Barroso diz que 'extremistas de direita e esquerda' se aproveitam de falhas da democracia

Política
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O presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, interagiu na manhã desta quarta, 23, na sede da Federação das Indústrias de São Paulo com uma plateia que foge à sua rotina, formada essencialmente por estudantes do ensino médio e não por empresários ou advogados, o público habitual do ministro.

Atento a esse detalhe, Barroso abriu mão da pose formal que marca suas manifestações na Corte ou em eventos do mundo forense e aos jovens ofereceu momentos de descontração e leveza. Para tanto, exibiu seu perfil professoral - ele é docente há 40 anos -,e se permitiu a um compartilhamento de angústias e sonhos que carrega ainda hoje. Até chegou a contar aos adolescentes alguns 'segredos'.

Na mesma ocasião, Barroso disse que os "populismos extremistas de direita e de esquerda" se aproveitam da falta de igualdade e de prosperidade para se infiltrar nas democracias.

Após falar sobre sua trajetória e da importância da dedicação aos estudos e do autoconhecimento, Barroso fez considerações sobre democracia, inteligência artificial e mudanças climáticas.

"Quem pensa o mundo tem que se apegar aos valores democráticos, mas os populismos extremistas de direita e de esquerda fluem pelos desvãos da democracia, que são basicamente as promessas não cumpridas de prosperidade e de igualdade de oportunidade para todas as pessoas. Esse continua sendo o grande compromisso não cumprido das democracias", disse o ministro.

Sobre a IA, Barroso ponderou que se trata de uma ferramenta poderosa que revolucionará a vida das pessoas, mas chamou a atenção para o dever de "mantê-la em uma trilha ética que sirva à causa humana".

Quando abordou a mudança climática, Barroso ressaltou a importância dos povos indígenas para a preservação do meio ambiente. "As comunidades indígenas demarcadas são uma das formas importantes de se preservar o meio ambiente no País. As áreas legitimamente demarcadas são as áreas de melhor preservação ambiental", ressaltou o magistrado.

Barroso terminou sua fala ressaltando a necessidade de combater a pobreza, crescer economicamente por meio da reindustrialização e garantir educação, saúde, transporte e outros direitos para promoção da cidadania.

O ministro afirmou ainda que, nos últimos anos, os direitos das mulheres, da população negra, da comunidade LGBTQIA+ e das pessoas com deficiência só aumentaram. Para o presidente do STF, muito dessa evolução ocorreu de ações do Judiciário, como bolsas para profissionais negros se qualificarem e poderem concorrer no exame de magistratura.

'Adorava namorar'

O ministro resgatou aspirações e atividades enquanto crescia no Rio - então, jogava na escolinha do Flamengo, mas não seguiu carreira de boleiro por 'falta de talento'.

Também recordou dos tempos em que foi vice-campeão brasileiro de vôlei, jogando inclusive com o técnico multicampeão Bernardinho. E relatou um devaneio que o prendia, o de ser compositor, período de sua vida em que participou de festivais de música.

'Adorava namorar', disse. Entre desejos e a necessidade de se preparar para o vestibular abandonou o vôlei. "Cantar eu canto até hoje, mas eu geralmente canto para quem eu posso reprovar ou exonerar, então é sempre um sucesso", arrematou.

O ministro foi o primeiro a participar de uma iniciativa que pretende colocar os onze integrantes da Corte frente a frente com estudantes do ensino médio do Sesi.

Na edição desta quarta, 23, a primeira, foi a vez de Barroso conversar com cerca de 120 alunos da unidade Sesi de São Bernardo do Campo, no ABC paulista.

A rapaziada 'entrevistou' o ministro e a ele dirigiu uma pergunta: "Como o Supremo Tribunal Federal pode ser o indutor de ações afirmativas no combate às desigualdades através de políticas públicas na educação básica?"

Barroso apontou a necessidade de consolidar a ideia de igualdade de gênero e deu ênfase ao que chamou de 'dever de justiça' para a reparação de injustiças históricas da escravização, que o ministro classifica de 'uma dívida histórica institucional'.

Ele também defendeu a importância de promover em maior extensão a integração das pessoas, superando o capacitismo e preconceitos em razão da orientação sexual.

Em outro sentido, as divagações pessoais de Barroso serviram como uma lição. O ministro dividiu com sua platéia alguns conselhos de vida. "Nenhuma vida completa é feita só de vitória. A gente precisa conhecer a si próprio para saber o que a gente gosta e o que faz a gente feliz. O segredo do sucesso está no treinamento, na prática de fazer as coisas bem feitas."

Luís Roberto Barroso passou alguns valores à turma que o ouvia com atenção. "Sejam boas pessoas, fujam de intrigas, mentiras, pequenas maldades. Uma fofoquinha inocente aqui não tem problema. Mas a intenção de fazer mal a alguém é altamente destrutiva."

Recomendou idealismo e integridade, 'no espaço privado não passar os outros para trás e no espaço público não desviar dinheiro'.

"Parecem regras muito simples mas são altamente revolucionárias. No Brasil nem se fala. A integridade é altamente libertadora", declarou.

Barroso reiterou algumas máximas, ainda que resumidamente, retomando sua preocupação com a preservação da democracia. "Tenham desprezo pelas ditaduras e paciência com a democracia."

Nesse ponto, ele acenou à Fiesp, que o acolheu nesta quarta, 23, e enalteceu a entidade que reúne os gigantes da indústria paulista pelo "apoio em um momento difícil" - uma referência ao ato de 11 de agosto de 2022, marcado pela defesa da democracia e do Tribunal Superior Eleitoral, que à época era alvo de hostilidades do ex-presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores.

Indicou aos estudantes que olhem para o Brasil 'não como uma fotografia, mas como um filme'.

"O Brasil só começou verdadeiramente em 1808 com a vinda da família real portuguesa para o Rio de Janeiro, no contexto de uma Europa à mercê de Napoleão. Antes disso, sem nenhum desmerecimento à resistência indígena ou a resistência dos escravizados não havia um projeto de País. Porque não havia comércio exterior, era proibida a existência de manufaturas, era proibida a construção de estradas, não havia moeda suficiente, as trocas eram feitas por escambo, um terço da população era escravizado e 98% da população era analfabeta. 200 anos atrás", ponderou.

"Quanto às instituições, não somos herdeiros da tradição anglo-saxã que desde 1215 tinha uma carta de direitos e liberdade. Somos herdeiros da tradição lusitana, o último país da Europa a acabar com a inquisição, o último país da Europa a acabar com o tráfico negreiro, o último país da Europa a acabar com o absolutismo", seguiu.

"Com aquela infraestrutura e essa superestrutura, em um pouco mais de 200 anos o Brasil se tornou a quarta maior democracia do mundo e a oitava maior economia do mundo", relatou. "E ainda tivemos alguns tropeços porque a nossa tendência é sermos a quinta maior economia. Portanto, ao contrário do que às vezes possa parecer, nós temos uma história de sucesso no Brasil. É um país que deu certo. Ainda não floresceu na sua plenitude. Nós temos andado na direção certa, ainda que não na velocidade desejada. Porque a história não é linear, é feita de idas e vindas. No balanço geral estamos num bom caminho, mas aquém de onde queremos chegar", completou.

Em outra categoria

A candidata democrata e vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, declarou nesta quarta-feira, 23, que acredita que seu rival Donald Trump é um fascista, durante uma sabatina na emissora americana CNN. A declaração da democrata foi feita após um ex-colaborador do candidato republicano afirmar que ele supostamente elogiou Adolf Hitler.

"Você acredita que Donald Trump é um fascista?", perguntou o jornalista Anderson Cooper, durante o programa gravado na Pensilvânia, no qual Kamala respondeu perguntas de 32 eleitores indecisos. "Sim, acredito", respondeu Kamala à pergunta.

A declaração foi uma reação aos comentários do ex-chefe de gabinete de Trump John Kelly, general aposentado do Corpo de Fuzileiros Navais em entrevistas ao jornal The New York Times e à revista The Atlantic publicadas na terça-feira, 22, alertando que o indicado republicano se enquadra na definição de fascista e que, enquanto estava no cargo, ele sugeriu que o líder nazista "fez algumas coisas boas".

Kamala disse que esses comentários oferecem uma visão de quem o ex-presidente "realmente é" e do tipo de comandante-chefe que ele seria. Mais tarde, ela voltou com o assunto, dizendo que Trump, se fosse eleito novamente, seria "um presidente que admira ditadores e é fascista". Antes da entrevista, ela já havia atacado duramente seu rival republicano pelas mesmas afirmações.

A vice-presidente disse que acredita que Trump está "cada vez mais instável e inapto para exercer o cargo", em resposta à primeira pergunta, que era sobre o que ela diria aos eleitores para convencê-los do motivo pelo qual não deveriam apoiar seu rival republicano, e descreveu os comentários de Kelly como uma "chamada de emergência para o povo".

A equipe de campanha de Trump declarou que a democrata "está cada vez mais desesperada porque sua campanha está em colapso". "É por isso que ela continua espalhando mentiras e falsidades descaradas que são fáceis de refutar", disse o porta-voz Steven Cheung em um comunicado. Fonte: Associated Press.

O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, rejeitou a alegação da campanha de Donald Trump de que o Partido Trabalhista está interferindo ilegalmente na eleição presidencial dos EUA.

Uma declaração no site de Trump na noite de terça-feira, 22, disse que uma queixa oficial havia sido apresentada à Comissão Eleitoral Federal contra o Partido Trabalhista e a campanha da vice-presidente Kamala Harris, alegando "contribuições ilegais de campanhas estrangeiras e interferência em nossas eleições".

A reclamação se referia a reportagens sobre reuniões entre funcionários do Partido Trabalhista e do Partido Democrata e a uma publicação no LinkedIn, agora excluída, na qual um funcionário do Reino Unido disse que havia "quase 100 pessoas do Partido Trabalhista indo para os EUA" para visitar estados decisivos.

Starmer afirmou que todos os membros do partido estavam em solo americano como voluntários. "Foi o que eles fizeram em eleições anteriores e é o que estão fazendo nesta eleição", disse ele aos repórteres.

O primeiro-ministro enfatizou que o assunto não prejudicaria o relacionamento que ele tentou construir com Trump e que trabalhará com "quem quer que o povo americano eleja como seu presidente nas eleições".

Os países do Brics formalizaram nesta quarta-feira, dia 23, a criação de uma nova categoria de associação ao bloco e definiram a lista com 13 países potenciais, deixando de fora a Venezuela. Apesar de contar com a simpatia de Rússia e China e de ter viajado a Kazan de última hora, o ditador Nicolás Maduro viu seu plano de entrar no grupo de economias emergentes bloqueado nos bastidores pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva.

A Declaração de Kazan, documento final da 16ª cúpula anual de líderes do Brics, confirma o estabelecimento da categoria de "Países Parceiros do Brics". Os líderes celebraram o "considerável interesse dos países do Sul Global". Em Kazan, os atuais membros do bloco avaliaram manifestações formais de adesão expressadas por 33 países.

A versão oficial do governo brasileiro é que o País não patrocinou novas adesões, nem as vetou. Questionado sobre como o Brasil se posicionou sobre o pleito da Venezuela, o chanceler Mauro Vieira, afirmou que a discussão não chegou a ser feita agora - ao menos explicitamente entre os líderes.

"A discussão desses dias foi sobre os critérios e os princípios que vão orientar a ampliação do Brics futuras. Quanto à lista de países será decidido daqui para frente. A presidência russa fará consultas com cada um dos dez membros atuais e depois então vamos declarar, vamos anunciar quais são esses países. Isso pode acontecer em menor prazo, pode ser em maior prazo, se não for até o final do ano passará para o próximo ano e para a presidência brasileira", disse ministro das Relações Exteriores, que assumiu a chefia da representação brasileira após Lula cancelar sua viagem por orientação médica.

Nos bastidores, porém, diplomatas diretamente envolvidos nas tratativas indicaram aos pares que o Brasil tinha sim objeção ao plano de ingresso venezuelano. Segundo negociadores, eles receberam instruções nesse sentido vindas de Brasília no mais alto nível político - ou seja, do presidente Lula e de seu assessor especial Celso Amorim.

Lula e Amorim estavam incomodados com o esgarçamento de relações com Caracas. Nos últimos dias, vieram a público novas provocações de Maduro e seu entorno, como a insinuação de que Lula era um agente recrutado pela CIA - agência de inteligência dos Estados Unidos. Com um longo histórico de amizade e defesa dos chavistas, Lula e Amorim fracassaram até agora ao tentar mediar um entendimento político no país vizinho e não reconheceram o chavista como vencedor da eleição presidencial de julho, suspeita de fraude.

Em paralelo, Maduro realizou nesta quarta-feira uma reunião bilateral com Putin e disse que seu país pratica "todos os princípios do Brics por convicção". "A Venezuela está no caminho do Brics, do equilíbrio do mundo", afirmou o chavista, após o encontro com o anfitrião.

Ele chegou a Kazan depois que já havia enviado a vice-presidente Delcy Rodríguez. A Venezuela recebeu o convite por meio de uma carta de Putin. "Já somos parte da engrenagem, desta engenharia do mundo multicêntrico, pluripolar que está nascendo", afirmou o chavista ainda no aeroporto, em claro movimento de pressão para entrar no grupo. "Os Brics já se converteram no epicentro do novo mundo multipolar."

Durante a reunião, Putin destacou que "a Venezuela é um dos parceiros confiáveis de longa data da Rússia na América Latina e no mundo todo". O russo voltou a expressar que apoia o desejo de Maduro de se juntar ao Brics.

Em Kazan, participaram pela primeira vez de uma cúpula do Brics após a expansão de 2023 os dez membros atuais - Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Arábia Saudita, Egito, Etiópia, Emirados Árabes Unidos e Irã. O Brasil vai assumir a presidência rotativa em 1º de janeiro de 2025, quando estará criada a categoria de países "parceiros", para a qual estão sendo convidados outros 13 países.

O Estadão teve acesso ao documento em que consta a "lista consolidada de potenciais países parceiros". São eles: Argélia, Belarus, Bolívia, Cuba, Indonésia, Cazaquistão, Malásia, Nigéria, Tailândia, Turquia, Uganda, Uzbequistão e Vietnã.

O Brasil indicou preferência pela aprovação de dez novos associados. O governo indicou simpatia pelas candidaturas de latino-americanos, como Cuba e Bolívia, por exemplo, e também manifestou aos pares que barraria o pleito da Nicarágua, cujo ditador Daniel Ortega rompeu com Lula.

O ministro das Relações Exteriores disse que não pode haver um "aumento desmedido" no número de países associados ao Brics, que não é um bloco formal e nem dispõe de uma base e secretariado.

Segundo ele, o Brasil não vai se desengajar do grupo, mas também não vê sua participação como um movimento hostil ao Ocidente - Estados Unidos e Europa. A fortalecimento de um polo alternativo vem sendo fomentado por russos e, sobretudo, pelos chineses, até então os principais incentivadores da expansão a qualquer custo e a maior possível, segundo diplomatas diretamente envolvidos.

"O Brasil não é contra ninguém. O Brasil é a favor da cooperação e do desenvolvimento do nosso próprio interesse nacional. Eu acho que existe uma visão negativa do Brics, porque acham que o Brics é contra um ou contra outro. Não é nada disso. O Brasil, até onde eu sei, é um País do Ocidente. Então, o Brasil não vai querer ser contra si próprio. E o Brasil tem ótimas e antiquíssimas relações com todos esses países", afirmou Vieira.

Até a confirmação das novas adesões e a definição do escopo de participação e das prerrogativas dos países "parceiros" - uma das possibilidades é que não tenham direito a vetar assuntos -, o Itamaraty espera que surjam novas pressões sobre a lista fechada em Kazan. Isso porque os direitos de quem terá o status de parceiro podem desagradar.

Entre os critérios avaliados para os convites estavam relevância política, equilíbrio na distribuição regional dos países, alinhamento à agenda de reforma da governança global, inclusive do Conselho de Segurança da ONU, e de instituições financeiras, como o FMI, rejeição a sanções não autorizadas pelas Nações Unidas no âmbito do conselho, e relações "amigáveis" com todos os membros.

O retorno da Venezula ao páreo, por enquanto, é visto com ceticismo no governo brasileiro, porque dependeria de nova discussão entre os líderes para chegar a um consenso e, potencialmente, desgastaria a relação com Lula, que já indicou discordância.

"Tem que haver uma consulta entre todos os países, havendo uma posição que leve a um consenso, são 10 ou 12 países, o Brasil é favorável que haja um número de dez, já que são dez atualmente os membros, que os parceiros sejam também dez nesse primeiro passo. Então tudo será feito em consenso e em consulta", afirmou Vieira.

Os negociadores do Brics fecharam acordo para não divulgar oficialmente, por enquanto, a lista de países que estão sendo sondados para se juntar ao grupo. Eles deixaram de incluir a relação dos 13 na declaração final da cúpula, como fizeram no ano passado.

Essa foi uma forma de evitar constrangimentos depois que a Argentina, sob o governo Javier Milei, acenou aos Estados Unidos e Europa e declinou do convite formalizado em Johannesburgo, África do Sul. A Arábia Saudita, tratada como membro, também alega ainda não ter decido pela adesão formal, tendo por enquanto uma participação precária e subrepresentada.

Agora, os russos vão iniciar o processo de sondagens junto aos 13 países. Moscou tem interesse sair como o patrocinador de novos membros por angariar apoio ao governo Vladimir Putin, sobretudo, por causa do isolamento provocado pela guerra na Ucrânia. A organização da cúpula russa tem divulgado imagens que ajudam Putin combater a ideia de que se converteu num pária internacional.

Nesta quinta-feira, dia 24, os chefes de Estado e de governo dos países Brics participam justamente do segmento da cúpula destinado à interação com representantes dos países convidados pela Rússia, que costumam ser chamados de Brics Outreach/Brics Plus. Entre eles, estão em Kazan Maduro e os potenciais membros da categoria de "países parceiros", nações que estão há algum tempo na órbita do grupo e participam regularmente de atividades. A cúpula deve ser encerrada com uma coletiva de imprensa de Putin.