'Lucro de conteúdo extremista ameaça a democracia', diz pesquisadora

Política
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Diretora do Laboratório de Estudos de Internet e Redes Sociais (NetLab), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a professora Rose Marie Santini defende uma regulação urgente de grandes empresas de tecnologia para combater "o financiamento de conteúdos nocivos nas redes."

Na semana passada, o corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Luis Felipe Salomão, determinou a suspensão de monetização de canais bolsonaristas envolvidos na divulgação de notícias falsas em diferentes plataformas na internet. Como mostrou o Estadão, somente no YouTube, os 14 canais atingidos pela decisão do corregedor podem gerar até US$ 2,9 milhões (R$ 15 milhões) por ano em receita.

"Ideologias e extremismo viraram mercadorias muito lucrativas. Diante desse cenário, esse mercado tem que ser seriamente regulado e isso é urgente. Caso contrário, arriscamos nossa democracia e isso nos custará muito caro", afirmou a pesquisadora.

Como está o debate sobre regulação de conteúdo nas redes sociais no Brasil?

Estamos discutindo muito pouco. Qual o grande problema? Não temos transparência sobre o que acontece dentro das plataformas, não sabemos os filtros que as plataformas usam. Não sabemos como essas empresas classificam o conteúdo, o que retiram, o que não retiram, o que impulsionam, o que escondem, e por que o fazem. Por ser uma caixa-preta e não ter transparência, estamos no escuro. Precisamos de regulamentação, mas, antes de tudo, precisamos de um debate qualificado, baseado em dados e informações sobre o que acontece dentro dessas plataformas. Com mais transparência poderíamos entender a dinâmica, as estratégias e as consequências da desinformação. Como funciona, a quem beneficia. Ao resistir à maior transparência, especialmente para a pesquisa, se abre espaço para desconfiança.

É possível observar algum "enviesamento" por parte das redes no controle de conteúdo, como diz o presidente Jair Bolsonaro?

O que sabemos é que conteúdos de diferentes tipos e ideologias estão sendo bloqueados. É a plataforma que decide.

E o que motiva as plataformas a se fecharem?

É o modelo de negócio baseado na atenção. Pesquisas mostram que o extremismo atiça os usuários, amplia o compartilhamento e gera indignação, que é um dos sentimentos que mais estimulam o engajamento. O que observamos é que o extremismo e o comportamento polarizado tornaram-se muito lucrativos. As plataformas conseguiram capitalizar o fenômeno e inventaram um modelo de negócio em torno disso. Quanto mais usuários se indignam, mais se envolvem na participação e na produção de conteúdo para as plataformas e, assim, mais a máquina de dinheiro roda. É quase uma máquina de engajamento em torno de sentimentos negativos, uma máquina que trabalha com a emoção mais sórdida das pessoas. Esse modelo de negócio em torno da incivilidade e do extremismo é muito nocivo.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estuda obrigar plataformas a proibir a geração de receita por canais com conteúdo político e extremista nas eleições.

Uma resolução que proíba a geração de receitas em canais com conteúdo político e extremista coloca novamente o problema da arbitragem: quem classificará os conteúdos e com que critérios? Quem definirá o que é "político e extremista" e como vamos fiscalizar? Sem uma regulamentação madura, com base em amplo debate da sociedade e em mecanismos efetivos de auditoria e de transparência, não vamos conseguir evitar o financiamento de conteúdos nocivos. Porém, sabemos que os conteúdos extremistas possuem diferentes mecanismos de financiamento como doações, assinaturas, crowdfunding, venda de produtos, eventos. Portanto, ou enfrentamos o problema da moderação de conteúdo com uma regulamentação para atuação das plataformas no Brasil, ou vamos ficar enxugando gelo com decisões paliativas que não são aplicáveis de fato, especialmente no período eleitoral onde formas inesperadas de financiamento irregular aparecem.

O presidente Jair Bolsonaro defende alterações no Marco Civil da Internet para impedir o que chama de censura a perfis de direita nas plataformas. Como isso afetaria a web brasileira?

Essa mudança impediria que qualquer tipo de filtro fosse colocado e que qualquer conteúdo pudesse ser retirado. Atualmente, as big techs usam filtros que retiram de suas plataformas uma série de conteúdos considerados inapropriados, como pedofilia, pornografia, violência extrema, automutilação, nudez, terrorismo e material protegido por direitos autorais. Para retirar esses conteúdos, as plataformas usam estratégias de bloqueio automáticas, com ajuda de inteligência artificial, combinadas com o trabalho de um exército de moderadores. Se a regra é alterada e nenhum conteúdo passa a poder ser retirado sem ação judicial prévia, todo tipo de conteúdo, incluindo os citados, necessariamente deverão permanecer nas plataformas. Por exemplo, se uma empresa disseminar desinformação sobre um concorrente, a plataforma não poderia retirar esse conteúdo, o que tornaria esse comportamento válido de alguma maneira. Impedir qualquer tipo de moderação é como viver numa sociedade sem lei. Seria um caos digital. Com essa proposta, o presidente não vai impedir somente os filtros contra si, mas qualquer filtro. As plataformas vão ficar "sujas" de conteúdo. Haverá um aumento exponencial de coisas absurdas na rede.

Os critérios atuais das plataformas podem ser considerados justos?

É importante que as plataformas retirem alguns dos conteúdos que já retiram, mas que o parâmetro de bloqueio não seja definido única e exclusivamente pela plataforma, como é hoje. Precisamos debater com diferentes atores da sociedade civil, pesquisadores, especialistas, para definir esses parâmetros. Os critérios não podem ser nem de um candidato nem de uma empresa, têm de ser definidos por todos nós.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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Um suspeito jogou um dispositivo incendiário que explodiu do lado de fora do consulado russo em Marselha, na França, na manhã desta segunda-feira, 24, disseram as autoridades, no terceiro aniversário da invasão da Ucrânia pela Rússia. Nenhum ferimento foi relatado.

Um segundo dispositivo, também jogado contra a parede externa do consulado, não detonou e caiu na calçada. Um especialista em desarmamento de bombas foi enviado para manusear o dispositivo não detonado.

O suspeito fugiu e uma investigação foi iniciada, disse uma autoridade sob condição de anonimato porque não estava autorizada a falar publicamente sob a política policial nacional. As autoridades não forneceram detalhes sobre o suspeito ou um possível motivo.

Marselha, a segunda maior cidade da França e um importante porto do Mediterrâneo, abriga uma população diversificada, mas não tem uma comunidade russa notavelmente grande.

A França registrou vários protestos contra a guerra da Rússia na Ucrânia desde 2022, incluindo manifestações em Marselha, Paris e outras cidades.

A porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, disse que o incidente em Marselha tem "todas as características de um ataque terrorista".

O Brics tem o papel de representar os países emergentes, mas é preciso colocar um limite para que não perca sua coesão, na avaliação do assessor-chefe da Assessoria Especial da Presidência da República, Celso Amorim, em entrevista à plataforma da gestão brasileira à frente do bloco. O grupo foi criado com quatro membros (Brasil, Rússia, Índia e China), agregou em seguida a África do Sul e recentemente foi ampliado, contando agora com 11 integrantes, além de nove países parceiros, um total de 20 nações.

"Eu acho que se você abrir, digamos assim totalmente, quase todos os países em desenvolvimento vão querer ser membros do Brics. Isso revela a importância que o grupo tem", considerou Amorim. "Acho que o Brics tem que ter uma abertura e os países em desenvolvimento têm que se sentir representados. Mas operacionalmente não pode se expandir indefinidamente porque, para atuar concretamente em questões importantes, tem que manter uma certa coesão", continuou.

Para o diplomata, nem ao Ocidente e nem ao Oriente, o grupo é a união principalmente de economias situadas no Hemisfério Sul do globo. "Como é que se pode dizer que o Brasil é contra o Ocidente se acabamos de concluir um acordo na área econômica com a União Europeia? Não tem cabimento. Ter uma subordinação a um determinado país líder, isso nós não queremos. Nem Ocidente, nem Oriente, Sul Global é o que defendemos", argumentou, sem citar os Estados Unidos ou o governo de Donald Trump, que já se mostrou diversas vezes incomodado com a atuação do grupo.

Amorim enalteceu o acordo do Mercosul fechado com o bloco da Europa no fim do ano passado, mas enfatizou que o Brasil tem a ambição de diversificar parceiros, o que vale também para o Brics. "Com o Brics, a gente também não fica dependente de um único país ou grupo de países. Por exemplo, é muito bom que tenha sido concluído o acordo com a União Europeia, mas você não pode ficar só com os países europeus", pontuou.

Um dos pontos mais relevantes do condomínio de emergentes, de acordo com o assessor, é a força que o grupo pode ter em outros fóruns se permanecer unido e coeso, como já tinha adiantado o Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) ao registrar a intenção do Brasil de lançar um candidato único do bloco para postos de relevância em instituições financeiras internacionais.

Amorim citou como exemplo, a força que o Brics pode dar ao grupo das 20 maiores economias do globo (G20). "Parece uma contradição, mas não é", assegurou.

Líderes da Europa e o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, visitaram a capital da Ucrânia nesta segunda-feira, 24, para demonstrar apoio ao país no terceiro aniversário da guerra do país contra a Rússia. A data acontece no momento em que a continuidade do apoio dos Estados Unidos, o principal financiador de Kiev no conflito, está em xeque por causa do governo de Donald Trump.

Na rede social X, o antigo Twitter, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que estava na comitiva visitante, afirmou que os líderes da Europa estavam em Kiev "porque a Ucrânia está na Europa".

"Nesta luta pela sobrevivência, não é apenas o destino da Ucrânia que está em jogo. É o destino da Europa", disse ela.

Desde que Donald Trump retornou à presidência dos EUA, em 20 de janeiro, e mudou o posicionamento americano com relação ao conflito, os líderes da Europa buscam mostrar apoio conjunto à Ucrânia.

Ao contrário do que os EUA adotaram no governo de Joe Biden, Trump estabeleceu uma abordagem cordial com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, e fez críticas abertas ao presidente ucraniano Volodmir Zelenski. Nos últimos dias, o norte-americano chamou Zelenski de ditador e sugeriu que a Ucrânia é culpada pela guerra, além de estabelecer uma mesa de negociação com a Rússia sem a participação de Kiev.

As autoridades americanas também indicaram à Ucrânia que as esperanças de se juntar à Otan dificilmente se concretizarão e o país provavelmente não recuperará as terras que o exército russo ocupou, que equivale a cerca de 20% do seu território.

Enquanto isso, as tropas de Putin retornaram a avançar no campo de batalha enquanto a Ucrânia enfrenta escassez de tropas e armas.

Cúpula da UE

Na comitiva que foi à Ucrânia estavam presentes os primeiros-ministros dos países do norte da Europa e da Espanha, além do presidente do Conselho Europeu, Antonio Costa. Eles se reuniram com Zelenski para discutir mais apoio do bloco à Kiev, um dia depois de Costa ter anunciado uma cúpula de emergência no dia 6 de março com os 27 líderes da União Europeia para debater o assunto.

"Estamos vivendo um momento decisivo para a Ucrânia e a segurança europeia", disse ele em uma publicação nas redes sociais.

Em paralelo, o primeiro-ministro britânico Keir Starmer e o presidente francês Emmanuel Macron visitarão Washington esta semana e a UE aprovou uma nova rodada de sanções contra a Rússia, na tentativa de pressioná-los no conflito - desta vez, as medidas têm como alvo a chamada "frota sombra" de navios que a Rússia utiliza para contornar as restrições para transportar petróleo e gás.

A principal diplomata da UE, Kaja Kallas, insistiu que os EUA não podem negociar nenhum acordo de paz para acabar com o conflito sem a participação Ucrânia ou dos europeus.

De acordo com Kallas, o governo de Donald Trump tem adotado posições em favor da Rússia ao chamá-los para negociar. "Você pode discutir o que quiser com Putin. Mas se for para a Europa ou Ucrânia, então Ucrânia e Europa também têm que concordar com o acordo", disse a repórteres em Bruxelas.

A diplomata viaja para Washington na terça-feira para conversas com o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio.

Encontro de Trump com Putin

Enquanto isso, o Ministério das Relações Exteriores da Rússia disse no sábado, 22, que os preparativos para um encontro entre Trump e Putin estavam em andamento. A ideia ganhou força após as autoridades dos dois países se reunirem na Arábia Saudita há uma semana, logo após a Europa realizar a Conferência de Segurança de Munique.

A posição de Trump pode ser explicada pela pressa em acabar com a guerra na Ucrânia, que foi uma de suas promessas de campanha, e pelo interesse em mudar o foco dos EUA após o país gastar cerca de US$ 65,9 bilhões (cerca de R$ 375 bilhões) em assistência militar desde a invasão em 24 de fevereiro de 2022.

As autoridades americanas disseram que concordaram com Moscou em restabelecer os laços diplomáticos e reiniciar a cooperação econômica.

No domingo, o vice-ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Riabkov, disse à agência de notícias estatal TASS que havia "bastante" contato em andamento entre os lados russo e americano. Fonte: Associated Press.