Candidatos barrados custaram R$ 26 milhões em 2020; gasto deve ser maior na eleição de outubro

Política
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A adoção do financiamento público das campanhas, a ausência de uma regra mais rigorosa para a distribuição interna dos partidos e o prazo curto de análise dos registros pela Justiça Eleitoral possibilitam o desperdício de milhões de reais a cada nova eleição. Parte dos recursos é usada pelas legendas para bancar candidaturas inviáveis nas urnas e que, durante a campanha ou somente após o resultado ser declarado, tiveram a participação vetada na Justiça.

Dados oficiais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tabelados pelo Estadão mostram que candidatos considerados inaptos receberam R$ 27,5 milhões dos fundos eleitoral e partidário nas eleições de 2020. O número considera apenas repasses diretos nas contas dos candidatos. Do montante, só R$ 1,4 milhão foi devolvido aos partidos ou redirecionado a outros concorrentes, o que permite estimar que essas campanhas inócuas consumiram efetivamente algo em torno de R$ 26 milhões somente naquele ano.

O prejuízo aos cofres públicos deve ser ainda maior nas eleições de 2024, na medida em que o fundo eleitoral atinge a cifra de R$ 4,9 bilhões, mais do que o dobro dos R$ 2 bilhões liberados há quatro anos. Com mais dinheiro em caixa, aumentam as chances de um valor maior de recursos parar na conta de candidatos indeferidos, cassados e que abandonam a campanha no meio do caminho.

A maior parte dos recursos contabilizados se refere a políticos que foram impedidos de concorrer no momento da análise dos registros de candidatura pela Justiça Eleitoral. O problema é que os processos costumam levar tempo e os candidatos podem adentrar o período de campanha até uma sentença definitiva do TSE eliminá-los da disputa. Nesse meio tempo, nada impede que eles recebam e gastem dinheiro público para pedir votos.

Especialistas ouvidos pelo Estadão atribuem esse problema ao fato de os registros de candidatura ocorrerem imediatamente antes do início da campanha eleitoral, o que torna impossível que os problemas sejam identificados a tempo de evitar que os políticos recebam e apliquem recursos do fundo eleitoral e partidário e apareçam na propaganda eleitoral em rádio e televisão, que também gera custos ao poder público (veja mais abaixo).

O caso mais extremo ocorreu em Coari, município de 70 mil habitantes do Amazonas. Adail Filho, concorrendo pelo Progressistas, gastou R$ 690 mil na sua tentativa de reeleição na cidade. Foram R$ 352 mil apenas com material gráfico de campanha, como adesivos e "santinhos", além de R$ 175 mil para colocar militantes na rua e distribuir os panfletos, segundo a prestação de contas.

Adail recebeu pouco mais de 22 mil votos (59%). Nos primeiros dias de dezembro daquele ano, porém, o Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas (TRE-AM) decidiu, por unanimidade, indeferir o seu registro, anulando o resultado. O motivo era que seu pai, Adail Pinheiro, eleito em 2012, teve o mandato cassado dois anos depois pela Lei da Ficha Limpa. Como Adail Filho governou a prefeitura entre 2016 e 2020, a Justiça entendeu que o mesmo núcleo familiar assumiria um terceiro mandato consecutivo em Coari, o que é vedado pela legislação.

O hoje deputado federal argumentou, por meio de seu advogado, que a candidatura foi "baseada numa interpretação absolutamente razoável e de boa-fé da legislação eleitoral", porque o mandato do pai havia sido interrompido. Ele também ressaltou que obteve decisão favorável em primeira instância e estava resguardado por uma consulta ao juízo. "À época do dispêndio das despesas de campanha, o deputado não teria como adivinhar que a Justiça Eleitoral adotaria entendimento diferente daqueles formalmente existentes no período da eleição."

Por conta da quantidade de votos anulados, a eleição em Coari precisou ser refeita no ano seguinte. O pleito foi vencido por Keitton Pinheiro, primo de Adail que era seu vice na chapa de 2020. Neste ano, o clã planeja o retorno de Adail Pinheiro, pai do deputado, atualmente filiado ao Republicanos, ao comando da prefeitura da cidade do Amazonas. Ele tem em seu histórico condenações por desvio de recursos públicos e envolvimento uma rede de exploração sexual de crianças e adolescentes.

Em Santos Dumont, cidade mineira de 46 mil habitantes, o pecuarista Bebeto Faria concorreu a prefeito pelo antigo DEM, hoje União Brasil, e fez campanha até o final, mesmo com uma decisão judicial de 1ª instância indeferindo o seu registro semanas antes do primeiro turno. Ex-prefeito, ele acabou apenas em terceiro lugar, com 3.832 votos. Ainda assim, teve o gasto mais elevado entre todos os concorrentes, alavancado por R$ 510 mil do fundo eleitoral.

Bebeto Faria foi barrado com base na Lei da Ficha Limpa, acionada em razão de um ato de improbidade administrativa que teria sido cometido em 2014. O ex-prefeito, que deve concorrer novamente este ano, agora pelo PSD, declarou ao Estadão que a decisão ocorreu faltando praticamente duas semanas para as eleições e que "já tinha realizado gastos de campanha, tudo dentro da legalidade", e que sua prestação de contas foi aprovada. Disse ainda que confiava na reversão da sentença, mas o caso foi arquivado por perda de objeto uma vez que não foi eleito.

Desistências alimentam o desperdício

O levantamento do Estadão mostra que, dos R$ 26 milhões de fundo eleitoral gastos por candidatos inaptos em 2020, mais da metade entraram na conta de políticos com registros indeferidos ou que não cumpriram os requisitos mínimos para se apresentar nas urnas. Esse escopo inclui os políticos barrados pela Lei da Ficha Limpa, entretanto, só é possível detalhar a data das decisões e o motivo específico analisando cada um dos milhares de casos envolvidos.

Já o gasto de políticos que desistiram de concorrer antes da votação chegou a R$ 4 milhões. Especialistas explicam que esse número possivelmente está inflado por candidaturas que tiveram um primeiro revés na Justiça e preferiram abrir mão da disputa para que o partido indicasse um substituto no prazo de até 20 dias antes do primeiro turno.

Foi o que ocorreu com Dona Cida, candidata a prefeita pelo antigo PROS em Planaltina, cidade de 105 mil habitantes no interior de Goiás. Ela foi a recordista de gastos do fundo eleitoral na modalidade. Na época, ela havia assumido o governo na condição de vice-prefeita. Dona Cida é mãe do fundador e então presidente da sigla, Eurípedes Júnior, que passou a presidir o diretório nacional do Solidariedade após a incorporação do PROS. Atualmente, ele está licenciado do partido e se entregou à Polícia Federal após ser alvo em uma operação da última quarta-feira, 12, por suspeita de desvio de R$ 36 milhões do fundo partidário.

Antes da renúncia, Dona Cida aplicou R$ 402 mil de fundo eleitoral, incluindo R$ 50 mil no aluguel de um trio elétrico, R$ 67 mil para produzir e distribuir propaganda na rua e R$ 190 mil com assessor de imprensa, gerenciamento de redes sociais e serviços de advocacia e contabilidade. O abandono se deu após decisão desfavorável no TRE-GO, que indeferiu a candidatura por conta de condenação por irregularidades na prestação de contas da eleição de 2018.

O Estadão procurou Eurípedes Júnior e Dona Cida por meio de diversos contatos listados na página oficial do Solidariedade e não obteve retorno. A respeito da operação da Polícia Federal, a defesa de Eurípedes diz que ele nega as irregularidades e afirma que ele vai provar "sua total inocência em face dos fatos que estão sendo apurados nos autos do inquérito policial em que foi determinada sua prisão preventiva".

Fraudes à cota de gênero

As despesas de candidatos cassados posteriormente pela Justiça Eleitoral são mais difíceis de serem evitadas, porque esses processos tendem a tramitar por anos até a conclusão e dependem do momento em que a infração é cometida. Nas eleições de 2020, a União financiou R$ 4,8 milhões na campanha desses candidatos, que depois foram barrados por diferentes motivos, como abuso de poder político e econômico, uso indevido dos meios de comunicação ou compra de votos, por exemplo.

Existe ainda o cenário em que não apenas um candidato é impedido pela Justiça Eleitoral depois de consumir recursos públicos, mas sim uma chapa inteira de vereadores. A principal razão que explica essas cassações é a fraude à cota de gênero. Por lei, as siglas devem registrar ao menos 30% de mulheres nas urnas e transferir uma quantia proporcional do fundo eleitoral. A regra costuma ser driblada por meio de candidatas "laranjas", que estão presentes apenas para fazer número sem empenho real em ganhar votos.

Em Goiânia (GO), a fraude à cota de gênero levou ao impedimento de nada menos do que 180 candidatos, com a cassação das chapas inteiras de Cidadania, PMB, PRTB e PTC, renomeado depois para Agir. Destes, 56 fizeram uso do fundo eleitoral: R$ 39 mil por 26 postulantes a vereador do Cidadania e R$ 250 mil de 30 do Agir. A decisão ainda resultou na troca de cinco vereadores em exercício na cidade.

Especialistas defendem antecipação do registro de candidatura

A solução mais eficiente apontada por especialistas consultados pelo Estadão para reduzir o desperdício com inaptos é antecipar o prazo de registro de candidaturas. A medida daria tempo para os casos serem analisados antes do início das campanhas, reduzindo o gasto com políticos "ficha suja" e registros indeferidos por outros motivos.

Fernando Neisser, professor de Direito Eleitoral da FGV, aponta que os prazos da Justiça Eleitoral para as partes se manifestarem dentro dos processos já são considerados "ultracurtos" em relação aos demais tribunais. "O registro de candidatura hoje fica em cima da eleição. Não tem como, é fisicamente impossível de analisar. Se a gente somar todos os prazos, ninguém atrasar nada e a Justiça Eleitoral for a mais célere possível, não se tem como, numa campanha municipal que tem que passar por um juiz, TRE e TSE, decidir antes dos 20 dias do prazo de substituição", avalia.

"O registro de candidatura hoje fica em cima da eleição. Não tem como, é fisicamente impossível de analisar"

Ele entende que o começo da campanha deveria ser mantido em 16 de agosto, mas o prazo das convenções partidárias e do registro de candidatura deveria ser antecipado para o começo de julho. "Dando esses 40 dias a mais para a Justiça Eleitoral analisar os registros, especialmente considerando que ela não estará ocupada julgando um monte de representação de propaganda, essa questão já estaria definida com duas semanas de campanha."

O debate chegou a ser levado ao Congresso em agosto do ano passado, em um projeto de minirreforma eleitoral, mas a sugestão não foi acatada pelos deputados na versão final do texto. Há o receio entre os partidos de que a antecipação dos prazos afete as costuras de alianças e torne o cenário das disputas mais imprevisível pela distância até o pleito.

Além disso, conforme menciona Marilda Silveira, professora de Direito Administrativo e Eleitoral do IDP, a dificuldade em analisar os pedidos antes das eleições costuma obrigar a Justiça Eleitoral a refazer os pleitos, gerando mais custos. "Só teria jeito de não desperdiçar esse dinheiro se o registro fosse antecipado. Porque aí a gente teria a certeza de quem pode ser candidato e quem não pode", destaca.

O promotor de Justiça aposentado Edson de Resende Castro, ex-chefe da Coordenadoria Estadual de Apoio aos Promotores Eleitorais (Cael) do Ministério Público de Minas Gerais (MP-MG), levanta a possibilidade de entrar com pedidos de liminares em casos mais flagrantes, de modo a evitar o gasto e o uso de propaganda eleitoral gratuita, que também gera despesas à União. Ainda assim, ele considera que a linha de atuação seria uma excepcionalidade e que a melhor forma de evitar as despesas seria mesmo conceder mais tempo de análise para a Justiça.

Outro modo de evitar desperdício seria pedir o ressarcimento dos valores. Essa hipótese foi levantada ainda em 2018 pela então procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Na época, o PT pretendia lançar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mesmo podendo ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa. A ideia era que os candidatos considerados inelegíveis tivessem de pagar de volta os recursos públicos utilizados.

A proposta nunca prosperou, pelas dificuldades práticas na sua implantação. "Tentar ser candidato é um direito político de primeira geração, uma das coisas mais fundamentais da cidadania", lembra Neisser, para quem uma regra geral do tipo poderia desincentivar a entrada de pessoas bem intencionadas na política. Marilda Silveira, da mesma forma, vê problemas. "O que a gente pensa a partir da nossa Constituição é que, se for para perder alguma coisa, que seja dinheiro, e não o direito político de alguém, porque é direito fundamental", diz.

A Advocacia-Geral da União (AGU) tem optado por pedir ressarcimento a alguns candidatos específicos que foram eleitos mediante compra de voto e outras situações mais graves e, dessa forma, obrigaram o governo a bancar eleições suplementares. Somente nos últimos quatro anos, foram realizadas 119 eleições do tipo em todo o Brasil. Estima-se que a maior parte se deve a ilícitos de campanha.

Em fevereiro deste ano, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) condenou dois ex-prefeitos a cobrirem as despesas em pleitos realizados em Bom Jesus, em 2018, e Parobé, em 2020, ambos no interior do Rio Grande do Sul. Ainda não há, porém, validação da tese no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A AGU declarou ao Estadão que o ajuizamento das ações para recuperação de valores exige trânsito em julgado de condenação na Justiça Eleitoral e que acompanhará os eventuais processos relacionados às eleições de 2024. O TSE afirmou que fiscaliza a prestação de contas e que, fora da matéria financeira, as denúncias são averiguadas pelo Ministério Público. O MPF disse que os seus integrantes podem solicitar ao juiz concessão de liminar para que não sejam repassados recursos públicos a determinados candidatos, assim como pedir a devolução dos valores, mas que cabe ao procurador natural analisar caso a caso para a entrada da ação.

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Agentes de combate ao terrorismo da Inglaterra prenderam neste domingo, 4, cinco homens por um suposto plano de ataque em Londres, informou a Polícia britânica.

Os suspeitos, com idades entre 29 e 46 anos, foram detidos no sábado em várias partes de Inglaterra pela suspeita de prepararem "um ato terrorista" a um alvo ainda não identificado. Quatro deles são cidadãos iranianos e a nacionalidade do quinto ainda não foi divulgada.

Todos estão sendo interrogados pela polícia britânica, mas ainda não foram acusados formalmente. A polícia informou que ainda efetua buscas em várias propriedades em Londres, Manchester, e outras localidades da Inglaterra.

Segundo agentes envolvidos nas investigações, o plano de ataque visava um único local que não foi informado "por razões operacionais".

O chefe do Comando Antiterrorista da polícia britânica, comandante Dominic Murphy, disse que a polícia ainda investiga quais seriam as motivações para o atentado, além de tentar "identificar se pode haver algum risco adicional para o público".

Mais três prisões de iranianos

Além desse episódio, três outros homens iranianos, de 39, 44 e 55 anos, foram detidos em Londres por suspeita de crime contra a segurança nacional, no âmbito de uma investigação não relacionada ao ataque terrorista, informou a polícia.

A Ministra do Interior, Yvette Cooper, afirmou que as detenções são "acontecimentos graves que demonstram a necessidade permanente de adaptar a nossa resposta às ameaças à segurança nacional".

"O governo continua a trabalhar com a polícia e as agências de inteligência para apoiar todas as ações e avaliações de segurança necessárias para manter o país seguro", disse.

Conspirações "potencialmente letais"

A polícia não determinou se a alegada conspiração está ligada ao Irã, mas os serviços secretos britânicos alertaram para a ameaça crescente de ataques ligados a Teerã.

Em outubro, o chefe dos serviços de segurança interna do MI5, Ken McCallum, afirmou que os seus agentes e a polícia tinham enfrentado 20 conspirações "potencialmente letais" apoiadas pelo Irã desde 2022, a maioria das quais dirigidas a iranianos no Reino Unido que se opõem às autoridades do país.

Na época, ele afirmou que havia o risco "de um aumento ou alargamento da agressão estatal iraniana no Reino Unido" se os conflitos no Oriente Médio se aprofundassem.

Em março de 2024, Pouria Zeraati, apresentador de uma estação de televisão em língua farsi que criticava o governo iraniano, foi esfaqueado na perna diante de sua casa em Londres. Mais tarde, dois homens foram detidos na Romênia e acusados pelo ataque.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, minimizou neste domingo, 4, as preocupações com uma possível recessão no país, em meio à desaceleração da economia e ao aumento de tarifas sobre produtos importados. Em entrevista ao programa "Meet the Press", da rede de TV americana NBC News, Trump afirmou que o país atravessa um "período de transição" e que as medidas adotadas por sua gestão visam fortalecer a economia no longo prazo, mesmo com eventuais efeitos negativos no curto prazo.

"Está tudo bem. Eu disse que este é um período de transição. Acho que vamos nos sair muito bem", afirmou, ao ser questionado se aceitaria uma recessão como custo para alcançar seus objetivos econômicos. A declaração ocorre dias após a divulgação do PIB do primeiro trimestre, que apontou contração de 0,3% na taxa anualizada, a primeira queda desde o início de 2022.

Trump também reiterou sua defesa de tarifas comerciais elevadas, especialmente contra a China. Segundo ele, a imposição de alíquotas de até 145% é uma forma de proteger a indústria americana e corrigir o que chama de desequilíbrio comercial histórico. "Nós perdíamos de US$ 5 bilhões a US$ 6 bilhões por dia com Biden. Agora, isso caiu drasticamente. Colocamos uma tarifa de 145%. Ninguém nunca ouviu falar disso. E isso está bem", afirmou.

Inflação

Ao comentar o impacto das tarifas sobre os preços ao consumidor, Trump sugeriu que os americanos podem reduzir o consumo de produtos supérfluos. "Eu não acho que uma garotinha de 11 anos precise ter 30 bonecas. Ela pode ter três ou quatro. Não precisamos gastar dinheiro com lixo vindo da China", disse. A fala foi interpretada como um indicativo de que sua política pode provocar aumento de preços e redução na oferta de alguns itens importados, como brinquedos e artigos escolares.

Durante a entrevista, Trump negou que sua agenda econômica esteja causando danos estruturais e classificou os impactos como ajustes temporários. "As tarifas vão nos deixar ricos. Vamos ser um país muito rico", declarou.

Questionado sobre a reação negativa de parte do mercado financeiro após o anúncio das novas tarifas, o presidente afirmou que se responsabiliza pelas consequências, mas argumentou que está no cargo há apenas três meses.

"Ultimamente, eu me responsabilizo por tudo. Mas só estive aqui por pouco mais de 100 dias. Mesmo assim, já conseguimos reduzir custos. Estamos falando de uma economia que estava sangrando. Hoje temos um comércio muito mais equilibrado e parceiros que querem fazer acordos conosco. Mas tem que ser justo", disse.

"Partes boas da economia são minhas; ruins, do Biden"

Trump também criticou o ex-presidente Joe Biden e atribuiu a ele os problemas econômicos atuais. "As partes boas da economia são minhas. As ruins são do Biden. Ele fez um trabalho terrível em tudo. Desde a economia até o uso do autopen, que ele nem sabia que estava assinando", afirmou, em referência ao episódio recente em que um indulto concedido a um aliado democrata foi atribuído ao uso do mecanismo automatizado de assinatura do presidente.

Questionado sobre sua principal promessa de campanha, acabar com a inflação e turbinar a economia americana, Trump descreveu a crise recente como parte de um período de "transição". Ele argumenta que as tarifas, em última análise, reduzirão o déficit comercial dos EUA, gerarão receita para o governo e melhorarão a economia doméstica.

"Não precisamos desperdiçar dinheiro em um déficit comercial com a China por coisas que não precisamos, por lixo que não precisamos", disse Trump. Ele afirmou ainda que os EUA ficariam "bem" no caso de uma recessão de curto prazo a caminho do que ele prevê, a longo prazo, será uma economia agitada quando suas políticas entrarem em vigor.

"Olha, sim. Está tudo bem", disse. "Eu disse, este é um período de transição. Acho que vamos nos sair muito bem", ressaltou o republicano.

A entrevista também abordou a tensão entre a promessa de combater a inflação e o efeito prático das tarifas sobre o custo de vida. Dados recentes mostram que, apesar de uma leve desaceleração na inflação anual, os preços de itens importados como pneus, utensílios domésticos e carrinhos de bebê seguem em alta. Trump relativizou esses aumentos e disse que o foco deve ser a redução no preço da energia, como gasolina. "Gasolina é milhares de vezes mais importante do que um carrinho de bebê", disse.

Risco de desabastecimento

Sobre a possibilidade de desabastecimento, Trump negou que os americanos devam esperar prateleiras vazias, mas insistiu na ideia de que o consumo deve ser racionalizado. "Não estou dizendo que vai faltar. Só estou dizendo que as pessoas não precisam ter 250 lápis. Podem ter cinco."

A política tarifária adotada por Trump é um dos pilares de sua estratégia econômica, ao lado da contenção da imigração irregular e do corte de gastos públicos. Nas últimas semanas, ele tem pressionado o Congresso a aprovar um pacote de reconciliação orçamentária que amplia cortes tributários e busca limitar programas sociais. A proposta deve enfrentar resistência de parlamentares moderados, que temem o impacto sobre o déficit e sobre eleitores de baixa renda.

A entrevista ao "Meet the Press" marca o fim dos primeiros 100 dias do novo governo Trump. Em meio à queda nos índices de aprovação e à contração do PIB, o presidente tem buscado reforçar sua base de apoio com mensagens voltadas à classe média e ao eleitorado industrial. As declarações deste domingo, 4, reforçam o tom nacionalista e protecionista que pautou sua campanha e seguem sendo o eixo central de sua agenda econômica.

Foi depois que o pequeno avião caiu na selva boliviana, no início da semana passada, que o verdadeiro calvário começou para os sobreviventes. Após colidir com o solo, a aeronave capotou indo parar em uma lagoa infestada de anacondas e jacarés, mergulhando o piloto e quatro passageiros - incluindo um menino de 6 anos - em angustiantes 36 horas agarrados aos destroços do avião, antes de serem resgatados na sexta-feira, 2, no nordeste da Bolívia.

O médico que tratou dos cinco sobreviventes disse à Associated Press no sábado, 3, que todos estavam conscientes e em condição estável, sendo que apenas a tia do garoto, de 37 anos, permaneceu hospitalizada com um corte infectado na cabeça. Os demais receberam alta e estavam se recuperando de desidratação, queimaduras químicas leves, cortes infectados, hematomas e picadas de insetos por todo o corpo.

"Os jacarés e cobras nos observavam a noite toda"

"Não podíamos acreditar que eles não foram atacados", disse, por telefone, Luis Soruco, diretor do hospital onde os sobreviventes foram levados na província de Beni da Bolívia, após enviar o piloto e duas das mulheres para casa com um forte tratamento de antibióticos.

O piloto, Pablo Andrés Velarde, de 27 anos, contou na sexta-feira, 2, a história que tem fascinado muitos bolivianos. "Os mosquitos não nos deixavam dormir", contou Velarde aos repórteres de sua cama no hospital na capital provincial de Trinidad. Soruco disse que ele estava "surpreendentemente" com boa saúde e ânimo. "Os jacarés e cobras nos observavam a noite toda, mas não se aproximavam."

Surpreso que os caimões, uma espécie da família dos jacarés nativa da América Central e do Sul, não atacassem, Velarde especulou ser o cheiro de combustível de jato derramando dos destroços que havia mantido os répteis predadores à distância. Mas não há evidências científicas de que ele seja um efetivo repelente de jacarés.

Velarde disse que os cinco sobreviveram comendo farinha de mandioca que uma das mulheres havia levado como lanche. Eles não tinham nada para beber, já que a água da lagoa estava contaminada com gasolina.

O acidente

O pequeno avião havia decolado na quarta-feira, 30, da vila boliviana de Baures, com destino à cidade maior de Trinidad mais ao sul, onde Patricia Coria Guary tinha uma consulta médica agendada para seu sobrinho de 6 anos no hospital pediátrico, disse Soruco.

Duas outras mulheres, vizinhas de Baures, com idades de 32 e 54 anos, juntaram-se a eles. Esse tipo de voo é um meio comum de transporte nessa remota região Amazônica cortada por rios. É que chuvas intensas inundam estradas, não pavimentadas, nesta época do ano.

Mas, em apenas 27 minutos, quase na metade do tempo de voo, o único motor do avião parou. Velarde disse que relatou a iminente queda pelo rádio para um colega.

Em entrevistas para a mídia local, ele contou que tinha havia mirado para uma clareira próxima a uma lagoa. "Não havia fazenda nem estrada na rota", disse. "Era apenas um pântano."

Em vez de deslizar pela margem conforme planejado, o avião bateu no chão e virou de cabeça para baixo, ferindo todos a bordo e deixando Coria Guary com um corte especialmente profundo na testa, antes de mergulhar na água. "A aterrissagem foi muito brusca," disse Velarde.

Assim que o avião foi inundado, os cinco conseguiram subir em cima da fuselagem. Ali permaneceram por duas noites aterrorizantes, cercados por caimões e anacondas e atacados por enxames de mosquitos e outros insetos. Eles acenavam com camisas e lençóis em vão e gritavam cada vez que ouviam o som de hélices ou o ronco de um motor de barco.

Na sexta-feira, 2, ao som de lanchas se aproximando, "começamos a acender as lanternas dos nossos celulares e a gritar", disse Velarde. Um grupo de pescadores percebeu e os ajudou a entrar em sua canoa. Eles chamaram as autoridades e entregaram os sobreviventes a um helicóptero do Exército algumas horas depois. "Não aguentaríamos mais uma noite", disse Velarde.