Luisa Strina estreia "Uma e algumas cadeiras/Camuflagens", com obras inéditas de Cildo no Brasil, enquanto a Galatea apresenta a mostra "Cildo Meireles: desenhos, 1964-1977, a partir de 3 de outubro
Após um hiato de cinco anos sem uma exposição robusta de Cildo Meireles no Brasil, as galerias Luisa Strina e Galatea unem forças para inaugurar, de maneira coordenada, duas mostras individuais do artista em São Paulo. A partir do dia 3 de outubro, a Luisa Strina, galeria que representa o artista, apresenta “Uma e algumas cadeiras/Camuflagens”, com obras inéditas de Cildo no país, enquanto a Galatea exibe uma seleção de desenhos em “Cildo Meireles: desenhos, 1964-1977”. Juntas, as mostras oferecem uma visão ampla e complementar do trabalho de Cildo Meireles, para quem o desenho muitas vezes é a gênese da sua prática no campo tridimensional. Esta primeira colaboração entre as galerias vizinhas — localizadas frente a frente na Rua Padre João Manuel — sela uma parceria que fortalece o cenário artístico local.
Luisa Strina reúne trabalhos de Cildo Meireles originalmente idealizados nas décadas de 1980-90. Cildo Meireles realizou sua primeira exposição na galeria Luisa Strina em 1981, onde apresentou sua última individual de obras inéditas, Pling Pling, em 2014. A nova mostra acontece dez anos depois, no ano de celebração do aniversário de 50 anos da galeria.Exibida pela primeira vez na Galeria Lelong, em Nova York, em 2023-4, a instalação Uma e Sete Cadeiras (1997-2023) faz referência à obra One and Three Chairs (1965), do artista Joseph Kosuth, considerada uma das obras seminais da arte conceitual. A instalação começa com a estrutura de uma cadeira simples de madeira; esse objeto é replicado e modificado em outras seis variações de uma cadeira construídas com materiais diversos: vidro, serragem, cinza, entre outros. Uma sétima variação, posicionada ao lado do conjunto central, consiste de uma torre de lâminas de acrílico em cujo interior distinguimos a forma imaterial de uma cadeira, destacando a ideia de vazio.
O vazio é um elemento constantemente abordado pelo artista em sua prática, como acontece na obra Esfera Invisível (1996) e na instalação Desaparecimentos (1982). Segundo Meireles, “me interessa essa coisa evanescente, ou seja, uma espécie de dissolução do objeto. Existe o desejo de jogar com a visão, uma espécie de invisibilidade da invisibilidade. São trabalhos que possuem uma autonomia quase de objeto semântico. É como a Esfera Invisível, que trata de uma existência constituída de inexistências”.
Em diálogo com a instalação, Cildo apresenta duas pinturas da série Épuras, conceito derivado da geometria descritiva para designar a representação planificada de objetos tridimensionais. Nessas obras, o artista combina representações do objeto cadeira em diferentes perspectivas, sendo uma delas um políptico de quatro partes, e a outra um tríptico que replica a estrutura tridimensional das reconhecidas obras de sua série Cantos.
Na sala 2 da galeria, o grupo de obras apresentadas em Camuflagem também lida com questões relativas ao objeto e à representação. Nesses trabalhos, a pintura é feita diretamente sobre objetos como guardassois, cadeiras de praia e tendas. Algumas dessas pinturas-objeto são dedicadas a importantes artistas da história: uma cadeira de praia listrada homenageia Jasper Johns; o guarda-chuva monocromático negro, Malevich; e o banquinho de pescador, Volpi.
Sobre a série de pinturas inéditas que será exibida na mostra, o artista comenta: “Camuflagem é um projeto anterior à instalação Uma e Sete Cadeiras e está sendo realizado trinta e seis anos depois. São basicamente pinturas sobre chassis diversos, que remetem a uma funcionalidade. Pintura camuflada em bancos, cadeiras, guarda-chuvas, objetos comuns, de uso diário. Sempre utilizando um objeto que seja constituído de um tecido e uma estrutura.”
A cadeira reaparece na série Camuflagem, dessa vez acompanhada por um banco, um guarda-sol, um guarda-chuva, uma maca e tendas. “Essa parte da exposição, que chamo de Camuflagem, teria outro nome: Pintura de Chão. Pois todas as obras estão pousadas nele.”
A Galatea traz uma seleção de desenhos produzidos desde 1964, quando o artista tinha apenas 17 anos, até 1977. A mostra coloca em destaque o Meireles desenhista, faceta menos explorada em comparação a outras vertentes do seu trabalho. Por outro lado, é essa a sua prática mais constante e longeva. Em entrevista ao curador Hans Ulrich Obrist no número que lhe é inteiramente dedicado da revista francesa Cahiers d’Art, o artista afirma: “Parei de desenhar por cinco anos, de julho de 1968 a junho de 1973. Quando voltei me senti um idiota por ter parado, porque os desenhos são como pontes entre o pensamento e o papel.”
A seleção realizada pela galeria reúne obras tanto dotadas de aspectos figurativos quanto de experimentações abstratas com campos de cor, formas orgânicas, rabiscos e círculos criados a partir das digitais do próprio artista. No âmbito da figuração, as cenas de interiores domésticos e suas linhas, seus mobiliários e personagens evocam temas recorrentes na produção de Meireles, como o espaço, a escala e o objeto; o projeto e a arquitetura; e a crítica à ditadura militar. O diálogo com importantes obras tridimensionais, como as da série Cantos (1967-1968/2008), também é evidente em vários desses desenhos.
O texto crítico de ambas as exposições é assinado pelo curador Diego Matos, um dos editores convidados para o número da Cahiers d’Art dedicado a Cildo Meireles, publicado em 2022; além de co-curador da mostra Entrevendo, individual de Meireles realizada em 2019 no Sesc Pompeia.
Sobre as exposições apresentadas pela Luisa Strina e a Galatea, Matos comenta:
“A exposição ‘Uma e algumas cadeiras/Camuflagem’ traz um conjunto de trabalhos inéditos no Brasil que sublinham um dos caminhos bifurcados da já incontornável trajetória de Cildo Meireles: a subversão dos objetos mais ordinários de nossa vida cotidiana, submetendo-os à reestruturação de seus signos, tanto em termos linguísticos como do próprio uso. Ao mesmo tempo, o artista também atualiza uma das primeiras discussões adquiridas pelo debate contemporâneo da arte: o conceito, a ideia e a materialidade do readymade. Ao mesmo tempo, trazer ao público uma seleção generosa de desenhos de Cildo Meireles é tornar visível e acessível a prática mais onipresente na trajetória de mais de 60 anos do artista. Prática, aliás, indissociável de sua produção objetual e instalativa. Feitos em um quarto de hotel, na calada da noite; na calmaria caseira da manhã; ou em ateliê, num momento intervalar de trabalho — seus desenhos nos contam muito de um repertório poético e conceitual que ele encadeou desde o início da sua produção.”
Galerias Luisa Strina e Galatea anunciam colaboração inédita com exposições simultâneas de Cildo Meireles
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