Geral da República. Os advogados sustentam que a PGR não comprovou a conexão entre a conduta dos réus e os crimes atribuídos a eles. Também alegam que seus clientes não tinham poder decisório nem influência suficiente para contribuir para o 8 de Janeiro.
Veja os argumentos de todas as defesas:
Ailton Gonçalves Moraes Barros
O capitão reformado do Exército Ailton Gonçalves Moraes Barros foi acusado na denúncia de participar de uma campanha para pressionar os comandantes das Forças Armadas a aderir ao plano de golpe.
O defensor público Gustavo Zorteia da Silva, que representa o capitão, argumentou que ele lançou candidatura a deputado federal nas eleições de 2022 e, por ter pretensões políticas, não faria sentido apoiar propostas golpistas.
Mensagens recuperadas pela Polícia Federal mostram que Ailton conversou com o general Walter Braga Netto, então ministro da Casa Civil, sobre ataques aos comandantes militares.
Em um dos diálogos, em dezembro de 2022, Braga Netto afirma que a "culpa pelo que está acontecendo e acontecerá é do general Freire Gomes (então chefe do Exército)". "Omissão e indecisão não cabem a um combatente", acrescenta o ex-ministro.
Ailton responde: "Então vamos continuar na pressão e se isso se confirmar vamos oferecer a cabeça dele aos leões".
A defesa afirma que, apesar das mensagens, não há provas de que o capitão cumprisse efetivamente as ordens de Braga Netto.
"O quadro que se tem aqui é de penumbra probatória. Não se tem uma comprovação de que o réu Ailton coordenasse campanhas ofensivas contra comandantes militares ou outras autoridades que estivessem a resistir ao golpe", argumentou o defensor público.
Ângelo Martins Denicoli
A PGR afirma que o major da reserva do Exército Ângelo Martins Denicoli ajudou na produção, divulgação e amplificação de notícias falsas sobre o processo eleitoral e fez a interlocução com o influenciador argentino Fernando Cerimedo, responsável por uma transmissão ao vivo com ataques às urnas.
O advogado Zoser Hardman sustenta que não há provas contra o major. O criminalista disse que considera a denúncia "genérica" e que a PGR não aponta informações falsas ou documentos que ele teria produzido.
Hardman nega que Denicoli tivesse proximidade com Fernando Cerimedo. O major compartilhou o contato do influenciador com o tenente-coronel Mauro Cid, então ajudante de ordens de Bolsonaro. Segundo o advogado, o número do argentino circulou em grupos no WhatsApp.
O criminalista também usou a sustentação oral para se contrapor à estratégia do procurador-geral de conectar as acusações.
"O dolo e culpa não se presume. O dolo tem que estar provado. Desde 1984 o Código Penal adotou a teoria finalista da ação. Ação dirigida para um fim, com dolo", rebateu o advogado.
"Quando você diz que 'integrou uma organização criminosa, todos os crimes serão também de sua responsabilidade', você está consagrando aqui uma responsabilidade penal de caráter objetivo."
Carlos Rocha
O engenheiro eletrônico Carlos César Moretzsohn Rocha, presidente do Instituto Voto Legal (IVL), é o único civil implicado no núcleo de desinformação.
Rocha foi denunciado porque os relatórios produzidos pelo IVL, sob supervisão dele, foram usados pelo PL, partido de Bolsonaro, para questionar o resultado das eleições de 2022. O PL pediu a anulação de parte dos votos alegando mau funcionamento de alguns modelos de urnas eletrônicas.
O advogado Melillo Dinis do Nascimento procurou apresentar o trabalho dele como técnico e, com isso, tentar descolar a auditoria feita pelo IVL de iniciativas políticas para desacreditar as urnas. "Auditar não é atacar", disse o advogado.
A defesa de Carlos Rocha também alega que ele não tem responsabilidade pelo uso que o PL fez dos relatórios produzidos pelo IVL. O contrato de prestação de serviços dava ao partido exclusividade sobre o uso do material. "Todo o material era pertencente ao Partido Liberal", argumentou Melillo Dinis.
Outro argumento é o de que Carlos Rocha foi denunciado, mas o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, não. "Foi o IVL que procurou a Justiça Eleitoral para fazer uma representação? Não, foi o PL. De maneira contraditória o presidente do PL não está acusado", destacou o advogado do engenheiro.
Giancarlo Gomes Rodrigues
O subtenente do Exército Giancarlo Gomes Rodrigues, ex-servidor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), é acusado na denúncia de usar a estrutura e os sistemas do órgão como uma "central de contrainteligência" para gerar notícias falsas, promover ataques a instituições e monitorar autoridades.
A advogada Juliana Rodrigues Malafaia, que representa o subtenente, buscou apartar Giancarlo dos outros réus. Ele foi cedido à Abin no governo do ex-presidente Michel Temer (MDB).
"Giancarlo não conhecia Jair Bolsonaro. Giancarlo não conhecia ou tinha qualquer relação com Ramagem. E, entre todos os acusados de outros núcleos, o Giancarlo somente conhecia o corréu Marcelo Bormevet, que era seu chefe à época", destacou a advogada.
A defesa também alega que, entre 2021 e 2023, período dos crimes denunciados, Giancarlo Rodrigues não tinha acesso ao software espião First Mile, que segundo a acusação foi usado no monitoramento ilegal de autoridades.
Além disso, de acordo com a advogada, mesmo quando tinha permissão para acessar a ferramenta, Giancarlo usava um login compartilhado com outros servidores e para fazer consultas solicitadas por diferentes setores da agência.
"Os pedidos de consulta chegavam sem qualquer explicação e por todos os meios possíveis e imagináveis. As pesquisas foram solicitadas via e-mail, WhatsApp, via post-it e até mesmo verbalmente. E da mesma maneira eram respondidas. Ou seja, não havia nenhum tipo de controle. O acusado agiu sempre na convicção de estar cumprindo ordens legítimas e vinculadas ao interesse público", alegou Juliana.
Guilherme Marques de Almeida
O tenente-coronel do Exército Guilherme Marques de Almeida foi denunciado por compartilhar publicações falsas sobre fraudes nas urnas.
A PGR afirma que, "valendo-se de seus conhecimentos especiais", o tenente-coronel criou e propagou, "em larga escala", fake news sobre o Poder Judiciário e as eleições, "com o intuito de perpetuar o sentimento de desconfiança popular contra os poderes constitucionais".
O advogado Leonardo Coelho Avelar negou que ele tenha produzido conteúdos falsos ou influenciado terceiros. Alegou também que as publicações foram compartilhadas em 12 listas de transmissão e em "frequência esporádica".
"A conduta é penalmente irrelevante", afirmou o advogado. "Guilherme não possuía meios, capacidade técnica ou posição hierárquica para praticar os atos imputados na denúncia."
Marcelo Araújo Bormevet
O policial federal Marcelo Araújo Bormevet, que também trabalhou na Abin no governo Bolsonaro e foi segurança do ex-presidente, é acusado de participar da produção de fake news e do monitoramento ilegal de autoridades.
O advogado Hassan Magid Souki, que defende o policial, argumentou que a participação dele não teve "relevância" na trama golpista. A defesa sustenta que o papel de Bormevet foi de "mero partícipe".
"Se eliminarmos a conduta dele, os fatos aconteceriam da mesma forma. Então qual a relação causal da conduta? É uma conduta reprovável? É, não vou negar. Mas isso não basta para uma responsabilidade penal."
Reginaldo Vieira de Abreu
O coronel do Exército Reginaldo Vieira de Abreu foi chefe de gabinete do general Mário Fernandes na Secretaria-Executiva da Presidência.
O militar foi implicado na elaboração e na impressão do arquivo "Gab_Crise_GSI.doc" - minuta que previa a criação de um gabinete de crise após o golpe.
O advogado Diego Ricardo Marques nega que o coronel tenha participado da redação do documento. "Ele cumpriu a sua função de seguir ordens. Os autos não mostram nenhuma participação efetiva na confecção desse documento."
Em mensagens obtidas na investigação, o coronel defendeu ativamente que o ex-presidente Jair Bolsonaro fizesse "uma reunião petit comité", sem o "pessoal acima da linha da ética", para "debater o que vai ser feito". "Tem que ser a rataria."
A defesa sustenta que "mensagens infelizes ditas em um momento inoportuno" não são suficientes para a condenação. "Ele expressou uma opinião política, dele, pessoal, para um amigo", disse o advogado.
Reginaldo ainda foi acusado de tentar manipular o relatório do Ministério da Defesa que atestou a integridade das urnas e descartou fraudes nas eleições de 2022. A defesa alega que a interferência dele no episódio não foi comprovada.