Estudo analisa crise da democracia no País

Política
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Os cientistas políticos Francisco Weffort e José Álvaro Moisés têm um caminho comum há mais de 40 anos - o primeiro foi orientador do doutorado do segundo na Universidade de São Paulo (USP). Mas só agora assinam um livro em conjunto. Crise da Democracia Representativa e Neopopulismo no Brasil, publicado pela Fundação Konrad Adenauer, é a primeira parte de um projeto que reúne os pensadores em busca de saídas para a crise brasileira. Eles analisam o impacto do neopopulismo na atual crise da democracia e as possibilidades de superá-la.

Professores titulares da USP, eles estiveram entre os fundadores do PT, partido que deixaram nos anos 1990. Weffort se tornou ministro da Cultura do governo do amigo e colega Fernando Henrique Cardoso, cargo que ocupou por oito anos - Moisés o acompanhou no ministério.

No livro, o primeiro texto é o de Moisés, que aborda a crise da representatividade. Em A democracia pós-autoritária na berlinda, o autor estuda os fatores que levaram ao esgotamento do sistema político saído da Constituição de 1988 - da fragmentação partidária à presidencialização da política. A saída, diz ele, parece vir do Chile, onde a ideia de um presidencialismo misto, com primeiro-ministro, é defendida pela maioria dos eleitos para a Constituinte.

É a preocupação com o fenômeno democrático e a defesa das instituições que domina o texto de Weffort. Ele parte da ideia do sociólogo Alain Touraine de uma democratização por via autoritária como uma característica do País. Para Weffort, a "democracia é parte do sonho brasileiro", assim como a perspectiva de prosperidade constitui o sonho americano. "A ilusão da democracia está entre nós; até o golpe de 1964 foi dado em nome da democracia." Leia abaixo, trechos de suas entrevistas ao Estadão.

'BOLSONARO NÃO OBEDECE ÀS REGRAS DO SISTEMA DEMOCRÁTICO'

Francisco Weffort, cientista político

O sr. trabalha a ideia de que a democratização por via autoritária torna difuso o conceito de que a política se realiza à parte da sociedade, de que a vontade do líder vale mais do que o respeito às leis, de que a política só se efetiva quando autoritária...

A política só se efetiva quando ela fala, se expressa pelo líder, pelo chefe, pelo comandante. Essa é a ideia básica. O Bolsonaro acredita que deve opinar sobre tudo como se pudesse entender de tudo. Estamos em uma pandemia e ele agora decide da cabeça dele que não é necessário usar máscara para quem já foi vacinado. Ou seja, não obedece às regras habituais de um sistema democrático. Nesse sentido é autoritário.

Ele se insere dentro da tradição do Exército de intervir na vida política da República?

Eu diria que ele quer relembrar a tradição. Quer convocar essa tradição a favor dele, mas é muito diferente, como significado político, de toda essa tradição, pois ela é a tradição do tenentismo. Ele não é bem esse personagem, mas quer lembrar essa tradição em nome dele. Então diz: "O meu Exército".

Tenta reeditar a ideia de uma reforma institucional que passe pela moralização da política?

Exatamente. Se você lembrar bem, a Revolução de 1930 foi uma revolução em nome da moralidade pública, um grande movimento de opinião pública que passou pelas Forças Armadas e entrou na tradição militar. É verdadeiramente da tradição brasileira. É curioso, mas a Revolução de 1930 é uma luta pela democracia, pois a democracia que tínhamos era restrita, oligárquica. Fica na tradição a lembrança da democracia vencendo. É parte do discurso oficial brasileiro, parte do sonho brasileiro - digamos assim, o fantasma brasileiro -, da ilusão brasileira da democracia. E parte das tradições de origem militar.

O sr. diz no seu texto que ainda seremos uma democracia plena. Qual a razão desse otimismo?

(Risos) Em toda previsão há um tanto de vontade de futuro, de wishful thinking. É claro que me identifico com a ideia de um Brasil democrático no futuro. E acho que o Brasil se tem democratizado. De 1930 para cá, mas antes inclusive, apesar de todos os vaivéns, o País se democratizou muito.

O sr. acha que esse processo não se interrompe?

Não. Nesse momento, nós estamos em um lusco-fusco. Pode haver uma tentativa de interrupção agora, mas não acredito que ela se firme, porque esse é o sonho brasileiro. Ou você sonha com a democracia ou tem a ilusão da democracia. A ilusão da democracia está entre nós. Desde 1930. Inclusive o golpe de 1964 foi dado em nome da democracia. Foi dado contra a possibilidade de um comunismo golpista que viria do outro lado. Tanto que, imediatamente, depois dele, uma parte importante da opinião que o apoiou ficou contra, pois não aceitava, não queria a ditadura. Uma das coisas gloriosas do Estadão a meu ver foi isso. Eu acredito que teremos a democracia. Nós como Nação. Somos parte da economia do mundo. Nossas regiões têm definições culturais fortes. O espírito regional no País é forte, daí a necessidade do federalismo, do Senado. É muito difícil um País com essas características, a essa altura, virar uma ditadura. Nós não somos uma república das bananas. Aqui tem muito mais do que bananas.

'DOIS IMPEACHMENTS EM 30 ANOS INDICAM QUE ALGO NÃO ESTÁ BEM'

José Álvaro Moisés, cientista político

Qual o estado da democracia representativa hoje no Brasil?

Temos uma democracia eleitoral. Isso significa que ela engloba dois aspectos importantes: participação da maioria dos adultos e a possibilidade de contestação por meio da existência de partidos políticos e regras que permitam que o adversário de quem está no governo chegue ao poder.

Qual nosso problema então?

O problema com a democracia brasileira não é se ela existe ou não, mas a sua qualidade. Isso tem relação com a crise do sistema de representação. Temos um conjunto de regras que, em vez de introduzir o eleitor no sistema político, desconecta representados e representantes. Isso transparece em pesquisas de opinião: as pessoas não se sentem representadas, não acreditam influir no sistema. O que diferencia a democracia das alternativas autoritárias é que nela as pessoas comuns são os soberanos; não o rei ou o secretário-geral do partido. Essa soberania é delegada por meio da representação, em primeiro lugar, aos partidos. Quando estes começam a falhar e já não recebem a delegação dos soberanos para passá-la ao presidente, você tem uma queda na qualidade da democracia. É que a soberania do eleitor não se expressa só no direito de votar, mas também por meio de instituições de mediação para propor ao sistema político temas que correspondam ao interesse do eleitor.

Existe algum aspecto novo nessa crise após 2018?

Nos 30 anos que antecedem 2018, os militares haviam voltado à caserna e estavam subordinados a líderes eleitos, exercendo, dentro dos limites constitucionais, suas funções. Mas em 2018 houve uma quebra grave desse quadro: a intervenção do comandante do Exército, general Villas Bôas, antes do julgamento do habeas corpus de Lula. No Brasil, a democracia tem algumas condicionantes que ainda não estão resolvidas, e a questão militar é uma delas.

O momento da América Latina, em que um maioria eleita no Chile para a Constituinte advoga o semi-presidencialismo, pode trazer mudanças ao Brasil?

Tem um aspecto da cultura política latino-americana que reforça muito a relação entre o líder e a massa. O que está ocorrendo no Chile e em outros países é uma mudança dessa cultura política, que justificou por mais de um século a manutenção de um sistema de governo (o presidencialismo) que tem poucas saídas para as crises graves. Crises sempre vão haver, são parte da dinâmica da democracia, mas precisamos ter saídas, mecanismos para retomar políticas de desenvolvimento do País. Desse ponto de vista, o que está acontecendo no Chile é um sinal da mudança da cultura política que, a meu juízo, vai ocorrer em outros países e, provavelmente, se o debate se estabelecer no Brasil, teremos chance de mudar. Dois impeachments de presidentes eleitos em 30 anos são uma indicação de que algo não está funcionando bem. O governo Bolsonaro mostra o excesso de poderes do presidente. Mesmo com as instituições de controle, não se normaliza a crise.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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A Suprema Corte de Wisconsin suspendeu, nesta terça-feira, 29, a juíza de Milwaukee, que chegou a ser detida pelo FBI, acusada de obstruir os esforços para a prisão de um imigrante mexicano.

A Corte proibiu Hannah Dugan de exercer suas funções e poderes judiciais temporariamente. Nenhum dos integrantes da Suprema Corte do Estado - onde os progressistas têm maioria de 4 a 3 - manifestou discordância.

A decisão não assinada de duas páginas afirma que o tribunal agiu "para manter a confiança do público no Judiciário do Estado". A ordem permanecerá em vigor até que a Corte se pronuncie novamente.

Em nota, a defesa de Hannah Dugan disse estar decepcionada com a suspensão unilateral. "Continuamos a afirmar a inocência da juíza Dugan e aguardamos sua absolvição em tribunal", disseram os advogados.

A juíza foi detida pelo FBI na sexta-feira e acusada pelo Departamento de Justiça de obstruir a operação para prisão de um imigrante venezuelano. Ela teria orientado Eduardo Flores Ruiz, que estava em sua sala de audiências, a sair pela porta lateral após saber que agentes do Serviço de Imigração e Controle de Alfândegas dos EUA (ICE) estavam no tribunal e buscavam prendê-lo.

O imigrante foi detido logo em seguida.

A acusação apresentada pelo Departamento de Justiça contra Hannah Dugan indica que os agentes do ICE não apresentaram mandado de prisão para Eduardo Flores Ruiz. Ela então recomendou que procurassem o chefe do tribunal e, nesse meio tempo, dispensou o imigrante procurado.

O diretor do FBI, Kash Patel, acusou Hannah de "intencionalmente desviar" agentes federais que chegaram ao tribunal para prender o imigrante. Ela foi liberada logo após a acusação do Departamento de Justiça e responde em liberdade.

O processo contra Hannah Dugan ocorre no momento em que o governo Donald Trump pressiona os promotores a investigar e, potencialmente, indiciar as autoridades que impeçam ações para reprimir a imigração.

A Casa Branca entrou em embate com juízes que bloquearam seus esforços e desafiou decisões contrárias aos planos de deportação. No discurso em que celebrou os 100 dias de governo, Donald Trump se voltou contra juízes, que chamou de "comunistas" e "radicais de esquerda".

"Os juízes estão tentando tirar o poder dado ao presidente para manter o nosso país seguro", disse Trump a apoiadores no Michigan nesta terça-feira (29). Com agências internacionais.

O presidente dos EUA, Donald Trump, marcou nesta terça-feira, 29, os primeiros 100 dias de seu governo com um comício em Warren, no Estado de Michigan. O roteiro do discurso incluiu os melhores hits da campanha: ataques a juízes e oponentes, defesa dos poderes presidenciais e dos cortes de funcionários federais, eliminando o que ele chama de "burocratas incompetentes e desnecessários do estado profundo", além de se colocar como vítima da esquerda radical.

Durante mais de duas horas, Trump retomou uma linguagem incendiária para atacar os juízes federais que bloquearam seus decretos, considerando-os ilegais ou inconstitucionais. Após chamá-los de "comunistas", ele reclamou que os magistrados "estão tentando tirar os poderes presidenciais".

Outra coisa que não faltou na noite de ontem foram as distorções e desinformações. Trump disse que o preço dos ovos havia caído 87% e os da gasolina estavam abaixo de US$ 2 por galão em três Estados. Nenhuma das afirmações é verdadeira. Segundo o New York Times, o preço médio dos ovos no atacado caiu cerca de 50% desde a posse, mas o preço dos ovos no varejo subiu de US$ 4,95, em janeiro, para US$ 6,23 em março. Em nenhum Estado americano o preço médio da gasolina por galão está abaixo de US$ 2, de acordo com a AAA, que monitora o setor.

Imigração

O presidente americano aproveitou também para pintar os migrantes como "monstros" e criminosos violentos, exibindo vídeos que mostravam com orgulho a repressão à imigração. "Assinei a Lei Laken Riley (que facilita a deportação de imigrantes sem julgamento). Nas últimas semanas, os agentes prenderam milhares de estupradores, assassinos, sequestradores, traficantes de drogas e ladrões", disse.

Trump destacou ainda o acordo com o presidente salvadorenho, Nayib Bukele, que possibilitou o envio de imigrantes para uma prisão de segurança máxima em El Salvador. E exibiu o vídeo que mostra um suposto integrante de gangue sendo deportado para o país da América Central, sob gritos e aplausos da multidão de apoiadores. "O Partido Democrata radical está correndo em defesa de alguns dos selvagens mais violentos da face da Terra", disse.

Ele aproveitou o discurso para reforçar o apoio ao secretário da Defesa americano, Pete Hegseth, pressionado a deixar o cargo após divulgar planos militares em grupos no aplicativo de mensagem Signal. Um deles incluiu por engano o editor-chefe da revista The Atlantic. O outro tinha sua mulher, seu irmão e o advogado pessoal do chefe do Pentágono.

"Tenho confiança nele. As notícias falsas o perseguem, mas ele é durão. Eles não sabem o quanto ele é duro", disse Trump, que tem se recusado a demitir o ex-apresentador da Fox e atribuído o escândalo a delatores insatisfeitos com as mudanças no Pentágono.

Decretos

O jornal Washington Post publicou ontem reportagem afirmando que funcionários do Departamento de Justiça estão discutindo maneiras de remover acampamentos de moradores de rua e aumentar hospitalizações involuntárias de pessoas com doenças mentais.

Membros do alto escalão do Departamento de Justiça enviaram a funcionários do Escritório de Programas de Justiça um e-mail com oito perguntas sobre o tema. "O que o Departamento de Justiça pode fazer para transferir com mais eficiência os moradores de rua do espaço público para um lugar mais concentrado, para que a ordem possa ser restaurada e os recursos e serviços possam ser implantados de forma mais eficaz?", dizia uma das perguntas.

Trump tem criticado moradores de rua e doentes mentais que vivem em vias públicas. O governo começou a desmontar políticas que priorizam a colocação de pessoas em moradias antes de tentar encaminhá-las para serviços de saúde mental ou tratamentos de dependência química. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Dois dos dissidentes cubanos soltos em liberdade condicional em janeiro, sob um benefício concedido a mais de 500 prisioneiros como um gesto ao papa Francisco, foram presos novamente nesta terça, 29. Um comunicado do Supremo Tribunal Popular anunciou que as liberdades de Félix Navarro Rodríguez, de 72 anos, e José Daniel Ferrer, de 54, um histórico líder opositor, foram revogadas sob a alegação de que ambos não cumpriram as condições impostas.

Eles estavam em liberdade condicional desde janeiro, como parte de um acordo entre Cuba e o Vaticano, após a decisão do então presidente dos EUA, Joe Biden, de retirar a ilha da lista de países patrocinadores do terrorismo. Ao retornar à Casa Branca, Donald Trump voltou a incluir Cuba na lista.

Ao reagir ontem à revogação da liberdade condicional de ambos, o Departamento de Estado dos EUA condenou o "tratamento brutal e a detenção injusta de patriotas cubanos". "Pedimos a libertação imediata das centenas de presos políticos e de consciência detidos injustamente", disse a porta-voz Tammy Bruce.

Navarro foi condenado a 9 anos de prisão, em 2021, por desordem pública, desacato e agressão, e foi libertado em 18 de janeiro. Segundo o tribunal da cidade de Perico, na Província de Matanzas - a 200 quilômetros da capital -, ele saiu do município sete vezes sem autorização do juiz.

No caso de Ferrer, sua fiança foi revogada por ele não comparecer ao tribunal em diversas datas em que foi intimado. Ferrer cumpria uma pena de 4 anos e 6 meses, determinada em 2020, por agressão a outra pessoa. A sentença inicialmente não envolvia confinamento prisional, mas um tribunal ordenou sua reintegração em 2021.

Em 16 de janeiro, ele foi libertado pelo tribunal municipal de Santiago de Cuba - a cerca de 800 quilômetros de Havana -, mas não compareceu perante o juiz, conforme as instruções, diz o comunicado.

Manifestações

Tanto Navarro quanto Ferrer têm uma longa história de oposição política. As tentativas da agência Associated Press de contatá-los não tiveram sucesso. O Conselho para a Transição Democrática, um grupo de várias organizações de oposição, afirmou que uma "operação violenta" ocorreu ontem na sede da União Patriótica de Cuba, liderada por Ferrer, que o dissidente foi preso com outras três pessoas. O conselho também confirmou a prisão de Navarro em sua casa na cidade de Perico.

No início de janeiro, o próprio presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, divulgou uma carta ao papa Francisco na qual relatou a libertação gradual de 553 cidadãos por razões humanitárias, como um gesto para o ano jubilar - um momento de reconciliação na tradição católica.

A maioria dos 200 presos políticos registrados pelas ONGs está ligada às manifestações de julho de 2021, quando milhares foram às ruas para protestar contra as más condições de vida e a escassez de suprimentos, algumas exigindo mudanças no governo. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.